João Porfírio mostra as imagens de uma América desunida na véspera das últimas eleições presidenciais. O fotojornalista antecipa-nos a exposição "Estados Desunidos da América".
Quando os médicos que conduziam o parto o chamaram para tirar a fotografia, avisaram-no logo: “Se quiser, tem de ser agora”. Até então sentado numa cadeirinha ao lado da mulher, Miguel Madeira teve somente tempo para se levantar, subir a câmara ao rosto, e disparar. “Foi como se estivesse a trabalhar. Estava apenas a garantir que a imagem ficava bem feita, como se fosse o parto de outra criança”, recorda sobre o momento em que registou os primeiros segundos de vida da filha, na manhã de 22 de Abril. Só depois dos primeiros gritos da recém-nascida ecoarem nas paredes da sala de parto entendeu verdadeiramente o que se passava. “Foi aí que senti um baque. Depois de tirar a câmara do olho fui-me abaixo”. Contou-lhe os dedinhos minguados, como as mães ensinavam. E chorou.
“Talvez por ter trabalhado durante muitos anos num jornal tenha criado um certo distanciamento”, diz o fotógrafo, que passou uma vida a trabalhar para o Público, onde foi editor de fotografia. Agora, aos 49 anos, é freelancer. Fotografar, no fundo, “sempre foi uma desculpa para ir aos sítios ver como era”. E é assim que ainda hoje continua a entender a fotografia. Já fez e descartou um sem-fim de imagens. Esta, no entanto, é diferente: assinala o início de uma vida. Vai ficar para sempre.
Ser pai numa altura em que uma pandemia abala o mundo e provoca milhares de mortes pode inspirar preocupações e receios. Quando em Março a situação escalou, Miguel deixou de poder ir às consultas. Os planos para estar ao lado da mulher, Diana, durante o parto pareciam cada vez mais improváveis. E a cada dia as indicações mudavam. Olhando para trás, um mês depois do nascimento da filha, apenas o facto de ter sido obrigado a realizar um teste ao vírus foi “mais fora do normal” em todo o processo. Isso e os três dias que passaram fechados no quarto do hospital sem poderem sair para seja o que fosse.
“É um privilégio ser pai nesta altura”, diz sobre a experiência que está a viver. O confinamento acaba por permitir que as famílias estejam juntas e é precisamente isso que querem um pai e uma mãe com um bebé nos braços. Fechado em casa, “Maique”, como é conhecido, continua a fotografar. Reinventa-se ao fotografar a mulher e a filha, mas também os amigos e familiares que lhe aparecem ao portão para verem o novo elemento da família.
“Sou preguiçoso e acho que as fotografias rapidamente cumprem o seu propósito. Sou desprendido com elas e custa-me a acreditar que alguém tenha interesse em olhar para as minhas fotografias sem nos conhecer”, diz. A verdade, contudo, é que muitas pessoas vão seguindo o seu “diário” no Instagram.
As fotografias que aqui estão são, sem que o fotógrafo talvez lhes confira a importância devida, uma manifestação de sentimentos, é certo. Mas se continuarmos a observá-las por mais uns segundos veremos que constituem um documento que mostra como uma relação evoluiu ao longo dos anos e culminou no nascimento de uma criança. Afinal, como disse à Time Out no início da conversa para este texto, fotografar a mulher é a sua “obra de vida”.
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