Arte, Fotografia, Rui Mendes, Porto-Paris-Porto
©Rui Mendes
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Portefólio: Rui Mendes, o fotógrafo que soube esperar

Rui Mendes deixou o trabalho de uma vida na gaveta. Quarenta anos depois, o filho mostra no Instagram os registos de um mundo saudoso.

Sebastião Almeida
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Viu-a pela primeira vez na Fête de l’Humanité, em Paris, em 1982. E por essa altura, há mais de uma década em França, já tinha decidido que queria regressar a Portugal. Ela era a mulher que o viria a acompanhar na viagem. No regresso ao país e vida fora. “Fotografo uma jovem muito pensativa. Aproximo-me e conversamos um bocadinho”, recorda Rui Mendes, por telefone, a partir de Trás-os-Montes. “O meu pai fotografa a minha mãe no festival e depois fica de lhe entregar a fotografia e marca um encontro”, detalha Vasco Mendes, 33 anos, fruto desse encontro fortuito e criador da página de Instagram onde vai partilhando as imagens do extenso arquivo fotográfico (por descobrir) do pai. Para perceber esta história, há que recuar aos anos 1970, quando tudo começa – já lá vamos.

A ideia de partilhar as fotografias do pai surgiu em 2017 quando, juntamente com Gracja Zegarowicz, sua namorada, Vasco começou a digitalizar o arquivo fotográfico de Rui Mendes e se deparou com um conjunto de imagens sublimes do Porto e de Paris. “Em 1971 vou para Paris. Tinha 17 anos e estava no liceu”, recorda Rui, agora com 65. A fotografia, contudo, só entrou na sua vida bastante mais tarde, aos 27. “Fui para lá para evitar a Guerra Colonial. As coisas no Porto estavam difíceis”, resume. Em Paris, cidade que “era um deslumbramento”, entrou no mundo do trabalho muito cedo e teve diversas profissões.

Foi graças ao irmão, que trabalhava na Canon, marca japonesa de equipamento fotográfico, que arranjou o “aparelho” que o viria a acompanhar em muitas das fotografias agora tornadas públicas: “uma Canon AE1 com uma objectiva de 50 mm e um zoom”, lembra, como se tivesse sido ontem. “Exerci muitas profissões, mas fotografar sempre foi a minha forma de ver o mundo.” Enquanto esteve emigrado em Paris, fotografou quase compulsivamente o mundo dos emigrantes nos arredores da cidade, a vida nas associações, a ida aos mercados onde todos os portugueses faziam compras, ao mesmo tempo que descobria “os grandes fotógrafos franceses humanistas”.

“Era uma realidade de pessoas que queriam trabalhar e ganhar dinheiro. Tratava-se de uma comunidade já bem instalada”, diz. As fotografias eram quase sempre feitas fora do horário de trabalho, acrescenta Vasco. “Ao fim-de-semana ia para a rua tentar encontrar o que tinha deixado para trás. Ou seja, um bocadinho do que era o Portugal em França”. Mas Rui Mendes fotografou também os franceses, o seu modo de vida, sempre fruto de um “olhar curioso”, aponta o filho.

Em 1983, de férias em Portugal, Rui casa-se com a mulher que havia conhecido no ano anterior. “Foi um casamento com muita gente, com todas as pessoas da aldeia”, precisamente em Vila Grande, Dornelas, de onde nos fala. Um ano depois, foi o regresso definitivo à pátria. “Ainda andei entre cá e lá, fiz várias viagens de comboio Porto-Paris e Paris-Porto.” Algumas das fotografias publicadas na rede social dão a conhecer esses dias em que o Sud Express partia de Campanhã com destino à Gare d’Austerlitz. Os vagões, repletos de famílias portuguesas, atoladas com bagagem para que nada lhes faltasse na nova vida, era muitas vezes a sua companhia de viagem. “Lembro-me do cenário com malas em todo o lado. A viagem durava 24 horas e tínhamos que fazer um transbordo em Espanha porque os carris eram diferentes. Era uma viagem de grande desconforto. Crianças, adultos, malas, muitas malas.”

De regresso ao Porto, o interesse fotográfico esmorece. Estávamos em 1986, 1987. “A fotografia obriga-nos a ter documento, sabe? E de repente começa-me a faltar documento”, aponta. “Estava envolvido na cidade, mas já tinha traçado aqui um quadro.” “Na minha fotografia nota-se um lado lúdico das coisas. Não podia traçar pessoas sorumbáticas.” Rui recorda como exemplo e com carinho uma fotografia no Jardim do Morro, em Vila Nova de Gaia, que fez de uma criança com o seu avô por altura do Carnaval.

Apesar dessa busca por uma certa alegria e ligeireza na fotografia, Rui sempre esteve ligado a uma militância política. Era muitas vezes nessas ocasiões que conseguia fotografar o quotidiano – quer em Paris nas actividades associativas, quer no Porto, onde participou na formação do Partido Ecologista Os Verdes.

Com o nascimento de Vasco, a fotografia adormeceu-se no acto, mas nunca no olhar. Um fotógrafo “nunca deixa de encontrar enquadramentos”. Por agora, dedica-se a olhar para as fotografias com outro tempo. “Estou a descobrir fotografias que estavam adormecidas, com a ajuda da minha família.” E um dos novos trabalhos que quer mostrar é precisamente o conjunto de fotografias que tem de Trás-os-Montes. Se antes o eixo de trabalho passava por Porto-Paris-Porto, agora há que incluir a terra onde tanto tempo passou e de onde a mulher é natural.

Vasco, ligado ao audiovisual, quer finalmente lançar o livro desenhado por Gracja com fotografias do pai, organizar uma exposição à altura e, quem sabe, realizar um documentário para contar a história do pai, indo a Paris e a todos os locais importantes. Rui voltou entretanto a pegar no “aparelho’’ e já fotografou algumas senhoras na aldeia. Questionado sobre se nunca tentou mostrar o trabalho antes, responde que sempre achou “que não havia interesse neste tipo de fotografias”. “Soube esperar. Habituamo-nos a esperar na vida. A satisfação é ver que as fotografias provocam emoção em alguém. Foram precisos 40 anos.”

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