Num mundo saturado de imagens, a fotografia acaba por ser banalizada, mas não é por isso que deixa de ser uma boa forma de entender o que nos rodeia. Estes livros de fotografia dão uma ajuda.
Conheceram-se no teatro. Ela fazia o papel de uma burguesa de boas famílias e ele o de um trabalhador do campo, que sucumbira ao amor proibido e se apaixonara pela senhora afidalgada. Quis o destino que esse amor ficcionado, posto em prática em cima de um palco, viajasse para o mundo real. Estefânia, de 29 anos, apaixonar-se-ia por Luís, 19 anos, o homem que a acompanharia para o resto da vida. “Foram apaixonados até ao último minuto de vida”, conta Inês Subtil, fotógrafa que desde há cinco anos tem documentado a vida de “Fana”, como se refere carinhosamente a Estefânia, agora a caminho dos 96 anos.
Luís morreu há seis anos e, desde então, “Fana” vive sozinha na sua quinta, nas Caldas da Rainha. “Ela andou com o meu avô ao colo”, diz Inês, de 33 anos. As famílias são amigas há muito, mas o interesse por esta mulher sempre esteve lá, reconhece, ao telefone com a Time Out. “É um fascínio para mim por ser extremamente activa física e psicologicamente.” Em 2019, Subtil resolveu registar a sua história de forma mais próxima, e passou três meses com Estefânia, acompanhando as rotinas, o trabalho no campo, e ouvindo as histórias de uma vida longa e preenchida.
Enfermeira de profissão, Estefânia teve sempre presente o gosto pelo teatro. “Era ela que andava pelas aldeias vizinhas a tratar dos doentes, a dar-lhes as vacinas”, conta a fotógrafa. Mas a poesia foi sempre o seu escape. Algures pela casa, estarão os poemas que escreveu ao longo de quase um século de vida. Escondidos, à espera do dia em que se for embora. Inês sublinha que os dias na quinta “eram feitos de rotinas”. Não havia muito tempo para conversar. Tratar dos animais, da horta, fazer o almoço eram tarefas essenciais que não podiam ser perturbadas.
As histórias surgiam à mesa, quando “Fana” se permitia a parar e falar com Inês – como, por exemplo, que sempre que não conhece um país ou uma cidade, consulta o atlas que tem ao lado do sofá; que renovou a carta de condução aos 92 anos; ou que todos os dias pinta os olhos com uma risca azul para realçar a sua cor aveludada. Além da poesia e do teatro, a cozinha e as motas sempre foram uma paixão. “Fana” tem duas receitas no livro seminal de Maria Lourdes Modesto, Cozinha Tradicional Portuguesa. “Aos 60, a família comprou-lhe uma moto-4 para não andar numa de duas rodas”, diz.
Aos 95, Estefânia leva a vida sem medo do passar do tempo. “É uma pessoa exemplar em todos os sentidos. Interessa-se pelos outros e dá valor ao que é essencial na vida”, afirma Inês. As suas fotografias transportam-nos para um mundo em que se sente o cheiro dos frutos, da terra húmida e os ares frios do Oeste. A cirandar pelo campo, existe “Fana”, uma força da natureza que nos mostra como é bom viver. “Obrigá-la a parar é matá-la.”