Num mundo saturado de imagens, a fotografia acaba por ser banalizada, mas não é por isso que deixa de ser uma boa forma de entender o que nos rodeia. Estes livros de fotografia dão uma ajuda.
Quando em Agosto do ano passado José Sarmento Matos deixou o Reino Unido e regressou a Portugal, a capital continuava vibrante como já nos havia habituado desde que o fantasma da crise ficara para trás. Depois de vários anos a viver e trabalhar em Londres, o fotógrafo documental de 31 anos começava a ganhar um gosto especial por Lisboa e a ver a cidade como uma casa e um sítio onde se deixar ficar. Depois veio a pandemia e, à semelhança do resto do mundo, as paredes de casa foram a sua maior companhia. Mas nem por isso deixou de fotografar. Com recurso a uma câmara instantânea, começou a registar o que encontrava à sua volta. E foi através dos objectos que se reconciliou com o mundano.
Foi há seis meses, durante uma viagem, que Sarmento Matos começou a fotografar neste formato. Ao clicar no obturador, a câmara devolve o momento captado através de uma imagem meio tosca, que se eterniza em papel fotográfico. “Fiz um pequeno diário dessa viagem e foi, digamos, uma forma de passar a fotografar menos e de pensar mais no que queria registar”, conta à Time Out. O modus operandi foi replicado nesta série de fotografias, ainda que não tenha sido “algo premeditado”.
“Quando comecei, não sabia o que ia acontecer. Mas era uma oportunidade para olhar para minha casa e para o que estava à minha volta”. Não se trata só de fotografar, diz. O processo foi-se desenvolvendo. E assim foi caminhando para fora da sua zona de conforto. Os objectos do dia-a-dia, como a escova de dentes, a vista de casa ou o aspirador tornaram-se sujeitos fotográficos. As suas luzes, sombras – características muito presentes no seu trabalho – estão lá, mas há uma intimidade que difere do tipo de fotografia que lhe é conhecida.
“Não sou de Lisboa e estou cá a viver. Mudei de casa e agora estou perto do rio. Comecei a olhar para a cidade de uma forma diferente”. Com o confinamento, o fotógrafo teve tempo para “parar e pensar”. Resolveu afastar-se das “repetições de informação” e não cair na tentação de ir à procura do “exótico”. Dos hospitais e dos lugares que tantas vezes aparecem retratados nesta avalanche de imagens relacionadas com a pandemia. “Neste tempo, repensei coisas no meu trabalho. Fotografei esses mesmos sítios porque se tratava de trabalho pago, mas tinha vontade de explorar o que estava à minha volta”, justifica.
“Tive a iniciativa de documentar as coisas com as quais mais me relaciono. E uma das minhas questões na altura de contar uma história prende-se com o que me motiva a ir à procura dela”. Neste caso, o fotógrafo descobriu a beleza das coisas inanimadas. E criou um conjunto de imagens que evocam pinturas de estilo natureza-morta. Neste exercício introspectivo, Sarmento Matos encontrou também semelhanças na forma de fotografar com o seu trabalho de 2014, sobre violência doméstica em Portugal, Virar a Página. Nele combina retratos de pessoas e pormenores relacionados com episódios de violência passada.
“Desde então que não voltei a fotografar detalhes e objectos”, nota. Mas as fotografias do mundano aqui mostradas podem quase ser entendidas como retratos. O fotógrafo movimenta-se à procura de uma luz, de uma sombra, de determinada composição. E os objectos não se mexem, tal como quem posa para um retrato.
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