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Miguel A. Lopes
Miguel A. Lopes

A nova vida em tempos de pandemia retratada pelos fotógrafos portugueses

Portugal e o resto do mundo pararam. Um grupo de fotógrafos e fotojornalistas portugueses juntaram-se no Instagram para mostrar como é a vida em quarentena.

Sebastião Almeida
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À medida que os dias passam, os caso de infecção por covid-19 continuam a aumentar. As medidas de contenção do Governo para evitar a propagação da doença foram reforçadas. Mas a tendência é que os números subam ainda mais. As nossas casas nunca foram tão verdadeiramente o nosso lar. E é dentro das suas paredes que agora tentamos prosseguir com o nosso quotidiano – onde trabalhamos, fazemos exercício, comemos ou brincamos com os nossos filhos. À semelhança dos profissionais de saúde, alguns jornalistas continuam no terreno a reportar a situação que vivemos. São cada vez menos, mas também eles resistem. Os fotojornalistas e fotógrafos, em particular, não têm outra forma de exercer a sua profissão senão estar na rua, em contacto com as pessoas.

Uns já estão em casa, juntamente com as suas famílias. Outros revezam-se em turnos para minimizar os riscos. É o caso de Gonçalo Borges Dias, fotógrafo de uma agência de comunicação em Lisboa, que deu uma volta à sua vida para poder prestar assistência à mãe nestes tempos difíceis. Foi de “estarmos todos confinados a nossa casa” que surgiu a ideia de criar a EverydayCovid – uma página de Instagram em que os fotógrafos e fotojornalistas portugueses publicam o seu olhar da situação dramática que nos assola –, conta Gonçalo à Time out numa entrevista por telefone.

O projecto, do qual Miguel Lopes, fotojornalista da agência Lusa é co-fundador, surgiu de forma natural. A partir de um grupo de WhatsApp criado já há muito tempo para dar a conhecer trabalhos de fotografia, nasceu a ideia de começar a partilhar ali as imagens que retratam esta altura. “Mas depois pensámos que as fotografias ficariam só para nós e queríamos mostrá-las a todos”, explica Miguel. Assim optaram por criar uma conta na rede social que já conta com quase três mil seguidores e 125 fotografias, de mais de 80 fotógrafos e fotojornalistas.

O registo fotográfico prende-se com o quotidiano, com a situação de clausura que é transversal a quase toda a sociedade. Gonçalo não fotografa da mesma forma que o fazia no seu trabalho, mas não deixa de olhar. Continua a fotografar nas idas ao supermercado, à farmácia, no dia-a-dia com a mãe ou, por exemplo, ao receber uma encomenda em casa. “Isto nasceu de uma pessoa ter sempre a cabeça a funcionar”, resume.

Actualmente, toda gente tira fotografias – Miguel sabe-o. Mas, neste projecto, “todos temos um olhar mais apurado sobre o que se está a passar e é isso que queremos transmitir”. As fotografias de José Carlos Carvalho, fotojornalista da Visão, publicadas há dias na conta exemplifcam essa preocupação. O fotojornalista viu-se obrigado a cuidar dos pais e começou a registar essa transformação nas suas vidas de uma forma ternurenta e emotiva. “É esse tipo de realidade que mostramos, mas mostramo-lo através de um olhar fotográfico, pois acredito que toda a gente tenha um problema causado por esta crise.”

Chegou a um ponto em que já havia muito trabalho repetido, confessa Gonçalo. Por isso, começaram a ter mais preocupações com a qualidade das fotografias e a exercer uma espécie de curadoria. “Pretendemos ter rigor, qualidade e isenção”, diz. Criar um mosaico de imagens que funcione como um todo.

A arma da página, defende, “é ser capaz de ver o que os outros não vêem”. Estar sempre alerta, “a olhar”. O bloqueio mental de estar fechado em casa dá azo a que se tente criar algo mais, acredita o fotógrafo. “Pode ser um reflexo, uma sombra ou a luz pontual.” O importante é olhar e criar. Só assim se mantém a sanidade mental.

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Foi um casaco amarelo herdado que lhes fez ganhar o nome, mas foi o gosto pelo desconhecido que os aproximou. Ivy e Athon, nomes fictícios, são os rostos (ocultos) por detrás dos The Yellow Jackets, um casal português “na casa dos trintas”, que viaja por Portugal e pelo mundo com o objectivo de explorar e fotografar edifícios abandonados. “Por ironia do destino”, contam à Time Out, pouco tempo depois de começarem a usar o anoraque amarelo do pai de Athon, depararam-se com outro idêntico e em mau estado, num dos locais que visitaram. 

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É fácil esquecer que a Fonte da Telha não é apenas uma praia. Durante os meses de calor, os lisboetas agarram nos carros, entopem a 25 de Abril numa torreira de sol e monóxido de carbono, e vão desaguando ao longo da linha de praias da Costa da Caparica. A Fonte da Telha é a última, já partilhada pelos concelhos de Almada e Sesimbra, tão extensa e bonita que se tornou destino de muitos, muitos veraneantes. Tantos que a preocupação à chegada passa mais por encontrar um lugar de estacionamento, um sítio para a toalha e o guarda-sol, do que em olhar ao redor. O que não se vê a partir deste frenesim do descanso é uma comunidade piscatória com “uma pulsão muito própria”. O fotógrafo Nuno Miguel Dias mostra-nos como se vive na Fonte da Telha nos outros noves meses do ano.

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Quando os médicos que conduziam o parto o chamaram para tirar a fotografia, avisaram-no logo: “Se quiser, tem de ser agora”. Até então sentado numa cadeirinha ao lado da mulher, Miguel Madeira teve somente tempo para se levantar, subir a câmara ao rosto, e disparar. “Foi como se estivesse a trabalhar. Estava apenas a garantir que a imagem ficava bem feita, como se fosse o parto de outra criança”, recorda sobre o momento em que registou os primeiros segundos de vida da filha, na manhã de 22 de Abril. Só depois dos primeiros gritos da recém-nascida ecoarem nas paredes da sala de parto entendeu verdadeiramente o que se passava. “Foi aí que senti um baque. Depois de tirar a câmara do olho fui-me abaixo”. Contou-lhe os dedinhos minguados, como as mães ensinavam. E chorou.

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