Zichao Ye, 21 anos, Manequim
Quando aterrou em Lisboa pela primeira vez, Zichao ainda não sabia o leque de opções (ou de caminhos para o futuro) que a cidade lhe abriria. Uma delas, em particular, dificilmente lhe passaria ao lado: com 1,88 de silhueta esguia, um rosto perfeitamente simétrico e uma tez invejável, é como manequim que tem dado cartas nos últimos três anos, em Portugal e não só. “Tem corrido bem”, admite. Na verdade, a afirmação quase pisa o risco da modéstia em excesso. Há um ano, estava em Milão a desfilar para o senhor Giorgio Armani, durante a semana da moda, e nos últimos dias tornou-se no protagonista da Montblanc para o Ano Novo Chinês.
Tinha 18 anos quando foi desafiado a fazer um casting. “Foi a minha agência que me encontrou. Lembro-me que estava na rua com uns amigos e abordaram-me. Na altura não fiquei assim muito interessado, a minha mãe é que me convenceu a ir. Disse-me que não perdia nada. Aliás, os meus pais têm-me apoiado imenso. Estamos numa pandemia e é óbvio que se preocupam quando vou para fora, mas tem corrido bem”, conta, à conversa com a Time Out.
A agenda divide-se agora entre a vida de modelo e os estudos. Começou por se aplicar em Ciência Política e Relações Internacionais na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mas ao fim de um ano mudou a agulha para Ciências da Comunicação, uma forma de perspectivar um futuro nos bastidores da moda, aqui ou em qualquer outro ponto da Europa.
Zichao nasceu na cidade chinesa de Wenzhou e veio para Portugal quando tinha nove anos. Um país novo e também uma nova cultura, que foi absorvendo com o incentivo dos pais. “Assim que chegámos, acho que eles adoptaram essa estratégia – deixavam-me ir brincar para a rua com os outros miúdos, por exemplo. Isso fez com que me adaptasse melhor e que aprendesse português relativamente rápido.” A escola foi outro passaporte para a fácil integração no novo país. Nunca estudou fora do ensino público e nem as aulas de português eram adaptadas a recém-chegados.
“No início foi um choque cultural, claro. Somos muito mais low key, gostamos de ficar na nossa e isso faz com que sejamos, muitas vezes, uma comunidade relativamente fechada. Mas os meus pais nunca tentaram que conhecesse outros amigos chineses, para me integrar mais facilmente, por exemplo. Hoje, os meus amigos são quase todos portugueses.”
Fala numa abertura de mentalidade, mas também numa adolescência que lhe permitiu viver a cidade, mesmo morando a uns bons quilómetros de distância, na zona de Mafra. Dentro de casa, os elos com a cultura chinesa passam sobretudo pela comida, mas também pelas leituras. “Adoro ler, mas só gosto de ler em mandarim. Talvez por causa da escola e da dor de cabeça que foi sempre ter de ler aqueles livros obrigatórios em português. O mesmo com o meu computador e o telemóvel. Está tudo em mandarim.”
Mas há também uns quantos costumes adquiridos. Ao fim e ao cabo, pode dizer-se que a costela portuguesa já está formada. “Gosto de ir à praia e de apanhar sol de vez em quando, mas sempre que vou à China isso é um choque para as minhas primas e para os meus amigos. Eles odeiam bronzear-se, evitam ao máximo.” Habituado à vida na Europa, Zichao não põe de parte a hipótese de voltar a viver na China. Diz que já mudou de ideias muitas vezes e poderá vir a mudar mais umas quantas, acrescentamos nós. Ir ou ficar? A moda que decida.