Além dos eventos principais, como a missa de abertura no Parque Eduardo VII ou a de envio no Parque Tejo-Trancão, a programação inclui um Festival da Juventude, com mais de 100 locais na cidade a acolher diferentes propostas culturais, religiosas e desportivas, de entrada livre e gratuita, para inscritos e não-inscritos.
“Como é que se vai para Belém?” Estamos na estação do Cais do Sodré, em frente aos ecrãs de chegadas e partidas, e quem nos atira a pergunta é uma freira italiana. “Temos de apanhar o comboio, mas ainda não é possível. Se quiserem, podem tentar ir de eléctrico”, respondemos, antes de explicar que, quando quiserem dirigir-se para a chamada Colina do Encontro, no Parque Eduardo VII, vão ter de fazer o caminho inverso e apanhar novamente o metro. “Se calhar, é melhor irmos já para a Colina”, diz a freira. A sua colega acena que sim, e agradecem-nos, antes de atirar a toalha ao chão. O primeiro encontro da comunidade católica, vinda de todo o mundo, com a capital portuguesa – e o plano de mobilidade desenhado para a receber – revelou-se, no mínimo, atribulado esta terça-feira, 1 de Agosto, o primeiro de seis dias da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) em Lisboa.
Não é apenas o vai-e-vem a desanimar as freiras. É a multidão compacta a tentar perceber como sair do sítio e que direcção tomar. Às viagens é preciso somar uma grande dose de paciência e auto-controlo. Cerca de meia hora antes, quando o relógio estava para bater as dez da manhã, uma jovem francesa, de bandeira sobre os ombros e bola anti-stress nas mãos, tinha tido um ataque de pânico na parte inferior da estação. Nessa altura, uma massa única de gente, feita de muitos corpos e muitas línguas, tentava subir da plataforma do metro. Mas o acesso ao controlo de entradas e saídas estava congestionado e a jovem, lavada em lágrimas, tentava regular a respiração sem sucesso. Não conseguimos perceber se sabia falar inglês e, como não estávamos a conseguir acalmá-la, a solução foi fazê-la passar à frente. Não a voltámos a ver depois disso, e as freiras italianas foram as primeiras pessoas com quem tivemos oportunidade de conversar, ainda que por breves instantes.
O confronto com a realidade do que será a próxima semana é feito com fé e muitos cânticos, incluindo o Hino de Portugal, sem pressa de qualquer tipo (o lema escolhido pelo Papa Francisco – “Maria levantou-se e partiu apressadamente” – não é para ser levado à letra) mas também sem norte. A circulação estava condicionada em vários pontos desde a madrugada de terça-feira e, a pouco menos de dez horas do arranque oficial da JMJ, com a Missa de Abertura no Parque Eduardo VII, era a Cidade da Alegria, em Belém, que começava a mobilizar peregrinos. Mas já são 11.00 e ainda há um mar de gente sem saber o que fazer. Apesar de estarem previstos comboios de 20 em 20 minutos, a sinalética das cancelas ferroviárias, a vermelho, indica que não partiremos tão cedo.
“Agosto costuma ser sempre mais calmo, mas ainda assim há turistas por todo o lado. Não é o caso agora. Só temos um ou outro cliente habitual, os mais velhos, que não foram para fora, e os peregrinos”, diz-nos uma funcionária de um café da cadeia Jeronymo, onde aproveitamos para fazer tempo. Apesar de não se querer identificar, confessa-nos que não lhe parece que o evento compense o investimento. “O menu para os peregrinos custa 7€. Só uma tosta ficaria por pelo menos 7,50€”, desabafa. A vitrine está cheia de bolos, e no espaço só se encontram dois clientes, cada um na sua mesa, e uma família a tomar o pequeno-almoço. Mais tarde, quando voltamos a passar à porta, já há uma fila de peregrinos a tentar arranjar qualquer coisa para comer.
Durante a Jornada, até 6 de Agosto, estão previstos cortes de estrada, desvios de autocarros e até o encerramento de quatro estações de metro (Avenida, Marquês, Parque, Picoas e Moscavide) e de quatro estações de comboio da linha da Azambuja (Moscavide, Sacavém, Bobadela e Santa Iria). No entanto, os condicionamentos e as restrições à circulação não devem ficar por aí. No Cais do Sodré, por exemplo, será difícil apanhar comboio para qualquer destino: se ficou por Lisboa e quer ir à praia na Linha, repense a decisão. Para lá ou para cá, o mais provável é esbarrar com peregrinos. Muitos peregrinos. Como queremos mesmo chegar à Cidade da Alegria, tentamos a sorte com outro meio de transporte. O 728 enche rápido, por isso apanhamos o eléctrico articulado 15E. Durante a viagem, conversamos com uma peregrina da República Dominicana, que está pela primeira vez em Lisboa.
“[A cidade] parece muito organizada e muito, muito limpa”, diz-nos Canoly, de 30 anos. É uma observação curiosa, tendo em conta que no último ano vários grupos de cidadãos lisboetas organizaram operações de limpeza nos seus bairros e denunciaram a acumulação de lixo nas ruas e o reaparecimento de pragas de ratos e baratas. Por vezes, é tudo uma questão de perspectiva. Embora seja certo também que, por estes dias, a cidade estará irreconhecível. É assim também em Belém, com o Jardim Vasco da Gama a funcionar como Cidade da Alegria, composta por uma animada feira vocacional, uma capela e o já popular Parque do Perdão, um relvado com 150 confessionários, construídos por reclusos de estabelecimentos prisionais portugueses, aonde os peregrinos chegam através do chamado “Itinerário da Reconciliação”.
A paisagem é impressionante. Há uma semana, os jardins de Belém estariam com certeza a ser usados por locais e veraneantes, para apanhar sol, fazer piqueniques ou praticar desporto. Nada disso será possível pelo menos até 4 de Agosto, o último dia em que a Cidade da Alegria estará visitável, das 09.00 às 16.00. “Vim de coração aberto”, afirma João Pedro. Tem 18 anos e é nomeado porta-voz pelo grupo de jovens brasileiros que o acompanham. “Os metrôs, lá na minha cidade [Campinas, São Paulo], não tem, e no geral todas as minhas expectativas foram atingidas. O maior problema que eu tive foi não passar o champô na mala [no aeroporto de Lisboa]”, brinca, por entre risos.
O ambiente é barulhento e positivo, mas sabemos que os poucos turistas que ainda andam pela cidade tentam evitar os cerca de 354 mil peregrinos inscritos na JMJ ‒ o único país que não está representado são as Maldivas. Ir até Belém, um clássico, está agora fora de questão. Na rua principal, mal se conseguem ver as portas dos restaurantes. Só na Rua da Junqueira encontramos uma mesa vazia n’O Prado. Ao nosso lado, encontra-se um impressionante grupo de peregrinos, a comer amêijoas e robalos. Umas portas ao lado, o Afonso dos Leitões avia sacos de take-away: a maior parte dos jovens foi buscar comida aí, antes de se refugiar à sombra, nas laterais do Museu dos Coches.
Antes de terminarmos o dia, apanhamos um eléctrico de volta ao Cais do Sodré ‒ andar de comboio continua a ser uma provação ‒ e o metro até à Alameda D. Afonso Henriques, onde está a decorrer o Festival Halleluya, promovido pela Comunidade Católica Shalom. É um dos mais de 600 eventos programados no âmbito do Festival da Juventude, que se realiza em cerca de 90 locais espalhados por toda a cidade. No palco aí instalado, há uma banda a tocar, mas a plateia é miudinha. À sombra, encontramos peregrinos da Bélgica. “Tentámos apanhar o comboio para Belém, mas não conseguimos e acabámos a passear pela cidade, a pé, e viemos aqui parar. Não há muitos autocarros. Esperámos 20 minutos por um autocarro hoje e, supostamente estava a vir, mas nunca chegou”, conta-nos Christophe Peeters, de 27 anos. É o único do seu grupo que arranha o inglês.
Já os padres polacos, os últimos peregrinos com quem conversamos neste primeiro dia, dizem-nos que estão na Alameda desde manhã. A sua missão é espalhar a palavra, explorar a cidade é secundário. “Estamos a servir as pessoas, elas precisam de nós. A cidade é bonita e o tempo é muito bom, mas não é a primeira coisa no nosso pensamento”, garante o padre Bartlomiej Zakrsewski, de 37 anos, que está hospedado no Monte da Caparica. “Isto vai encher no final da missa [de abertura]”, antecipa. Tem razão, mas a previsão não faz dele um grande futurologista. Por estes dias, só há dois estados em Lisboa: cheio ou a encher.