Expo 98, Parque das Nações
Arlindo Camacho
Arlindo Camacho

Lisboa 1998, o ano que mudou a cidade

Dos novos templos de consumo ao Nobel português para a literatura, sem esquecer uma feijoada épica na fresquíssima ponte Vasco da Gama

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É difícil imaginar Lisboa com uma rede de metropolitano bastante mais curtinha ou pensar que pontos de atracção como Altice Arena, Casino de Lisboa, Oceanário, Pavilhão do Conhecimento e muito mais não fazem parte da paisagem urbana. E o que dizer do Centro Comercial Colombo? Bom, se estava a pensar ir à Fnac, note bem que se fosse 1997 tinha que passar pelo menos para o outro lado da fronteira. Numa edição revivalista, 20 anos depois da Exposição Universal que deu uma nova cara àquele que hoje conhecemos como Parque das Nações, recordamos alguns momentos únicos. Do grande ecrã à música, do movimento LGBT ao melhor da noite alfacinha. 

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Lisboa 1998, o ano que mudou a cidade

Na cidade: cultura e consumo em larga escala

Foi literalmente um virar de página, não houvesse uma cidade antes e depois da chegada do gigante francês Fnac (ou Fédération nationale d’achats des cadres) – 20 anos depois, são mais de 20 as lojas espalhadas pelo país, sob o mote Cultura, Tecnologia e Lazer, a trindade que revolucionou a vida dos alfacinhas e injectou prazer num movimento de deambulação e descoberta pelos corredores, em busca daquilo de que precisamos e de que não precisamos.

A livraria, que é muito mais que uma livraria, abriu portas em 1998, no Centro Comercial Colombo, outro colosso, também ele um marco na paisagem e sobretudo na forma de consumo dos lisboetas (o próprio centro foi inaugurado em Setembro de 1997, consolidando a sua presença no ano seguinte).

Falando de grandes bazares e superfícies ainda maiores que eles, também 98 fica marcado pela inauguração das Galerias Saldanha Residence e o reforço das salas de cinema (entretanto encerradas).

No palco: O fado de Pina Bausch

Foi um ano farto para Lisboa e as artes cénicas não fugiram à regra. A Expo 98 deu-nos o Teatro Camões, hoje ocupado pela Companhia Nacional de Bailado, e deu-nos uma programação valente e artistas de nomeada como Josef Nadj, Alain Platel, entre outros, no festival em plena Expo Mergulho no Futuro. Mas é antes que está o ouro. O Festival dos Cem Dias foi uma encomenda da exposição e de António Mega Ferreira que levou ao CCB uma programação infinita de música e artes cénicas. Foi lá, a 11 de Maio de 1998, que estreou ‘Masurca Fogo’ criação de Pina Bausch e da sua Tanztheater Wuppertal sobre e inspirada em Lisboa. Foram dois meses de residência artística que levaram a um espectáculo com fados de Amália e Alfredo Marceneiro, danças caboverdianas e brasileiras (isto porque aquando da residência iam todas as noites ao B.Leza). Dez anos depois, em 2008, e um ano antes da sua morte, voltou com o Festival Pina Bausch, que era no fundo uma mostra e homenagem da alemã. Saudades.

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Nos livros: um Nobel português

“O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever.” Assim começava o discurso de aceitação do Prémio Nobel da Literatura em 1998. Lia-o José Saramago (1922- 2010), o primeiro português a receber o prestigiado galardão entregue pela Academia Sueca. “Com parábolas portadoras de imaginação, compaixão e ironia torna constantemente compreensível uma realidade fugidia”, elogiavam então.

A honra remonta a 8 de Outubro daquele ano, e quem diria que vinte anos depois o mesmo comité de sábios, que sabem ler e escrever, decidiu não entregar o prémio este ano. Entenda-se, literacia e moral não são forçadas ao matrimónio e o enredo que se segue daria um negro livro.

A eventual decisão decorre do escândalo que envolve fugas de informação e abusos sexuais e que motivou a saída de cinco membros – refira-se que a interrupção do troféu apenas coincidira até aqui com os momentos de guerra no velho continente. Pacífico é o regresso a títulos contemporâneos do prémio, como Ensaio sobre a Cegueira (95) ou Todos os Nomes (97).

No ecrã: O grande Dude

Aqui há uns bons anos, o nosso crítico Eurico de Barros entrevistou os irmãos Coen e perguntou-lhes o que achavam do fenómeno de culto em redor do seu filme O Grande Lebowski, estreado em 1998. Joel e Ethan Coen sorriram e disseram que o fascínio pela fita era maior para os outros do que para eles.

A bizarra história do Dude (Jeff Bridges), que vive em desmazelo em Los Angeles e passa o dia a fazer cera e a beber White Russians, das extravagantes personagens que o rodeiam e do seu envolvimento num rapto, foi um modesto sucesso de bilheteira e não agradou a toda a crítica. Mas o filme caiu no goto de pessoas suficientes para se transformar num fenómeno, originando m festival anual nos EUA, o Lebowski Fest, que se realiza em várias cidades e inclui a projecção do filme, bowling e concurso de trivia, e outro em Londres, The Dude Abides. Há ainda uma religião, o Dudeism, que prega a filosofia e o estilo de vida da personagem. O Dude transformou-se um herói colectivo e num modelo de vida. É ele que é grande, e não o Lebowski do título.

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Na música: O ano dos Silence 4

Quem melhor que David Fonseca para rebobinar 20 anos? Aqui ficam três perguntas ao músico, ex-Silence 4.

Que memórias guardas de 98?

Foi o ano em que lançámos o disco de estreia dos Silence 4, em que eu comecei a fazer esta profissão e que me levou até hoje. Foi uma espécie de uma escola que aconteceu para mim em 98, e que teve um certo culminar na Expo 98. Quando chegámos ao Palco 6 já não éramos uma banda emergente e foi uma loucura, depois fechámos a Expo 98 e em Dezembro de 98 tocámos no Atlântico, pela primeira vez.

Passados 20 anos, que balanço faz do trabalho dos Silence 4 e do vosso impacto na música portuguesa?

Nunca pensei que o facto de cantarmos em inglês fosse uma espécie de um statement que viria a dar tanto azo a tanta conversa sem necessidade nenhuma. Talvez tenha sido o momento em que toda a gente entendeu que a geração a seguir tinha outras influências, uma visão diferente do que ia fazer.

Uma última pergunta: onde é que estava no 22 de Maio de 98, lembra-se?

Não, não me lembro exactamente. Mas devia estar-me a preparar para sair o primeiro disco dos Silence 4. Devia estar em ensaios. Era o mais provável, estava em ensaios.

Na noite: tempo de Lux

Parece que esteve lá sempre, não parece? Pois a imagem aqui, de Luísa Ferreira, antes da sua inauguração (a 29 de Setembro de 1998, penúltimo dia da Expo) garante o oposto. Já não imaginamos Santa Apolónia sem aquele verde, sem aquele pano preto da melhor discoteca de Lisboa (e, desculpem lá, uma das melhores do mundo). “O projecto do Manuel Reis já era fantástico no Frágil e ali, no Lux, num sítio cosmopolita, de ligação entre o rio e a cidade, tornou-se enorme. Ali o Manuel conseguiu concretizar as suas ideias de forma grandiosa e dinâmica”, explica Luísa Ferreira, que sempre fotografou o Lux. Dizem-nos os ecos que foi uma das maiores festas da cidade, memorável, excessiva como só podia ter sido. Luísa Ferreira lembra-se de ficar emocionada por ver John Malkovich tão perto, por ter conseguido fotografá-lo. Mas quando lhe pedimos uma descrição do ambiente responde sinceramente: “Estava lá para fotografar o máximo e isso preocupava-me, não estava lá para pensar em emoções, não me lembro bem do que senti e do que se viveu, sei que estava deslumbrada com a beleza do espaço”, confessa. O que é certo é que Lisboa nunca mais foi a mesma.

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No contexto LGTB - O tanto que ainda há por mudar

A marcha da desigualdade pode estar a cada dia mais próxima do fim, mas a meta vem sempre mais longe do que deve. Corria Maio de 1998 quando foi apresentado um projectolei de Uniões de Facto. Tudo certo, não excluísse esta proposta (aprovada no ano seguinte) os casais homossexuais – a aplicação da lei independentemente da orientação sexual remonta a 2001. Ainda em 98, note-se como uma revisão do Código Penal firmava diferentes idades de consentimento sexual: 14 anos para actos heterossexuais, 16 anos para homossexuais. Nada de novo na engrenagem do progresso, muito menos se pensarmos que no começo de 99 a Classificação Nacional das Deficiências incluía ainda nas “deficiências psicológicas” o termo “deficiência da função heterossexual”. Junho de 1998 é também o ano do 2º Arraial Pride, de novo no Príncipe Real, e do primeiro manifesto conjunto das associações ILGA, Opus Gay e Abraço. Em 2000 realizava-se a 1ª Marcha do Orgulho LGBT em Lisboa.

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À mesa: Da feijoada à carne na grelha

Não bastava Lisboa estar nas bocas do mundo por causa de uma exposição internacional, portanto o chef Michel da Costa pôs numa mesa com cinco quilómetros uma feijoada para 17 mil pessoas. Foi assim a inauguração da ponte Vasco da Gama, em Março de 1998, na época a maior da Europa. O prato não entrou para o Guiness Book of Records porque não foi feito de uma vez só, explicou o chef na altura, mas a mesa ficou registada como a maior do mundo nesse compêndio.

Por falar em empreendimentos assinaláveis, foi o ano em que o grupo Multifood deu os primeiros passos. Rui Sanches começou com dinheiro emprestado pelo pai para abrir um restaurante de centro comercial com o nome Vitaminas. Neste momento tem 18 marcas – entre elas o Alma, com uma estrela Michelin, ou a Zero Zero – e 130 restaurantes pelo país.

O ano Expo foi ainda aquele em que a capital se aproximou das carnes e da gastronomia argentina, com a abertura do La Paparrucha. Às carnes grelhadas que eram a estrela da companhia juntava-se a vista sobre Lisboa a partir do Príncipe Real.

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No turismo: Números a crescer

Se a Expo 98 trouxe a Lisboa muitos turistas, fazendo então disparar os números, é quando olhamos para o cenário de hoje que percebemos como o turismo explodiu nos últimos anos.

Dormidas em Lisboa

Em 1998: 6 352 470

Em 2017: 14 324 400

Número de hóspedes

Em 1998: 2 645 177

Em 2017: 6 176 700

País de origem dos turistas estrangeiros

Em 1998: 998 271 Espanha, 469 869 Alemanha

Em 2017: 1 272 100 França, 1 197 000 Espanha

Passageiros no aeroporto

Em 1998: 4 465 579

Em 2017: 26,66 milhões

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Outras viagens no tempo

  • Compras

São espaços centenários, com histórias para contar e muitos tesouros para descobrir. Conhecer a cidade é também conhecer as lojas históricas em Lisboa. Cada uma é como uma gaveta de memórias da cidade que somos. Mas são históricas também porque resistem. Corremos a cidade e atravessámos séculos de porta em porta para lhe trazer um roteiro de grandes lojas que continuam a servir bem e à antiga, hoje, numa rua perto de si. Uma viagem que aqui começa em 1741 com a Fábrica Sant’Anna (1741) e termina no acolhedor Armazém das Malhas, um negócio nascido em 1962. 

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Sete previsões falhadas da Time Out Lisboa
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