O Activista
Não é uma pessoa, são muitas. Em 2019, os alfacinhas chamaram a si a responsabilidade de travar batalhas políticas, ambientais, urbanísticas, de acesso à habitação e contra o ruído. Criaram movimentos, fizeram petições, levantaram a voz. Insistiram na melhor versão possível de Lisboa e deixaram marca na cidade. Colectivamente, são o lisboeta do ano.
Uma das causas mais sonantes, e com resultados, foi a do Jardim Martim Moniz. Susana Simplício tem sido a representante deste movimento, que defende um espaço verde para aquela praça. Para a gestora cultural, “serviu de exemplo para o que se pretende na cidade”. “Sentimos logo que isto iria servir de exemplo do poder dos cidadãos na construção da cidade”, diz, lembrando o cordão humano em torno de uma praça fechada dinamizado por organizações locais, como a Renovar a Mouraria. Em Julho, chegou a primeira vitória: o “projecto dos contentores” não iria avançar. Falta saber o que virá.
Também na luta pelo espaço público destacou-se o movimento Libertem o Adamastor. No centro da polémica esteve e está o gradeamento em torno do Miradouro de Santa Catarina, que acabou por ser instalado. A ideia é que em Outubro do próximo ano se faça uma avaliação da sua utilidade, que passa muito pela segurança, e se decida se é para manter. “Não vamos desistir junto da Câmara Municipal de Lisboa de exigir a retirada da grade, que é provisória por um ano”, diz Rosa Silva Ramos, funcionária pública que tem dado o corpo às balas em defesa de um espaço aberto em permanência. “O que já ganhamos tem a ver com o facto de se falar de activismo. Acabou por se reflectir no Martim Moniz, que no início também tinha uma grade.”
Outra das dores da cidade, e do país, tem sido o acesso à habitação. Surgiram plataformas como o Morar em Lisboa, o STOP Despejos ou o Left Hand Rotation, que fez um documentário intitulado O que vai acontecer aqui?. Associada a tudo isto e muito mais está a Habita!. Para os membros desta associação, “cada despejo evitado e cada alternativa arrancada de proprietários e instituições é uma pequena grande vitória. Além disso, juntamente com outros movimentos, tomamos posições para alterar decisões relacionadas com o uso do espaço público, como no caso da praça do Martim Moniz.” (Está tudo ligado.) Ao longo de 2019, conseguiram “múltiplas vitórias” para pessoas que estavam sem alternativas de habitação, como foi o caso dos moradores da Rua dos Lagares, na Mouraria.
As obras e o bulício deram origem a outra discussão: a do ruído. No Facebook nasceu o grupo Menos Barulho em Lisboa, onde a poluição sonora é partilhada em vídeos, fotografias e testemunhos escritos. Uma das administradoras é a cineasta Marta Mateus. “A minha expectativa é que a Câmara de Lisboa nos oiça”, afirma. “É o município que emite as licenças necessárias para que os agentes económicos actuem a favor dos seus interesses, que muitas das vezes lesam gravemente os interesses da comunidade”, defende Marta, apontando o dedo a uma “discoteca ao ar livre”, aos “barcos que passeiam no Tejo emitindo música altíssima pela madrugada fora” e ao “ruído causado por aviões”.
Terminamos com um tema que tem estado nas bocas do mundo: o ambiente. A nível local tem-se destacado o Zero Waste Lab, que se desdobra em iniciativas para sensibilizar e educar para os problemas da produção de lixo. Para os membros desta associação, liderada por mulheres, a maior conquista passou por “intervir com as comunidades, envolvendo as pessoas nos seus processos de mudança face à produção e diminuição de lixo, para que todos os seres vivos possam prosperar em harmonia”, além da “consolidação de uma rede estruturada de movimentos lixo zero”. Para arrancar em 2020, está uma Academia Lixo Zero, que dará a conhecer os processos de gestão do lixo ao cidadão comum.
E não podíamos fechar o ano sem um grande movimento mundial que teve e tem expressão em Lisboa: a Greve Climática Global. A 12 de Março, milhares de estudantes saíram à rua, inspirados pela activista sueca Greta Thunberg. Muitos jovens estão empenhados num futuro mais verde. Como Alice Vale de Gato, que acredita que a grande conquista de 2019 foi a criação de “um movimento inclusivo e capaz de mobilizar milhares de jovens, bem como capaz de estabelecer laços estreitos com vários setores da sociedade civil”. Ou Gil Ubaldo, que destaca a “capacidade de preparação e treino de um grande número de activistas que se estão a tornar muito capazes em termos de organização, logística e comunicação”. E de Matilde Alvim, que sublinha a importância da criação de “uma cultura de mobilização estudantil” que “ajudou a fazer da justiça climática um debate público cada vez mais intenso ao longo do ano”. Ou ainda Gonçalo Paulo, que acredita que a greve tenha “finalmente convencido as pessoas de que a luta é importante e legítima”. Quatro jovens que são uma pequena gota num oceano de estudantes que querem explicar aos adultos como salvar o planeta. E Lisboa está na zona vermelha de risco a partir de 2050, devido à subida do nível da água. Já não falta assim tanto.