Metro não chega ao Calhariz, mas vai ficar mais perto
Artigo originalmente publicado na edição de Junho/Julho do jornal mensal Lisbon by Time Out
Não existe projecto definitivo, financiamento nem prazos estabelecidos. No entanto, depois de concluir a Linha Circular e a extensão da Linha Vermelha até Alcântara, em 2024 e 2026 respectivamente, a prioridade do Metropolitano de Lisboa é a zona norte da cidade. O esboço do futuro traçado da Linha Amarela foi revelado numa exposição sobre os 75 anos da empresa, no início deste ano, e mostrava a ligação entre Odivelas e Telheiras a continuar pela Avenida das Nações Unidas, a descer à estação do Colégio Militar (cruzando-se com a Linha Azul) e a entrar em Benfica até ao coração do bairro, a menos de um quilómetro da estação de comboios. O presidente da Junta diz que gostaria de ver um hub intermodal em Benfica, mas também vê vantagens nesta localização.
“Nós queríamos uma estação de metro nas traseiras do Palácio Baldaya, onde vão nascer agora os prédios para arrendamento acessível, e outra na estação de comboios”, afirma Ricardo Marques. A ideia foi debatida com a administração do Metro de Lisboa. Esta, contudo, já tinha outros planos. “Na altura, a administração do Metro disse-nos que, nos estudos financeiros e económicos que fez, não justificava a extensão da linha até à estação de comboios e defendia a colocação da paragem de Benfica Centro na zona da [Avenida] Grão Vasco. Depois de ouvir o argumento deles, tem algum sentido.” E o essencial desse argumento é que a estação ficaria entre o Mercado de Benfica, a Estrada de Benfica, a Igreja de Nossa Senhora do Amparo e a popular pastelaria Nilo. “Fechámos logo.”
“O que nos foi dito foi que o investimento necessário para levar [a linha] dali até à estação de comboios não se justificava, tendo em conta que já existe uma ligação [do metro com a rede ferroviária] na Amadora e existe depois uma ligação em Sete Rios. O investimento necessário para unificar, para criar o hub intermodal, não se justificava”, conta Ricardo Marques. “Falta-me apport técnico para ter um debate desses. Se os milhões que seriam necessários para aqueles 800 metros se justificam ou não, do ponto de vista da operação do Metro. Não sei dizer bem nem mal. Fico contente que vá nascer a estação.”
O autarca revela que há também uma “questão técnica” associada ao traçado: “Para eles é fundamental arranjar outra forma de as composições chegarem à manutenção, à Pontinha, e daí parte do investimento poder ser financiada através dessa operação”. Ao invés do que acontece com as actuais obras de expansão do Metro, esta proposta não está inscrita no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Terá de esperar pelos fundos europeus para 2030.
Benfica tem outros projectos previstos para modernizar aquela zona. Antes de mais, a remodelação do estádio do Clube Futebol Benfica (conhecido como Fofó), que prevê a ampliação das bancadas, a construção de um pavilhão e a criação de um supermercado e dois restaurantes. Depois, a reabilitação do mercado de frescos, mesmo ao lado. E agora a Junta de Freguesia está a debater com a Câmara Municipal de Lisboa o reperfilamento da Alameda Padre Álvaro Proença e, precisamente, da Avenida Grão Vasco. Em cima disso, a Junta foi apurada para a segunda fase de um concurso de financiamento do PRR chamado Bairros Comerciais Digitais, em que vão ser escolhidos 50 projectos a nível nacional para reabilitar o tecido económico local. Benfica pretende 1,3 milhões de euros para digitalizar 374 lojas entre as Portas de Benfica e o Centro Comercial Fonte Nova, que é o eixo principal do projecto; entre a estação de comboios e o Hospital da Luz; na Avenida Grão Vasco; mais os feirantes no mercado de levante e todos os que têm bancas no Mercado de Benfica. Os fundos serão usados ainda para formar os comerciantes para a venda online, para a criação de um marketplace, montagem de mupis digitais, oferta de wi-fi e aquisição de “bancos digitais”, nos quais se poderão carregar telemóveis através de painéis solares.
A freguesia tem um total de 900 estabelecimentos comerciais em funcionamento, que só no ano passado registaram 210 milhões de euros em movimentos SIBS (pagamentos com cartão ou MB way). Se olharmos só para a Estrada de Benfica, são 121 milhões de euros. São somas avultadas. Ainda assim, o volume de negócios é certamente superior. “Conhecendo a nossa população, envelhecida, muitos pagam com dinheiro, não é com SIBS. Para termos uma noção da dimensão financeira desta zona. O Mercado de Benfica é o maior da cidade”, sublinha Ricardo Marques. “Há uma nova centralidade nas freguesias periféricas, que Benfica sempre teve mas tem vindo a crescer, relacionada com os concelhos limítrofes. Muita população de Oeiras, Amadora, Odivelas, e que morava em Lisboa ou fazia toda a vida em Lisboa, vêm fazer vida a Lisboa, mas já não tem paciência para ir para a Baixa, para as Avenidas Novas. Portanto opta pelas freguesias periféricas. Nós temos tido esse efeito positivo. 40% dos clientes do mercado de Benfica são da Amadora. Temos feito estudos todos os anos. 17% são de Odivelas, 7-8% das zonas de Miraflores e Algés. Esta centralidade que se adquiriu nestas freguesias periféricas da cidade mas centrais na Área Metropolitana tem sido um factor de crescimento no comércio.”
“Temos 500 mil pessoas que entram na cidade através de Benfica diariamente. Temos um movimento brutal aqui”, explica por seu lado a vice-presidente da Junta, Carla Rothes, responsável pelos processos de candidatura aos fundos do PRR. A ideia para o bairro comercial digital em Benfica é aproveitar esses movimentos pendulares para aumentar a facturação do pequeno comércio. “As pessoas passam a poder comprar online no pequeno comércio e diversificamos as formas de distribuição”, diz. Há produtos adquiridos online que podem ser entregues em casa, e outros que podem ser deixados em cacifos próprios para serem levantados fora de horas. Para fomentar ainda mais o negócio, este marketplace permitirá acumular pontos e descontos no cartão de débito normal de cada cliente.
O metro será uma peça importante para potenciar esta centralidade económica, além de servir quem ali vive. Mas o presidente da Junta defende que é preciso fazer mais do ponto de vista do transporte colectivo. Considerando necessário descarbonizar a Estrada de Benfica, Ricardo Marques gostaria de ter “um transporte pesado de superfície – há várias soluções – que fosse desde a estação de metro de Amadora-Este até Sete Rios ou Praça de Espanha”. “Precisávamos de um transporte segregado mais eficiente na Estrada de Benfica. É o eixo da cidade com o maior número de carreiras. Em hora de ponta, temos quatro carreiras por minuto. Uma coisa de loucos. Tínhamos de arranjar uma forma racional de tirar viaturas, de tirar transporte público sem perder capacidade de transporte”, afirma.
A Carris tem uma dessas soluções na gaveta: uma linha de LRT (Light Rail Transit), idêntica à do eléctrico 15E, para ligar Falagueira a Santa Apolónia, via Estrada de Benfica, Praça de Espanha, Avenida Duque de Ávila, Praça do Chile, Rua Morais Soares, Praça Paiva Couceiro e Avenida Mouzinho de Albuquerque – ou seja, chegando a Santa Apolónia pelo Vale de Santo António, para onde está previsto um grande projecto de reabilitação urbana, porventura o maior em Lisboa desde a Expo 98. O principal promotor da ideia dentro da empresa, o engenheiro Carlos Gaivoto, disse em Setembro ao jornal local Mensagem de Lisboa que o projecto “pode fazer-se em três anos” e que este permitiria “reconfigurar” a Estrada de Benfica tanto em termos urbanísticos como ecológicos.