Investigação: admitida
“Muitos serviços fiz eu no Júlio de Matos, fui lá a muitas conferências de imprensa, a muitos congressos, coisas muito chatas. Sou jornalista há 20 anos e comecei a fazer Saúde há dez ou coisa do género. E sempre achei que aquilo era pouco. Escrevia sobre saúde mental, mas eu queria era escarafunchar o passado e o Bombarda em particular, por causa dos livros do [António] Lobo Antunes”, explica Catarina Gomes.
Em 2011, saiu com o jornal Público o artigo “Eles fecham o último capítulo do Bombarda”, onde acompanhava a saída e transferência dos últimos 24 moradores do hospital, poucos dias antes do fecho definitivo dos portões. Mas sempre que passava pelos corredores crescia a vontade de escrever sobre o passado da saúde mental em Portugal. “Havia sobretudo um corredor que tinha álbuns fotográficos abertos, com umas caras muito sinistras, umas coisas a preto e branco muito tristes. E ao mesmo tempo estavam numas estantes com grades, aquilo parecia ser um passado encurralado”, descreve.
Decidiu pedir para consultar os livros de admissões, “calhamaços muito carcomidos” com os registos de entradas e saídas de todas as pessoas que passaram pelo Bombarda. O acesso foi concedido. “De facto o meu interesse inicial eram aqueles livros, mas depois apareceu lá uma caixa. Com um ar assim muito abandonado e muito sozinho, mas ao mesmo tempo muito misteriosa”, conta. Uma caixa que acabou por ser a peça central da investigação que começou por incluir uma lista de antigos pacientes cujas vidas gostaria de investigar mais a fundo. Como o tenente Aparício Rebelo dos Santos, que assassinou o próprio Miguel Bombarda dentro do edifício; José Júlio Costa, o assassino do Presidente Sidónio Pais; o bailarino Valentim de Barros; ou Jaime Fernandes, agricultor tornado artista.
Estes dois últimos nomes sobreviveram ao corte final, mas todos os outros foram substituídos por completos desconhecidos, pessoas comuns que Catarina resgatou do passado com a ajuda dos objectos que deixaram para trás. “Pensei em não incluir o Valentim nem o Jaime, porque achei que já estava demasiado visto. Pessoas famosas não me interessam nada, a não ser que tenha uma perspectiva nova, que foi o caso”, explica.
Depois de muito sótão, conservatórias do registo civil ou mesmo cemitérios, as primeiras quatro histórias foram divulgadas entre Outubro e Novembro de 2019 no Público, uma série especial de reportagens chamada “O que eles deixaram no manicómio”, vencedora do Prémio de Jornalismo em Saúde, atribuído pelo Clube de Jornalistas e pela Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica. Passaram oito os anos desde a descoberta da caixa até à publicação das primeiras histórias. Uma Bolsa de Investigação Jornalística atribuída pela Fundação Calouste Gulbenkian deu o empurrão que faltava.
Exímia contadora de histórias, pelo meio Catarina ainda escreveu dois livros: Pai, tiveste medo? (2014), onde a Guerra Colonial é vista por filhos de ex-combatentes; e Furriel não é Nome de Pai (2018), sobre filhos que militares tiveram com mulheres africanas.