Ter dois podcasts no top dos mais ouvidos em Portugal seria o suficiente para deixar Mariana Cabral descansada, mas Bumba na Fofinha não se agarra à ideia de sucesso. Continua encantada com os fracassos – e com fazer rir.
Antes dos podcasts fazias vídeos para o Youtube. O que é que sentias que te faltava?
Foi uma razão logística. Fui viver para Nova Iorque durante três meses, ia lá fazer workshops, estudar, e percebi que não ia ter disponibilidade nem tempo para fazer vídeos e editar, mas não queria perder o contacto com a minha audiência. Como ia ser uma aventura engraçada, mudar-me, encontrar casa, pensei que era quase uma maneira de dar notícias, um áudio de WhatsApp unilateral que eu enviava aos meus amiguinhos. O FUSO começou por ser só enquanto estava em Nova Iorque, até que nos pudéssemos ver de carne e osso.
Mas depois continuaste.
Sim, quando surgiu a pandemia pensei: sinto que estou a precisar de falar com mais seres humanos para além do meu namorado. Foi quase uma catarse para aquilo que estava a acontecer. Recomecei o FUSO aí.
Usaste sempre muito a tua figura para o efeito cómico, das expressões faciais à tua própria fisicalidade. Como é que transpuseste isso para o formato podcast?
Não transpus. Houve pessoas a dizer: prefiro ver-te em vídeo porque faz falta. O que o podcast trouxe foi uma coisa que não tenho nos vídeos, que acabam por ser uma coisa que é muito trabalhada, tem sempre edição, etc. Com o podcast comprometi-me a que fosse uma coisa zero ensaiada, o chamado stream of consciousness. Comprometi-me a que fosse uma espécie de desabafo sem edição. Queria que fosse uma coisa honesta e genuína. O que trouxe foi essa frescura, em vez das camadas de edição e reflexão.
Observando os dois meios, achas que assumes uma persona para cada um?
Faz-me frufru pensar em personas. Se elas existem não são conscientes. Ou seja, claro que a Bumba nos vídeos sou eu Mariana Cabral em esteróides, não estou sempre com aquela energia e expressividade toda, nem eu me aturava. Mas não deixo de ser eu. Não há um trabalho de construção consciente, de falar muito alto ou de gesticular. Sou eu. Nos podcasts a minha frequência é um bocadinho mais baixa, a minha energia no formato de áudio, ao ser mais intimista, não se presta tanto a grandes berreiros. O que não invalida que haja berreiros, mas é uma conversa mais de um para um e não de um para muitos. A câmara dá-te essa consciência.
Em Portugal o humor ocupa o topo das listas de podcast mais ouvidos. Andamos a precisar de rir?
Acho isso muito curioso porque os podcasts de humor dominam quase todas as frentes, não só as rubricas de rádio sobre actualidade como depois estes desabafos de consciência que não têm nada a ver, mas que também têm lugares cimeiros. Não tenho uma razão para isso, para ser completamente honesta sigo poucos podcasts portugueses sem ser de humor. Tenho a certeza que há e com muita qualidade, mas os humoristas têm, felizmente, muito poleiro nas várias frentes. Em Portugal consome-se, felizmente, muito humor, seja ao vivo, seja nos meios tradicionais, seja no digital. Acho que o podcast é só mais uma ramificação desse lugar importante que o humor ocupa em Portugal e ainda bem que é assim.
Com dois podcasts do género no bolso, a tua comédia mudou?
Acho que não foi à conta do formato, mas felizmente enquanto pessoa sinto que vou amadurecendo e as pessoas comigo. Comecei com a Bumba talvez em 2017 e o meu humor não é igual ao de 2017, nem seria desejável que fosse. A minha audiência também está a amadurecer comigo e isso nota-se nas reflexões. Tenho necessariamente mais densidade nas reflexões do que se calhar nos temas mais corriqueiros a que eu continuo a achar muita piada, mas também gosto de ir a outros sítios agora. Gosto de navegar para questões mais existenciais.
Canalizas esses pensamentos para o Reset?
Sim, esses pensamentos sempre existiram e eu sempre me questionei muito, sempre tive muito mais dúvidas do que respostas. Acho que sou assim. O Reset era uma ideia que eu tinha há quatro ou cinco anos. Nunca ouvi as pessoas que admiro falarem do que lhes correu mal, e correu de certeza porque nunca corre tudo bem. Gostava de saber dos acidentes de percurso porque de certeza que aprenderam com eles e de certeza que tiveram momentos de sombra, e não se fala disso. Muitas vezes estou na merda e não sinto a minha sombra representada no entretenimento. Durante muito tempo houve este mascarar de ser tudo muito bonito e muito optimista, aquela positividade tóxica que agora acho que está a cair em desuso. O que aconteceu foi uma feliz coincidência de a Delta Q, que é a patrocinadora do podcast, e o Sapo, que é responsável pela produção, virem ter comigo para fazer um podcast. A proposta era fazer uma coisa sobre temas fracturantes: feminismo, racismo, temas importantíssimos de falar. Mas, com toda a humildade, há muitas pessoas a falar sobre isso melhor do que eu. Achei que não seria eu a acrescentar, achei até que no humor haveria outras pessoas mais adequadas para fazer esse trabalho. E contrapus a ideia do fracasso. É engraçado porque sinto que há quatro anos não teria sido tão bem recebida. Sinto que a pandemia trouxe uma crueza na experiência e trouxe ao de cima essa sombra porque acho que a vivemos todos, de uma forma muito visível. Toda a gente teve de conviver consigo mais do que alguma vez teve de conviver, o tema da saúde mental veio ao de cima mais do que alguma vez ouvimos. A ideia do fracasso passou a ser mais pertinente do que nunca.
Tanto o Reset como o FUSO são casos de sucesso de audições. Qual foi o teu fracasso, o teu acidente de percurso?
Ui, tenho muitos. Não é bem um fracasso, mas eu só comecei a ter sucesso e a perceber o que é que gostava de fazer aos 30 anos, porque até lá estive em trabalhos de sapa, em empresas nada a ver, estava quase pronta para aceitar que se calhar não ia encontrar nada que me fizesse verdadeiramente feliz no trabalho. Pensava: vou só encontrar um trabalho que me pague bem e ter férias boas, os meus 22 dias úteis [risos]. Foi por tentativa e erro. Só depois é que por um feliz acaso comecei a escrever e espalhou-se desta forma na internet. Quando eu tirei o curso, fazer isto [aponta para o estúdio] não existia.
Em que é que difere a tua preparação para cada um dos podcasts?
Aqui o Reset é sobre os convidados, não é sobre mim, e esse mindset é importante, porque gosto muito de conversar e tenho que ter presente o não querer ser o centro das atenções – porque não quero. O centro das atenções é a generosidade dos convidados que vieram cá partilhar partes, às vezes até difíceis de falar, das suas vidas. Não sendo jornalista nem tendo pretensões de ser a melhor entrevistadora de sempre, procuro preparar-me e trazer perguntas pertinentes para a conversa. O que me acontece depois normalmente é não olhar para o papel e deixar-me levar pela curiosidade. Que acho fixe, mas não faço nenhuma das perguntas que trouxe. É falhar neste papel de entrevistadora, o que acaba por ser engraçado.