A coleccionadora de arte Sofia Tillo, na sala de casa
© Francisco Romão PereiraA coleccionadora de arte Sofia Tillo, na sala de casa
© Francisco Romão Pereira

Na moda, na arte e no design, eles são mestres de colecção

Coleccionadores há muitos, mas estes decidiram levar as suas paixões para fora de casa e partilhá-las com a cidade.

Mauro Gonçalves
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Luz não falta neste último andar lisboeta. Estamos em São Bento, onde a pacatez das pequenas ruas contrasta com o alvoroço dos principais eixos da cidade. Aqui, a vida segue praticamente imperturbável, além de preenchida e colorida. Mais pé-direito houvesse e Sofia Tillo saberia exactamente o que pendurar. Afinal, são já mais de dez anos a comprar arte e o mínimo que uma coleccionadora pode exigir da sua nova casa é que tenha muitas e generosas paredes para encher a seu bel-prazer.

“Lembro-me da primeira peça que comprei. Foi um estudo para um quadro grande de uma artista chamada Caroline Walker. Apaixonei-me e queria mesmo comprar aquilo. Foi a primeira coisa que comprei e que era mesmo uma peça de arte, um original, uma coisa única. Custou 900€, nunca me vou esquecer”, recorda.

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A grande aquisição foi um marco aos 25 anos. Tinha acabado de se mudar de Maputo para Londres, cidade onde ia começar a viver pela segunda vez, e escolheu um caminho sem retorno. “Comecei a ficar um bocado viciada, sobretudo porque é quase como teres um pedacinho da criatividade daquela pessoa em casa, um bocadinho da alma de outra pessoa”, continua. Numa cidade artística e culturalmente pulsante, encontrou os próprios truques – aproveitar edições limitadas, revirar a internet em busca de bons negócios e apontar a mira a artistas acabados de chegar ao mercado. “Se começasse a comprar artistas muito novos, podia comprar obras, em vez de andar só a comprar catálogos de exposições da Cindy Sherman. Passei a ir a feiras, aos graduation shows das escolas de arte. Aos poucos, fui aumentando a colecção.”

Sobre o sofá da sala está a aquisição mais recente – duas telas de Ana Xotová, uma jovem artista de ascendência soviética, agora a dar os primeiros passos em Londres. Recorre frequentemente ao auto-retrato, mas também pinta as mulheres que lhe são mais próximas. Aqui, é a melhor amiga. Noutro canto da divisão, está um nu da fotógrafa israelita Roni, comprado em Tel Aviv. Mede um metro e meio de altura ao contrário de todas as outras imagens da série, demasiado altas para caberem no apartamento onde Sofia morava na época. As duas ficaram amigas e a coleccionadora ficou com uma obra de arte à medida.

Formada em antropologia, a questão da identidade orienta a colecção desde o primeiro dia. “Acabei sempre por ser atraída por artistas que exploram essas questões. E isso por vezes toca em temas como a globalização, diferentes nacionalidades e pós-colonialismo. Outras vezes, estamos a falar de identidades queer, ou de artistas femininas que trabalham ideias de corpo. Passados alguns anos, desenvolvi uma regra: não compro peças de white straight men. Acho que é um grupo que já está super representado em colecções importantes, não vejo necessidade nenhuma de pequenos coleccionadores como eu comprarem”, remata.

Obras de arte são às dezenas, ainda que sem um número certo em mente – na sala, no hall de entrada, no quarto, até na cozinha. Muitas valorizaram com o tempo, outras nem por isso. “É a minha maneira de coleccionar – não levo isto muito a sério. É uma paixão, uma forma de me divertir. Tenho coisas que hoje em dia valem mais dinheiro, peças de artistas que já são mais conhecidos, mas também tenho coisas mesmo disparatadas. Aquela torrada ali em cima, por exemplo”, aponta. A peça em questão é um pequeno aplique de parede vindo do Japão, fatia de pão híper realista e electrificada para dar luz à noite. Da Feira da Ladra, entre outros mercados de rua espalhados pela Europa, chegam outros objectos inusitados – como a grande lagosta que chama a atenção da sala. “Quem ma vendeu perguntou se ia abrir uma marisqueira”, admite.

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Sofia defende a arte para todos e a arte para todos pode assumir contornos muito diferentes. À semelhança da própria casa, a loja que abriu há algumas semanas, não muito longe de casa, deixa bem clara a vontade de questionar os limites da arte. “É algo que desperte um sentimento. Se fores à Zara Home, não vais ter um sentimento em relação a um candelabro. Acho difícil. Quando vês um desenho que alguém fez, consegues conectar-te de outra maneira. É claro que, indirectamente, isto faz-nos questionar o que é arte e o que não é. É a mesma coisa que encontras na Pink Dolphin – tão depressa vendo um quadro da Margarida Alfacinha, que acho que vai ser uma artista super tchan da nossa geração e que já tem um preço mais caro, como vendo uns prints pequeninos que dizem kitsch bitch. E as duas coisas podem viver na mesma loja.”

Por estes dias, abrem-se os horizontes aos autores portugueses e sediados em Lisboa. O mais recente roteiro passa pela This is not a White Cube, pela Movart ou mesmo pela portuense Galeria Presença, onde recentemente descobriu o trabalho de Maria Trabulo. Haja parede.

Com quantos ténis se faz uma colecção?

Diogo da Silva garante que nunca os contou. A ter de avançar com um número, atira um redondo 80. “Só ganhei uma mentalidade de coleccionador quando comecei a ter montes de pares. Tive de começar a olhar para isto de outra maneira: não comprar só para usar, mas para guardar”, começa por explicar o influencer, que milhares de pessoas conhecem por Windoh.

A lei da oferta e da procura há muito que entrou em acção por aqui – veja-se o par que comprou no ano passado por 800€ e que já vai nos 3000€. “Hoje em dia, já é muito fácil perceber o que vai ou não valorizar. Se a Nike diz que fez 30 ou 40 mil Jordan, já se sabe que vai valorizar. Tenho ali ténis que nunca mais se vão ver na vida. Já têm cinco ou seis anos e custam 20.000€, que é abismal para um par de ténis.”

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Tinha 15 anos quando começou a ser mordido pelo bichinho. Dos pés de um ídolo de longboard para o YouTube foi um salto. “Quando consegui ter dinheiro para comprar ténis desse género, comecei a fazer vídeos à volta disso, a mostrar. Vi que o pessoal aderia imenso – quem conhecia ficava fascinado, quem não conhecia ficava intrigado.”

No ano passado, abrir uma loja no centro de Lisboa pareceu-lhe um passo lógico. Actualmente, a Rotation é montra de edições limitadas e exemplares dignos de coleccionador. Em alguns casos, ainda nem o proprietário lhes conseguiu pôr as mãos em cima. “Há ténis que me faltam, claro. É raríssimo encontrar quem venda certos modelos, mas surgem oportunidades de vez em quando. Quero aqueles agora, mas ainda não os apanhei.” Os Air Force da Tiffany & Co estão na prateleira da loja, enquanto a curva da procura continua a subir. Não há muito que Diogo possa fazer, vai ter de esperar por um 42.

A, b, c, design

Por muito impressionante que uma montra de design possa ser, com objectos criteriosamente seleccionados por quem mais entende do assunto, acredite: a casa vai ser dez vezes melhor. David Lopes e Joana Pinheiro não nos deixam mentir. Em Maio, abriram portas à The Wink House, um altar ao pós-modernismo na forma de um showroom temporário. Um exercício de pesquisa e de gosto que encontra a plenitude num amplo T2 em Alvalade.

“Estive sempre ligado às artes e sempre vi o design como uma coisa meramente funcional. Até há 11 anos, quando houve ali um clique. Foi aí que começámos a perceber o que é o design e a história do design e ganhar gosto por momentos como o radical design e movimentos mais disruptivas, seja pelos materiais, seja pelo lado mais teórico. A Joana já estava comigo – até hoje, ela diz mata, eu digo esfola. E lá se vai o nosso dinheiro todo”, recorda David.

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O olho foi sendo treinado. Ele cresceu bem rodeado – o pai era dealer de arte, a mãe uma apaixonada por arte nova e arte déco, além de cliente assídua da Loja da Atalaia de Manuel Reis –, ela ganhou cedo o gosto por calcorrear feiras e mercados, seguir o rasto a velharias, mas também por farejar a criatividade emergente. Alinhados numa estética que os conduziu ao design dos anos 80 e 90, com alguns desvios mais do que justificados, a casa transformou-se num recreio colorido onde convivem peças italianas, obras de mestres nacionais, formas icónicas e objectos de puro culto nostálgico.

“Pintámos a cozinha com estas cores por causa de umas cadeiras que o Verner Panton desenhou para a Ikea nos anos 80. Como não podíamos ter as cadeiras, decidimos pintar a cozinha assim”, introduz Joana. O inventário é extensíssimo e desenrola-se pela casa – dois bancos, também na cozinha, em plástico e metal lacado, desenhados por Anna Castelli; à mesa, as cadeiras Maui de Vico Magistretti para a Kartell (é possível descobrir-lhes a idade através das cores); um cinzeiro de Ettore Sottsass para a Habitat; Magis e Philippe Starck (a primeira estante que desenhou) dão as boas-vindas logo no hall de entrada, lado a lado com vidros coloridos da Marinha Grande, bem ao gosto dos anos 80, e uma parafernália de rádios e leitores de cassetes portáteis, encomendados à mesma década.

Com o passar do tempo, aperta-se o crivo e, salvo raras excepções, o desapego torna-se também parte da relação com os objectos. “Há uns anos, era muito por impulso. Hoje, temos mais noção do que queremos mesmo, do que tem valor e do que não tem. E temos esta casa que, no fundo, funciona como uma galeria. Até porque muitas das peças passam por aqui – umas depois são vendidas, outras são postas à venda mas acabamos por ficar com elas”, anota Joana. “É um bocado fluido. Há peças que temos cá em casa incríveis e que ficámos com elas porque têm um defeitozinho, não nos importamos de assumir o tempo e o desgaste”, completa David.

Móveis chegam, móveis vão e até já Unai, o filho de David começa a envolver-se nesta espécie de culto familiar em torno do design. Depois do Verão, terminada a pop-up no Lumiar, programam já a abertura de uma loja ali para os lados dos Anjos – uma extensão da própria casa, onde todos estão autorizados a entrar.

Artigo originalmente publicado na edição de Verão 2023 da revista trimestral Time Out Lisboa.

Design em Lisboa

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São lojas com universos próprios, com espaço para moda, decoração, livros, acessórios e até comida. E ninguém se chateia, todos ganham em ver os diferentes produtos reunidos em torno de um único conceito. Se procura uma peça especial, é muito provável que a encontre numa destas concept stores lisboetas, afinal a curadoria é a alma destes negócios e propor objectos que não se encontram ao virar da esquina é a sua especialidade. Resumindo, é uma espécie de elite dentro do roteiro de compras da cidade. Fique a conhecer as melhores concept stores de Lisboa.

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Poucas peças são tão democráticas e transversais a géneros, idades e estilos como um par de ténis. Dão para ir trabalhar, para ir jantar fora, para sair à noite e até para dar nas vistas numa festa (e o melhor de tudo é que servem para palmilhar Lisboa e as suas sete colinas) – e não só para fazer desporto, como noutros tempos. Mas têm de ser especiais e, em Lisboa, há um punhado de lojas que se especializaram na matéria. Dos modelos mais raros das marcas que todos conhecemos a etiquetas que só os entendidos sonham ter, sem esquecer as marcas portuguesas, estas são as melhores lojas para comprar ténis em Lisboa.

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Encontrar aquela peça que a mãe deitou fora nos anos 80 ou 90 pode ser difícil e só quem o conseguiu sabe exactamente a sensação. O cheiro, o toque, a torrente nostálgica que nos invade quando, no meio de prateleiras, cabides, arcas e baús, voltamos atrás no tempo. O truque é saber onde e o que procurar – e as opções são vastas. Roupa, mobiliário, raridades, discos, a lista do revivalismo adensa-se. Fique a conhecer as melhores lojas vintage em Lisboa. Vai ver que não cheiram a naftalina, cheiram a boas e velhas histórias.

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