Sim, Primeiro Ministro 1980-1988

Brexit: como entender os ingleses em sete filmes e duas séries

Filmes como 'Breve Encontro' e 'Topsy Turvy', e séries como 'Sim, Senhor Ministro', ajudam-nos a compreender porque é que os ingleses são como são.

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Sentido da insularidade, desconfiança do estrangeiro e do continente, repressão dos sentimentos, atitude estóica e impassibilidade perante as pequenas e grandes adversidades, excesso de formalidade, consciência da divisão de classes, gosto pela excentricidade. São características tão vincadas do modo de ser inglês, que acabaram por se transformar em clichés (e em força motriz do Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia). Os próprios ingleses são os primeiros a reconhecê-las e a usá-las como matéria literária, no cinema, na televisão e na cultura popular em geral. Eis, entre os muitos que existem, sete filmes e duas séries de televisão que expressam, em vários registos, essa tão única e peculiar englishness.

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Como ser inglês em sete filmes e duas séries de televisão

"Desaparecida!", de Alfred Hitchcock (1938)

Este filme policial e de espionagem realizado por Hitchcock e passado num comboio, na Europa central, inclui duas personagens secundárias que representam a quintessência do comportamento inglês fora de casa. Naunton Wayne e Basil Radford interpretam Caldicott e Charters, dois ingleses castiços que viajam no mesmo comboio que as personagens principais, e passam todo o tempo a falar sobre cricket, a desejar que cheguem à pátria a tempo de assistir a uma grande partida desta modalidade e a falar mal do estrangeiro e dos estrangeiros. Caldicott e Charters tiveram tanto sucesso, que os actores repetiram as personagens noutros filmes e na rádio.

"Sangue, Suor e Lágrimas", de David Lean e Noel Coward (1942)

Co-realizado por David Lean e Noel Coward, e escrito por este, que também interpreta um dos papéis principais, Sangue, Suor e Lágrimas é um dos grandes filmes de propaganda ingleses feitos durante a II Guerra Mundial Contado em flashback pelos sobreviventes de um navio de guerra que foi afundado pelos alemães em combate, e estão à deriva no mar esperando por socorro, é um elogio do stiff upper lip (ou estoicismo perante a adversidade) britânico e da superior capacidade de sacrifício pela pátria dos militares (no caso, pertencentes à Marinha) de Sua Majestade, independentemente da classe social a que pertencem.

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"Breve Encontro", de David Lean (1945)

Interpretado memoravelmente por Celia Johnson e Trevor Howard, esta história de amor adúltero que nunca se chega a consumar, filmada por David Lean, é como que um compêndio de alguns dos traços mais destacados do modo de ser colectivo inglês no que respeita às relações amorosas. Nomeadamente, a repressão dos sentimentos, o medo de se não estar “a fazer o que está correcto”, como uma das duas personagens principais a certa altura, a contenção emocional levada ao limite ou a tensão entre o impulso de transgredir as convenções e o temor das recriminações sociais. E se assim não fosse, Breve Encontro nunca teria sido a obra-prima que reconhecidamente é.

"Passaporte para o Paraíso", de Henry Cornelius (1949)

É também – e muito especialmente nas comédias – que a inconfundível extravagância inglesa se manifesta. Neste brilhante filme cómico dos lendários Estúdios Ealing, os habitantes do bairro londrino de Pimlico descobrem documentação que demonstra que a zona faz ainda parte da Borgonha e que na verdade são franceses desde a Idade Média. Vai daí, declaram a sua independência do Reino Unido (“Ora esta, sou estrangeiro!”, diz uma das personagens). O governo inglês retalia e os “borgonheses” respondem com medidas que incluem a exigência de todos os “estrangeiros” que querem ir a Pimlico terem de levar passaporte.

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"A Classe Dominante", de Peter Medak (1972)

Eis outra comédia de culto, que glosa (e goza) as divisões sociais e de classe em Inglaterra, os comportamentos socialmente aceitáveis e inadmissíveis, e os excessos de auto-repressão e de rigidez. Peter O’Toole interpreta um aristocrata, Jack Harold Alexander Tancred Gurney, 14.º Conde de Gurney, que herda uma fortuna quando o pai, membro da Câmara dos Lordes, morre de forma ridícula. Só que Jack Harold Alexander Tancred Gurney é também doido varrido e pensa que é Jesus Cristo, comportando-se da forma menos discreta e respeitável possível. Como seria de esperar, os restantes e muito respeitáveis membros da família conspiram para lhe tirar a herança.

"Topsy-Turvy", de Mike Leigh (1999)

Através da recriação da história verídica da crise criativa dos célebres compositores de operetas Gilbert e Sullivan (Alan Corduner e Jim Broadbent), na Inglaterra da década de 80 do século XIX, e da forma como eles superaram essa crise e não se travaram de razões e desfizeram a parceria, compondo The Mikado, um dos seus maiores triunfos, Mike Leigh faz nesta fita um retrato do que era a englishness nos tempos da rainha Vitória. Está lá tudo, desde a soberba imperial ao sentimento de superioridade aos restantes povos e raças, até à incapacidade daqueles dois brilhantes homens verbalizarem e exteriorizarem a amizade e a estima que tinham um pelo outro.

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"A Festa", de Sally Potter (2017)

Temos aqui o primeiro filme feito após o referendo ao Brexit que pode ser visto como um comentário, ou uma metáfora, sobre o efeito devastador que este teve sobre a elite urbana, progressista e bem-pensante inglesa que votou para ficar na União Europeia. A Festa é uma feroz comédia negra sobre um grupo de amigos que partilham quase todos as mesmas ideias políticas (e andam a dormir uns com os outros) e têm profissões associadas a uma classe social elevada. Juntam-se numa festa, que acaba por se transformar numa zona de desastre e de confrontos violentos, desacreditando por completo, ideologica, moral e intelectualmente, todos os presentes.

"Sim, Senhor Ministro" / "Sim, Senhor Primeiro Ministro" (1980-1988)

Este par de notáveis e históricas séries de comédia, criadas por Jonathan Lynn e Antony Jay, passadas nos corredores, gabinetes e bastidores de Whitehall, satirizam com a pertinência, a pontaria e o sentido de humor de que só os ingleses são capazes (bem como a sua capacidade de auto-flagelação crítica), o funcionamento interno dos ministérios, do governo e da administração pública, e a classe política e a burocracia estatal. Regularmente, nas duas séries, surgem ataques cómicos arrasadores aos poderes de Bruxelas e aos seus privilégios e absurdos, às relações do Reino Unido com a União Europeia, bem como com vários países estrangeiros, dos EUA e da Alemanha às nações que fazem parte da Commonwealth, e que tanto podem ser hipócritas, de subserviência ou de superioridade arrogante. Só mesmo os ingleses para fazer televisão assim. 

Música e cinema para o Brexit

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Sete comédias britânicas com ou sem Brexit
Sete comédias britânicas com ou sem Brexit

Há quem ache o humor inglês parvo, malcriado, grosseiro, para não dizer apenas sem graça. E não deixa de ter razão. Depois, por outro lado, também há os Monty Python e a sua farta descendência, mais umas excepções que exploram (como dizer?) uma comicidade alternativa.

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