Intérprete de filmes como Fargo, Zodiac ou O Fundador, e de séries como American Horror Story, John Carroll Lynch é um dos mais conhecidos actores de composição americanos. E coube-lhe trabalhar com Harry Dean Stanton no seu primeiro filme atrás das câmaras, o derradeiro do seu grande e falecido colega.
Todd Haynes já anda nisto desde os anos 90, foi um pioneiro do new queer cinema, trabalhou com grandes actores e actrizes. O Museu das Maravilhas é o seu mais recente filme, uma história sobre duas crianças mudas em Nova Iorque, mas em tempos diferentes. Uma nos anos 20 e outra nos anos 70. O filme, que se estreia esta semana em Portugal, foi o ponto de partida para uma conversa com o realizador.
De certa forma, O Museu das Maravilhas é uma carta de amor ao cinema mudo. Gostavas de ter sido um realizador nos anos 20 do século passado?
Não houve altura mais extraordinária para ser um realizador. Aliás, foi a altura mais extraordinária para o cinema. No final dessa época, todos os países tinham um estilo único e tinham contribuído para o desenvolvimento do meio: dos formalistas russos aos expressionistas alemães aos cómicos americanos. Não vai haver outra altura tão interessante para o cinema. Pensa no Murnau a viver na Alemanha e a vir para os Estados Unidos onde tem todo o aparato do sistema de estúdios ao seu dispor para fazer o Aurora, um pedaço de poesia registado em filme. É espantoso.
Há um filme mudo que gostavas que passasse
na mesma sessão que O Museu das Maravilhas?
Faria um double bill com A Multidão (1928), do King Vidor. Nunca o tinha visto antes de começar a preparar O Museu das Maravilhas e é uma obra-prima. Um filme comovente e naturalista.
Esta pergunta pode parecer estranha, mas qual é o que teu filme que achas que aguentaria melhor sem os diálogos?
Há realizadores, do Woody Allen ao Tarantino, talvez, que adoram a linguagem e as palavras. Sem elas, os filmes deles não funcionam. Não dá. Eu nunca me revi nessa maneira de pensar, e sempre achei que para perceber se os meus filmes estavam bem tinha de perceber quão essencial (ou não) era o diálogo. E mais tarde fiz filmes sobre músicos onde a música é de certa forma o diálogo. Agora vou ainda mais longe. Não sei quantos minutos de música há no Não Estou Aí [que é sobre o Bob Dylan], mas duvido que sejam tantos como neste. Há quase 90 minutos de música no filme.
O David Bowie impediu que a música dele fosse usada no Velvet Goldmine. Foi difícil conseguir os direitos para usar a “Space Oddity” neste filme?
Desta vez não. Aparentemente não havia uma alínea no testamento que me impedisse de usar as canções dele. A música já estava no livro que o filme adapta, mas quando ele morreu estávamos a ouvir tanto Bowie que eu perguntei se ainda a podíamos usar. Não havia ninguém como o David Bowie e ainda estou a lidar com aquilo que a sua morte significa.
O teu anterior filme, Carol, foi muito bem recebido, mas não ganhou nenhum Óscar. Como é que lidaste com isso?
Eu não quero saber – mesmo. É complicado quando és nomeado para tantos prémios e os perdes todos, mas não vou deixar que isso me afecte. O produtor de O Museu das Maravilhas também produziu o Boyhood – Momentos de Uma Vida e ainda hoje sente que ele falhou. Eu digo-lhe que o Boyhood é um filme magnífico, que chegou a mais pessoas do que qualquer outro do Richard Linklater. O facto de não ter ganho na categoria de Melhor Filme não o pode deixar assim. Porque o que importa é o filme. Se eu tiver de escolher entre receber um Óscar ou o meu filme ser importante para a comunidade lésbica, ou o que quer que seja, e ser discutido na internet e nas universidades, eu sei o que vou escolher.
O Óscar?
[Risos] Sim, até já sei onde é que o vou meter.
Foste um pioneiro do new queer cinema no início dos anos 90. Chegámos a um ponto em que o cinema gay se tornou de tal modo mainstream que o rótulo é redundante?
Espero que não. Por um lado, acredito nas liberdades legislativas para as pessoas LGBT e em todos os direitos civis possíveis e imagináveis; por outro lado, sempre gostei de ser estranho, de alguma forma marginal, de ameaçar e perturbar as pessoas. Gosto do que isso me ensinou sobre o mundo, do que fez pelo meu sentido crítico, como me alinhou com uma tradição de escritores e artistas que ficaram nas margens. A luta pela justiça e direitos civis é uma luta justa, mas também implica um compromisso, porque tens de abdicar de certas coisas.