Os anglo-saxónicos chamam-lhe "Scandi noir", expressão que define tanto a literatura policial que se escreve nos países escandinavos, como as séries de televisão e as fitas pertencentes ao mesmo género, várias delas, aliás, adaptadas de alguns desses livros. Entre essas séries estão clássicos como Wallander ou Beck, bem como outras mais recentes. Algumas delas têm sido vistas na televisão portuguesa, a maior parte na RTP2.
Carter (Jerry O’Connell) é um actor de uma série policial famosa que volta à sua terra natal para se tornar um detective, usando na realidade os conhecimentos que adquiriu na ficção. O guião expõe a fórmula dos policiais para televisão e segue agora para a segunda temporada que estreia esta quinta-feira no AXN. Sentámo-nos à conversa com Jerry O’Connell no Bairro Alto Hotel para falar sobre a série policial que goza com as séries policiais. O actor norte-americano, também com nacionalidade britânica, esteve em Lisboa em Novembro a promover a série.
Está-se a divertir em Lisboa?
Sim, mesmo! Nunca tinha estado em Portugal.
Mas o Jerry não é britânico também?
Sou. O meu pai é inglês e sei que é perto. Na verdade, tenho vergonha de nunca ter estado em Portugal. Há tanta história aqui, tanta história marítima...
[pede um café] E bom café.
O melhor café. É mesmo bom. E adoro carne, adoro porco, adoro queijo.
Pode mudar-se para Portugal.
Devia. Mas tenho de dizer isto: andei a ver o preço dos imóveis e é muito caro aqui.
Sim, é um problema recente.
Tenho pena. Quer saber o que é mais bonito? Os passeios.
Sim, chama-se “calçada”. Há técnicos especializados nisso que fazem tudo à mão.
É incrível, nunca tinha visto nada assim. Quando és de Nova Iorque comparas todas as cidades a Nova Iorque. E a pura beleza desta cidade… nunca vi nada assim. Antes de eu vir, alguém me disse que Lisboa se ia tornar na minha cidade preferida. E não estava errado.
Vai ter tempo de passear?
No domingo fui dar uma volta a Marvão. Eles têm um festival da castanha, comi dois sacos. Foi tão bonito e as pessoas são tão simpáticas. Hoje vamos à praia, fazer um bocadinho de surf.
É um homem do desporto?
Nem por isso. Vivo em Los Angeles, temos ondas lá, mas não são tão grandes como aqui. Eu sigo alguns surfistas que praticam na Nazaré e… é uma loucura. Disse que queria fazer surf, mas não na Nazaré. Nem me mandem para lá.
Vamos então falar do Carter. Quão orgulhoso está desta série?
Bastante. Porque não é como as outras séries sobre crimes. Em Carter seguimos as regras, mas eu interpreto um actor que interpreta um polícia na televisão e que usa essas competências para resolver crimes. Acaba por ser bastante divertido de fazer e, ao mesmo tempo, goza com todas as outras séries.
Já fez uma, a Crossing Jordan. Como se sente agora quando olha para trás?
É muito divertido, porque quando se é actor numa série policial é muito entediante. Mas quando li o guião de Carter vi que era uma série policial que goza com outras séries policiais e fez-me mesmo rir. Tenho falas como: “Ouve, estamos a entrar no terceiro acto, algo louco está prestes a acontecer. É só para te avisar”. Depois dizem-me que estou doido, que isso é televisão e não a vida real e depois algo acontece e o Carter diz: “Eu disse que isto ia acontecer!”
Ou falas como “Get out of my light”.
Sim! É muito engraçado.
O Jerry é um actor que interpreta um actor que trabalha para a polícia. Alguma vez usou a sua experiência como actor para fazer algo incrível na vida real?
Sim, enganei a minha mulher a casar comigo. É uma modelo e actriz muito famosa [Rebecca Romijn] e podia ter ficado com qualquer pessoa no mundo. Não sei como é que a convenci a casar comigo, é o melhor trabalho de actor que alguma vez fiz. Isso e fazer o Carter todos os dias. Acho que tens de ser um actor maluco para fazer o Carter, porque não posso estar preocupado em fazer figuras tristes. Quando mais eu estiver disposto a fazer figura de parvo, melhor irá funcionar a série.
É um desafio ou nem por isso?
É muito mais divertido. Mas o que o Carter vai fazer por mim é arruinar todos os trabalhos para televisão que eu possa ter, porque goza com a própria televisão. Por isso, vamos imaginar que depois da série eu consigo um papel num NCIS: Lisboa. Vou ter de ser sério e não sei se serei capaz de o fazer.
Há muitas séries policiais, mas é possível que os fãs da série Castle, que acabou em 2016, a comparem a Carter?
Castle inspirou-nos. É engraçado porque os meus chefes na AXN disseram-me, há três anos, que ia terminar e que ia ficar um vazio na televisão. Queríamos fazer o próximo Castle e acho que conseguimos com Carter. Mas não podes repetir, tens de dar um passo em frente: és um actor que trabalhou numa série policial como Castle. Isso é engraçado.
Acha que o Carter está a tentar ser melhor actor enquanto é detective?
Ele vai ser o melhor detective. Vai ser melhor do que o Horatio Caine [CSI: Miami]. Porque o Horatio não consegue trabalhar à paisana. O Horatio Caine só pode ser o Horatio Caine e o Carter pode ser qualquer pessoa. Incluindo o Horatio Caine.
Vai mesmo acontecer algo do género?
Seria o meu sonho ter o David Caruso na série. Quero que ele leia esta entrevista e participe no Carter.
Já alguém falou com ele?
Não. Eu não conheço ninguém tão famoso. Sabe o quão rico ele é? Ele não fala com pessoas como eu.
Nunca conheceu o David Caruso?
Vi-o uma vez numa fila. E queria dizer olá, mas eu estava muito intimidado e não disse nada. Ele também estava com a filha, pequenina, e não o quis incomodar.
Vê Carter como um projecto de longa duração?
Acho que pode continuar por um tempo. Há muitas séries policiais e não sei porque a AXN não aposta em nós para os próximos dez anos. Seria espectacular, vamos fazer acontecer.
As filmagens são no Canadá e o Jerry foi nomeado para um prémio nos Canadian Screen Awards, pelo seu papel na série Carter.
Sim, foi a primeira vez na vida que tive uma nomeação.
A sério?
Sim! Estes prémios são como os Emmys do Canadá. E fiquei muito entusiasmado. Pedi à minha esposa para arranjar um vestido, fomos e perdi.
Como se sente com isso?
Fiquei muito zangado. A minha esposa perguntou o que eu tinha de errado, porque ser nomeado é uma honra… Agora tornou-se a minha missão de vida ganhar aquele prémio. Todos os dias vou trabalhar, chego cedo, vou ao ginásio, trabalho as minhas falas, porque quero ganhar esse Canadian Screen Award. Tornou-se a minha obsessão.
Vamos ver agora como corre com a segunda temporada.
É melhor que aconteça.
No primeiro episódio da segunda temporada o Carter diz para a câmara: “Se este fosse o meu show, eu diria que seria incrível”. Por isso, quão incrível vai ser esta segunda temporada?
Vai ser espectacular. Divertimo-nos muito a fazer e acredito que as pessoas que vêm também.
E têm um personagem novo, o capitão Joyce Boyle.
Sim, interpretado pelo Lyriq Bent. É um óptimo complemento na série, porque é muito bem parecido e ajuda-nos bastante. É super musculado e um actor muito dramático que nos ajuda a trazer a série mais à terra. Sinto-me honrado de chamá-lo colega e amigo.
Na série, o Carter diz mesmo que ele é um homem muito bonito.
Sim e o que é engraçado no Carter é isto: se o Lyriq Bent fosse para o CSI: Miami, o Horatio Caine tirava os óculos e diria “Bem vindo ao CSI: Miami”. Seria tudo. Mas o Carter tiraria os óculos e diria: “Oh meu Deus, tens tão bom aspecto! Bem-vindo ao Carter”.
Apesar de ter dito que a sua vida estaria provavelmente arruinada a seguir a isto, está a trabalhar em mais alguma coisa neste momento?
Sim, vou fazer um espectáculo na Broadway chamado A Soldier's Play, com o David Alan Grier e o Blair Underwood. É muito dramático e vai estrear a 21 de Janeiro.
Já se está a preparar?
Sim, ando a memorizar as minhas falas. Andam sempre comigo.
É a primeira vez na Broadway?
É a minha terceira vez. A minha estreia foi com uma peça chamada Seminar, com o Alan Rickman, foi um grande sucesso. A minha segunda vez esteve em cena pouco tempo, foi um falhanço.
É verdade que odeia que lhe falem do filme Stand by Me, porque estava gordinho na altura? É que essa informação está no IMDB.
Não! Adoro falar sobre isso, é uma filme fantástico. Ainda o vi a semana passada com os meus filhos. Eles não gostaram, mas… Alguém na internet disse isso e não podia estar mais afastado da verdade.
Na série, há um episódio em que a Dot [uma figura materna para Carter] está a servir panquecas e diz que o Carter era um miúdo gordo. É uma referência ao Stand by Me?
Sim. Essa actriz chama-se Brenda Kamino e acrescenta essas coisas só para me chatear. Sabe, eu não gosto que as pessoas me chamem gordo, isso é um problema. Estivemos agora em Espanha e muitas pessoas chamaram-me “gordito” e isso aborreceu-me.
Está em forma.
Eu sei, não sou um “gordito”. Mas o rapaz que me chamou ‘gordito’ era.
AXN, Qui 22.50 (Estreia T2)