Fato aprumado, sorriso aberto e um contagiante sentido de humor: é fácil detectar a presença de John Boyega. O jovem de Peckham que virou superestrela galáctica assume o papel de director com uma extraordinária naturalidade – pés na secretária, dedos a folhear layouts e todos em seu redor a chorar de tanto rir. Nigeriano de segunda geração, filho de um pastor da igreja e de uma assistente social, Boyega cresceu num bairro social. A sua história tem um cunho caracteristicamente londrino, e as associações artísticas e comunitárias da cidade contribuíram de forma muito significativa para o seu sucesso. Anos antes de ser escolhido para interpretar Finn, o mais recente e relacionável herói de Star Wars, o actor ia aproveitando as oportunidades que a cidade lhe oferecia: fez formação na escola do Theatre Peckham e actuou e assistiu a peças em espaços como o Shakespeare’s Globe, o Royal Albert Hall, o Roundhouse e o Young Vic. Todos palcos de categoria mundial; todos profundamente enraizados no tecido cultural de Londres.
A sua história não escapou à tragédia: Boyega e a sua irmã Grace foram das últimas pessoas a ver o seu companheiro de escola Damilola Taylor, também nigeriano e londrino, vivo, antes do seu homicídio, em 2000. Mas hoje Boyega traz outra história sobre Londres, mais positiva e que celebra as pessoas e organizações que o inspiraram, ensinaram e lhe permitiram expressar a sua identidade de forma autêntica. É o tipo de história que vale a pena recontar, em particular numa altura em que os jovens de Londres são, em demasiadas ocasiões, estereotipados como vítimas ou autores de crimes.
Comecemos pelo Theatre Peckham. Sabemos que tem um grande significado para ti.
Foi onde me formei, onde realmente descobri as artes. Consegui uma bolsa de estudo enquanto estava na escola primária. A Teresa Early, a fundadora, disse-me: “Podes formar-te aqui sem pagar nada.” Deu-me uma oportunidade muito boa. De repente, tinha as portas abertas para o teatro contemporâneo, a dança, o sapateado, o ballet...
Não te imaginava a fazer ballet...
As aulas de ballet eram puxadas! Mas consegui conhecer miúdos que gostavam das artes de palco, o que na escola era difícil. Muitas das minhas amizades vieram dali. Sentia que estava sempre rodeado de gente criativa, em constante expressão. Apresentámo-nos no Roundhouse, o meu grupo de teatro ganhou uma competição para actuar no National Theatre, e tudo isso fez com que me dedicasse ainda mais. É tão importante os jovens terem acesso a estes grupos, e que não seja cortado o financiamento para os manter.
Que memórias guardas da tua infância?
De brincar na rua, de ir bater às portas das pessoas e fugir (Colin do número 6, desculpa). Eram horas de diversão. Andava numa escola secundária só para rapazes, por isso combinávamos encontrar-nos em Marble Arch com as miúdas de outra escola, que era só para raparigas, e fazíamos guerras de água. Namoriscávamos um bocadinho, trocávamos números de telefone, íamos ao Trocadero... Eu sou do Sul da cidade, então ir ao Trocadero era como ir a outro planeta. Ficávamos tipo: “Olhem! Raparigas do Noroeste de Londres!”
Ainda levas amigos e família às tuas estreias. Eles não fazem nada de embaraçoso?
Nem pensar! O meu pai é o meu grande parceiro. Não conhece ninguém em Hollywood, por isso pode estar a conversar com uma grande estrela e dizer algo do tipo: “Aquele senhor é muito simpático. Bastante alto.” E eu digo: “Pai, estavas a falar com o Dwayne Johnson!”. “Bastante alto” – muito engraçado.
Quão importantes são os teus amigos?
Tenho um bom círculo de amigos. É óptimo, em termos de saúde mental, ainda ser um dos rapazes e não ser como um líder. Porque sou o mais novo do grupo. Não quero liderar ninguém, nem ser o tipo famoso – não é o meu forte.
Por vezes, os jovens que enriquecem e têm sucesso muito novos acabam por descarrilar. Por que razão isso não aconteceu contigo?
Não sei se essa narrativa corresponde à realidade. Eu percebo – dinheiro, fama, essas coisas são grandes tentações que podem influenciar a maneira de pensar das pessoas de diversas formas, mas vejo valor em quem trabalhou para ter o que tem. As pessoas têm dias maus e eu não as julgo por isso. Antes de ser famoso, julgava. Quando via alguma coisa sobre uma celebridade, ria e opinava, mas depois de me tornar uma delas apercebi-me que muitas coisas não eram sequer verdade. Não quero fazer parte disso: mata os neurónios de qualquer um. Quanto a manter os pés assentes na terra, não é só uma questão de conseguir fama e dinheiro e começar a agir como um idiota – talvez essa pessoa fosse pobre antes e tenha sido excluída dessa comunidade quando enriqueceu, tipo: “Mudaste, não podes ficar”. Para depois tentar integrar-se com os ricos e ouvir: “Vens de um meio pobre, volta para lá.” Isso faz-te ter dias difíceis. Eu entendo isso.
Tens em mãos o fim de Star Wars. É uma responsabilidade. Não é só mais um filme, faz parte da nossa cultura, é como o Natal. Como é que te sentes com isso?
Pela forma como se tem falado da estreia deste filme, parece que Jesus nasceu este ano! Parece que está prestes a chegar este mês! Sim, faz parte da cultura e da infância de todos. Foi uma parte importante da minha. A sensação que tenho hoje ao ver as palavras “Star Wars” no ecrã lembra-me de como me senti quando as vi pela primeira vez. Estou feliz por poder fazer parte deste quebra-cabeças, porque é um privilégio gigante. É uma grande emoção.
No último dia de gravações, houve choradeira no estúdio?
Muita. Todos chorámos. Também de alegria e gratidão por vocês, por todos os que têm ido ver os filmes, especialmente quando é cada vez mais difícil convencer as pessoas a ir ao cinema. É porque apreciam. Faz parte da vida delas. E ser uma das muitas caras disso é incrível.
Se, daqui a 40 anos, fosses convidado para participar numa sequela, aceitarias?
Claro que sim! Aparecia com a minha bengala – a minha bengala da Burberry! É isso que eu quero!
Da última vez que falámos, referiste o teu orgulho em contribuir para a diversificação da saga. Que mais precisa de acontecer na indústria?
Ainda me sinto muito orgulhoso dos progressos que estão a acontecer, mas, para mim, a participação é o mais entusiasmante. Muitos actores estão a escrever, a ocupar o seu espaço e a ter um papel activo no processo criativo. E é muito importante que a indústria responda e apoie essas vozes. Para que certas conversas possam deixar de ser necessárias dentro dos próximos dez anos – e que todas as politiquices e tretas possam ficar no mundo real e deixar a arte ser arte.
Está agora a surgir uma safra de realizadores britânicos incríveis de origens diferentes. Até que ponto é importante a representatividade, entre quem actua nos filmes, mas também entre quem os produz?
Quem produz os filmes tem um papel muito importante – particularmente quando conhece a realidade cultural associada às personagens e histórias que retrata. Mas mesmo que seja fictício, é um produto da sua imaginação. Ver as pessoas a ocupar esse lugar dá-me motivação para continuar.
E para ti, qual é o próximo passo?
Criei a minha produtora em 2016, depois de filmar Batalha do Pacífico: A Revolta e passar muito tempo em estúdio a observar e a aprender com pessoas completamente dedicadas a produzir, colaborar e encontrar financiamento para projectos. Adorava ter a oportunidade de fazer papéis britânicos, além dos americanos. Gostava de explorar personagens em casa. Há qualquer coisa de bastante humilde no entretenimento britânico. “Estamos a entreter-vos, esperamos não estar a incomodar!” Na América, é mais: “Tomem lá acção!” Misturar um bocadinho dessa genética com a essência de ser britânica, que já é múltipla, seria extraordinário para a indústria e pode criar mais oportunidades para os actores.
Por teres interpretado o papel de Finn, em Star Wars, muitos jovens agora vêem-te como um herói. Que conselho darias ao John Boyega de há uns anos?
Cala-te e trabalha! Pára de falar – só estás a falar porque tens medo. Foca-te! E não sejas tão duro contigo mesmo quando encontras obstáculos, não foste tu que os colocaste ali.
E se nada disto tivesse resultado? Serias director da Time Out London? Agente imobiliário?
Agente imobiliário estaria no meu horizonte, sem dúvida! Arquitecto, cartunista – ou apareceria num dos vídeos da Butlin’s.
O que esperas de Londres?
Mais união, mais espírito colectivo em termos de classe. Respostas para questões importantes para a população, como o caso de Grenfell. Quero muito isso. Mais financiamento para actividades pós-escolares. Gostava de ver uma Londres que não é só para os mais ricos, uma Londres onde todos encontram oportunidades