Fiasco
Gael Turpo/NetflixFiasco
Gael Turpo/Netflix

O verdadeiro filme-catástrofe

‘Fiasco’ cultiva um tipo de humor gostosamente francês de que já tínhamos saudades. Esta série da Netflix é um verdadeiro triunfo.

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★★★★☆

Coisa que não falta são filmes sobre rodagens desastrosas de filmes. Fiasco (Netflix) é uma série francesa sobre este tema. Mal pomos os olhos no realizador Raphael Valande (Pierre Niney, também criador da série, com Igor Gotesman), não temos a menor dúvida de que vamos assistir a um filme-catástrofe, só que visto dos bastidores (Fiasco é feito do ponto de vista do sujeito encarregue do making of). É que não só Raphael, cineasta estreante, e apesar de ambicioso e dedicado, é chóninhas, inseguro e temeroso, como também o produtor, Jean-Marc, é burro para lá do possível para um ser humano; e logo no princípio dos trabalhos, quando faz o discurso pré-rodagem à equipa, Raphael diz – embora com a melhor das intenções – coisas inadmissíveis nesta era #MeToo, que alguém filma à socapa com um telemóvel. E usa, primeiro para fazer chantagem sobre ele e Jean-Marc, depois para o arrastar pelas ruas da amargura nas redes sociais.

A partir daí, as coisas vão ficando cada vez piores, e as filmagens vão tornar-se numa sucessão de acidentes, desastres, equívocos, humilhações (a entrevista ao vivo para a televisão sabotada pelo laxante que alguém pôs na comida) e absurdos (o aspirante a actor sem pinga de talento que finge ser um playboy milionário com dinheiro para salvar a produção). O martirizado Raphael não é poupado a nada, nem sequer a uma vergonha familiar. Ele quer que o filme seja uma homenagem à avó, que militou na Resistência durante a II Guerra Mundial, mas nem por esse lado se consegue safar, porque se acaba por descobrir que a senhora não resistiu tanto assim ao ocupante…

Os autores de Fiasco conseguem manter o fluxo de situações cómicas, de gags e até de trocadilhos, contínuo e intenso, e nunca perdem o pulso ao ritmo taquicárdico que a história exige. E no meio da confusão, satirizam, com atrevimento e sucesso em partes iguais, a actual obsessão com o assédio sexual, a misoginia, o racismo ou a “inclusão”, e mesmo a mitologia da Resistência, assunto delicadíssimo em França. Pierre Niney, que pode ser um actor muito irritante, está perfeito na pela do pião das nicas Raphael, Pascal Demolan dá-lhe réplica à altura na figura do atarantado Jean-Marc e há que destacar ainda Francis Civil no papel de Tom, que acumula o ser um desastre ambulante sob forma humana e estúpido como uma porta de cofre-forte. A série cultiva também um tipo de humor gostosamente francês de que já tínhamos saudades, porque tem andado bastante ausente do cinema de comédia local, pelo que este Fiasco é um verdadeiro triunfo. 

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