Intérprete de filmes como Fargo, Zodiac ou O Fundador, e de séries como American Horror Story, John Carroll Lynch é um dos mais conhecidos actores de composição americanos. E coube-lhe trabalhar com Harry Dean Stanton no seu primeiro filme atrás das câmaras, o derradeiro do seu grande e falecido colega.
Willem Dafoe sofre como gente grande. É o seu maior talento, sofrer. Seja à frente da câmara de Lars von Trier, no brutalmente violento Anticristo, ou debaixo da vela de Madonna, a pingar cera para o seu Corpo de Delito, Dafoe aturou muita coisa. O actor de 62 anos tem o talento de parecer sempre vexado; e tanto deixou realizadores aproveitarem-se disso para nos fazerem rir, como Wes Anderson, como para ainda tornarem mais grandiosos filmes de super-heróis – entrou na trilogia de Homem-Aranha de Sam Raini e vai começar a trabalhar em Aquaman. Mas talvez The Florida Project, o novo filme de Sean Baker, seja o seu papel mais puxado. Encarna o gerente de um motel à beira da Disney World e a interpretação é capaz de lhe valer o primeiro Óscar. Mas ele não se deixa afectar por essa conversa e prefere falar sobre aquilo que faz melhor: desaparecer.
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O Bobby, o teu personagem em The Florida Project, é o gerente de um motel, mas também é, de vez em quando, o protector de garotos que têm uma vida complicada.
Gosto da posição que ele ocupa. O Bobby está com eles, mas também está de fora – ele está dentro e fora. Não há nada de extraordinário nele enquanto pessoa, mas há algo de belo na forma como é apenas um tipo normal que faz pequenos actos heróicos.
Há alturas no filme em que a vida destas crianças parece uma maravilha, mas percebemos que não é o caso quando conhecemos os pais.
Tens o mundo das crianças, que roça o caos, que é pura diversão e irresponsabilidade, mas isso choca com a realidade, com as vidas, que são complicadas. Fazer a ponte entre esses dois mundos é um privilégio.
Este papel dá-te muitas oportunidades para improvisar. Como aquela cena na varanda, simplesmente a fumar e a pensar.
Isso é principalmente o Sean [Baker] a dizer: “Quero filmar o Bobby, temos uma boa luz. Podes ir para o segundo andar? Alguém tem cigarros?” É muito fluido. Sabia que trabalhar com ele ia ser muito livre.
A ansiedade do Bobby parece remeter directamente para a tua prestação icónica em A Última Tentação de Cristo, de Martin Scorsese. Esse papel persegue-te?
Acho que foi crucial para mim. Foi muito exigente. Os actores gostam de ser desafiados, de ser pressionados. Repara que era um filme de baixo orçamento. A maior parte das pessoas esquece-se disso. Estávamos a curar cegos à tarde e pregados à cruz à noite. E atenção que não me estou a queixar – de certa forma foi uma bênção.
Entrar num filme do Wes Anderson – e pelas minhas contas já vais em três, incluindo um em que fazes de rato – deve ser muito diferente de um papel que exige alguma capacidade de improviso.
Sim, é o oposto. O mais importante com o Wes Anderson é aperfeiçoar o gesto. E muitas vezes esse gesto é decidido antes de tudo. No Grand Budapest Hotel, antes de começarmos a trabalhar, o Wes mostrou-me uma versão animada, desenhada à mão, de todo o filme. E era fantástico. Ele fez todas as vozes. Eu disse-lhe “Não tens de fazer o filme – lança isto.” E ele disse-me só: “Alguns actores querem ver isto, porque não me querem ouvir dizer as deixas deles.” Mas eu adoro isso. Acredito na imitação. Acredito em trabalhar a partir de modelos. É um ponto de partida. É uma linguagem. A ti cabe apenas dar-lhe vida.
Onde é que te ensinaram isso? Às vezes as tuas interpretações parecem flirts.
Já ninguém flirta. As pessoas agora estão a engatar-se a elas próprias. [Olha para um telefone imaginário na sua mão] Isto é um espelho.
O teu trabalho é muito autêntico.
É uma questão de retornar à natureza das coisas, de ser um animal num cenário de pureza. Isso é o mais importante para mim. Queres desaparecer para dentro de algo maior.