O número 5 da Rua Nova da Alfarrobeira foi casa de família, consultório médico, hostel e, desde 23 de Setembro, é uma guesthouse de tributo ao mar. A ideia partiu de Francisco Garcia e Duarte Reis, que há coisa de um ano decidiram apresentar uma proposta para recuperar a casa centenária no centro da vila e transformá-la em ponto de encontro entre a comunidade local e a nova tribo de surfistas que saltita de poiso em poiso atrás da onda perfeita em viagens de curta duração. Gente ocupada, sem tempo a perder e para quem as palavras “camarata”, “retiro de surf ” e “hostel” não fazem parte do léxico. Foi com a mira apontada a este grupo específico de surfistas modernos, os que exigem dormir confortável e descansadamente numa cama a sério, em quarto individual e com algumas mordomias, que o Legasea se surgiu. Duarte e Francisco sabiam ao que iam porque antes de se meterem na aventura do alojamento andaram, nos últimos anos, a organizar viagens personalizadas na Surf Around Portugal e perceberam que havia, no segmento do surf, uma procura crescente pelo Portugal autêntico, sem filtros ou armadilhas para turista, com experiências que fossem directas ao assunto. Com o esquema todo montado, ficava só a faltar a parte do alojamento.
A casa de 1770, outrora com terreno que se estendia até ao mar, estava à espera de solução e o plano da guesthouse começou a ganhar forma. Manteve-se a traça antiga, os painéis de azulejos, os tectos de madeira e até a salgadeira na cozinha, e deu-se nova cara aos sete quartos da casa. Seis deles transformaram-se em suítes duplas e familiares (se viajar com miúdos, pergunte pela do sótão, que encaixa quatro pessoas à vontade) e o que sobra ajeitou-se para encaixar uma camarata para seis. Além da luz que passou a entrar, voltaram alguns dos móveis originais da casa, quadros que contam a história da antiga vila de pescadores, juntaram-se uns tapetes feitos à mão, colchões topo de gama, uma vista simpática para o mar e estava feito um refúgio a sério para quem a paixão pelo mar não implica abdicar de um ou outro luxo.
Entretanto, Mariana Garcia juntou-se à dupla e assumiu a pasta do acolhimento. Tudo o que foi preciso para fazer da casa uma casa a sério, Mariana tratou. E depois começou a desenhar um plano para pô-la a mexer. A prioridade foi sempre juntar cascaenses e visitantes e seria o mar e o seu legado a juntá-los. De um lado, os que vêm à procura das ondas da Linha, do outros os que sabem de olhos fechados quando “é que não está bom no Guincho” e qual a esplanada perfeita para ficar à espera que o vento mude.
Como todas as boas histórias, esta também se vai escrevendo à volta da mesa, na cozinha que é sala de convívio e onde os pequenos-almoços são abertos a todos, hóspedes e público em geral. Mariana trata da ementa e é ela a responsável pelo pão de banana fresquinho todas as manhãs, pelos queques de aveia, as comportas de fruta e a granola caseira, fugindo, sempre que possível, da oferta tradicional do rolinho de fiambre e queijo e de produtos com grande pegada ecológica. O café Flor da Selva vem de uma fábrica na Madragoa (é verdade, faz-se café no centro de Lisboa), os chás e as aromáticas da horta biológica da Cooperativa para a Educação e Reabilitação de Cidadãos Inadaptados de Cascais e o pão é da Gleba.
Em breve, um dos antigos quartos da casa, onde terá funcionado o tal consultório médico, vai ser uma pequena mercearia e loja zero waste, com acessórios de cozinha, vinhos da Viúva Gomes, pranchas de surf, roupa e decoração. Até lá, o entra e sai da casa vai acontecer por dois motivos: os brunches de fim-de-semana, que arrancam já este mês, e as aulas de ginástica natural. Se não sabe do que se trata, não comece já a torcer o nariz e a apontar o dedo às modinhas do fitness. A ginástica natural é um ritual (chamemos-lhe assim) de preparação física utilizado por muitos surfistas de alta competição e que junta yoga com jiu-jitsu para treinar força, postura e respiração através de movimentos orgânicos e fluidos. É muito mais simples do que parece e também muito mais exigente. Acontecem de segunda a sábado no estúdio de ginástica ou no terraço e são abertas a todos (80€/ pacote de 8 aulas). Para quem prefere ficar só por uma modalidade, há aulas de yoga todos os dias (80€/ pacote de 10 aulas), aulas de surf e caminhadas em Cascais e Sintra (por marcação). No final do dia, se precisar de pôr os e-mails em dia ou despachar trabalho, há uma sala de cowork com um frigorífico honesto recheado para um lanche tardio. Serve-se do que quiser e no fim paga o que consumiu, simples assim.
Os quartos não têm televisão – Mariana admite que é uma batalha complicada – mas pode sossegar o bichinho Netflix no ecrã da sala de estar.