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10 covers de canções pop que precisa de ouvir

Uma canção pop não se resume a umas notas numa partitura e há quem seja capaz de se apropriar de canções alheias e assimilá-las tão perfeita e completamente que as torna na sua própria carne e sangue

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10 covers de canções pop que precisa de ouvir

“2000 Light Years From Home”, dos Rolling Stones, pelos Danse Society

Em 1967, os Rolling Stones lançaram Their Satanic Majesties Request, um álbum que pode ser visto como uma resposta à explosão de psicadelismo, sofisticação e bizarria de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, surgido alguns meses antes. Apesar de este não ser o território natural dos Stones e de estes não terem voltado a cultivar esta sonoridade, o álbum contém algumas das suas melhores canções. É o caso de “2000 Light Years From Home”, uma fantasia sci-fi que está mais perto de The Piper at the Gates of Dawn, o álbum de estreia dos Pink Floyd, do que dos Beatles.

[The Rolling Stones]

16 anos depois, os Danse Society revisitaram a canção no seu segundo álbum, Heaven Is Waiting (1983), e este é um caso em que a cover supera o original: a atmosfera é mais psicadélica e ominosa, a secção rítmica mais coesa e cativante e a canção transmite mais convincentemente a tremenda solidão de se vogar no espaço a 2000 anos-luz de casa.

[The Danse Society]

“You’re Lost Little Girl”, The Doors, por Siouxsie and the Banshees

1967 registou também o aparecimento do segundo álbum dos Doors, Strange Days, o mais impregnado de psicadelismo da carreira da banda – em 1967 a concentração de canabinóides e dietelamida do ácido lisérgico na atmosfera das grandes urbes do mundo ocidental era tão elevada que quase todos os discos então gravados exibem marcas de psicadelismo. “You’re Lost Little Girl” é uma das canções de Strange Days e revela, aqui e ali, alguns traços de Latin jazz.

[The Doors]

A versão que, duas décadas depois, Siouxsie gravou no álbum de covers Through the Looking Glass (1987), reforça-lhe o pendor psicadélico e adiciona-lhe mistério, nevoeiro e penumbra gótica – veja-se como o límpido e jazzístico solo de guitarra de Robby Krieger (a partir de 1’42, no original), se converte num carrossel alucinado e maligno (a partir de 1’42, na versão de Siouxsie). O original é uma boa canção, mas a cover é sublime.

[Siouxsie and the Banshees]

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“Bold Marauder”, de Richard Fariña, por Kendra Smith

No início dos anos 60, Richard Fariña (1937-1966) era uma figura proeminente dos meios contraculturais de Greenwich Village. Foi amigo próximo de Bob Dylan, casou com a irmã mais nova de Joan Baez, Mimi (o padrinho foi o romancista Thomas Pynchon), e produziu um álbum (nunca editado) de Joan Baez. Fariña era escritor, musicólogo e singer-songwriter (na área da “canção de protesto”) e poderia ter sido uma figura de envergadura comparável à de Bob Dylan e Joan Baez na contracultura norte-americana dos 60s.

A 29 de Julho de 1966, Bob Dylan teve um acidente de moto, que teve como consequência algumas vértebras partidas e uma diminuição das suas já de si limitadas capacidades vocais. Três meses antes, a 30 de Abril, Fariña tivera um acidente de moto que lhe causou morte instantânea. Deixou três álbuns em duo com Mimi Baez, Celebrations for a Grey Day e Reflections in a Crystal Wind, ambos de 1965, e Memories, que só foi publicado em 1968. Algumas canções de Fariña foram retomadas por Joan Baez, Fairport Convention, Sandy Denny e Iain Matthews, mas, no essencial, o seu nome mergulhou no olvido.

[Mimi & Richard Fariña, numa gravação para o programa “Rainbow Quest”, de Pete Seeger, a 26 de Fevereiro de 1966, dois meses antes da morte de Richard Fariña. O instrumento tocado por este é um dulcimer dos Apalaches]

30 anos depois do aparecimento de “Bold Marauder”, incluída no álbum Reflections in a Crystal Wind, a canção seria revisitada, em atmosfera mais psicadélica, nocturna e hipnótica, em Five Ways of Disappearing (1995), o terceiro álbum em nome próprio de Kendra Smith, uma cantora e guitarrista com notável curriculum na indie pop americana, que foi co-fundadora dos The Dream Syndicate, Rainy Day e Opal (precursores dos Mazzy Star).

A letra de “Bold Marauder” anuncia a chegada dos europeus – “the White Destroyer” – ao Novo Mundo, com o seu cortejo de pilhagem, morte, opressão e destruição: “Azedarei os ares lá no alto/ E conspurcarei os rios/ E queimarei os cereais nos campos”.

[Kendra Smith, na versão incluída na compilação 4AD All Virgos Are Mad]

“Sweet Jane”, de The Velvet Underground, pelos Cowboy Junkies

“Sweet Jane” é uma das mais conhecidas canções de Lou Reed e apareceu pela primeira vez em Loaded (1970), o quarto álbum de estúdio dos Velvet Underground e o último a contar com Lou Reed. Reed voltaria à canção no álbum Rock’n’Roll Animal (1974) e continuaria a tocá-la ao vivo durante muitos anos. 1974 foi também o ano de edição de 1969: The Velvet Underground Live, que documenta actuações da banda em Dallas e São Francisco e inclui uma versão mais suave e menos rock’n’roll de “Sweet Jane” (e que preserva a ponte que tinha sido suprimida na versão encurtada de Loaded).

[versão do álbum Loaded]

Quando os Cowboy Junkies pegaram na canção, para o seu segundo álbum, The Trinity Session (1988), o modelo foi a versão de 1969: The Velvet Underground Live, a que a banda canadiana deu um cariz mais despojado e narcoléptico.

[Cowboy Junkies]

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“Third Uncle”, de Brian Eno, pelos Bauhaus

O papel visionário de Brian Eno nunca será demasiado enfatizado e não se restringe à ambient music e à produção. Tome-se como exemplo “Third Uncle”, uma faixa do seu segundo álbum a solo, Taking Tiger Mountain By Strategy, de 1974: nada nesta cavalgada obsessiva e tenebrosa remete para a música do seu tempo; na verdade, num teste de olhos vendados, quem conheça a música dos anos 80, associá-la-á provavelmente ao post-punk britânico e, mais especificamente, aos Bauhaus.

[Brian Eno]

Deve ter sido os que os Bauhaus pensaram e trataram de apropriar-se do que era seu: a sua versão, mais urgente e alucinada, faz parte do terceiro álbum da banda, The Sky’s Gone Out (1982).

[Bauhaus]

“Love Will Tear Us Apart”, da Joy Division, pelos Swans

A canção foi o derradeiro single dos Joy Division, lançado em Junho de 1980, um mês após o suicídio de Ian Curtis. A perspectiva lúgubre que oferece sobre o amor reflecte a desintegração da relação de Curtis com a mulher, e a voz, indiferente e sorumbática, não se deixa contagiar pela energia do baixo e da guitarra (que, diga-se de passagem, têm algo de robótico).

[Joy Division]

A mundividência desolada e pessimista de “Love Will Tear Us Apart” encontrou naturalmente eco em Michael Gira, que em 1988 incluiu a canção no EP homónimo do seu grupo, os Swans. Na verdade, o “Love Will Tear Us Apart” dos Swans existe em duas versões, uma cantada por Gira (correspondente à edição de capa vermelha do EP) e outra cantada por Jarboe (edição de capa negra). A canção ganhou um rendilhado de guitarras acústicas e viu a bateria ser substituída por uma caixa de ritmos e a voz grave de Gira deu-lhe um cunho ainda mais fatalista.

Gira arrependeu-se de ter editado este EP, mas a verdade é que foi a sua popularidade nas rádios universitárias americanas que lhe valeu, pela primeira (e última) vez na carreira, um contrato com uma major (que só durou um álbum, The Burning World).

[Swans, versão com Michael Gira]

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“Quiet Night Stars of Quiet Stars”, de Tom Jobim, pelos Wovenhand

“Corcovado”, composta em 1960 por Tom Jobim, é uma das mais emblemáticas canções da bossa nova e tem sido alvo de incontáveis versões, na versão original portuguesa ou na versão inglesa – “Quiet Nights of Quiet Stars” – por músicos das mais diversas áreas. Os músicos de jazz americanos foram dos primeiros a acolher a bossa nova – talvez por a própria bossa nova ter, lá no fundo, influências de jazz – e uma das mais célebres versões é a que foi gravada em 1963 por Stan Getz e João Gilberto no álbum Getz/Gilberto. O registo é bilingue, com João Gilberto a cantar em português e a sua mulher Astrud Gilberto a cantar em inglês, e conta com o próprio compositor no piano, o saxofone de Getz, o violão de Gilberto, o contrabaixo de Tommy Williams e a bateria de Milton Banana.

[Versão do álbum Getz/Gilberto]

Se Michael Gira escolheu fazer uma cover de “Love Will Tear Us Apart” por afinidade, David Eugene Edwards foi certamente motivado pelo desafio de assimilar algo que lhe é completamente estranho quando decidiu incluir uma versão de “Quiet Nights of Quiet Stars” em Ten Stones (2008), o quarto álbum dos Wovenhand. A felicidade mansa ao lado de quem se ama e uma vida pacata resumida a “um cantinho e um violão” e a visão do Corcovado pela janela (“O Redentor, que lindo”), estão nos antípodas das paisagens desoladas e tenebrosas de Edwards, assoladas por maldições bíblicas, castigos divinos e chuvas de enxofre.

[Wovenhand]

“Everybody’s Got Learn Sometime”, dos Korgis, por Beck

O que separa uma canção tocante de uma pepineira? Onde reside a identidade de uma canção? Pode alguém compor uma boa canção inadvertidamente e deitá-la a perder por não perceber o que tem nas mãos? São perguntas que despontam naturalmente quando se compara o original de “Everybody’s Got Learn Sometime”, a canção dos anódinos Korgis que mais fez pela sua fama e conta bancária e integra o segundo álbum da banda, Dumb Waiters (1980)...

[The Korgis]

...com a versão que Beck gravou em 2004 para a banda sonora de Eternal Sunshine of the Spotless Mind, de Michel Gondry.

[Beck]

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“Landslide”, dos Fleetwood Mac, pelos Smashing Pumpkins

Mais um caso em que a cover supera o original. A canção foi composta por Stevie Nicks e viu a luz do dia em Fleetwood Mac (1975), o décimo álbum dos Fleetwood Mac.

[Fleetwood Mac]

Quase 20 anos depois, Billy Corgan achou que a canção de Nicks tinha tudo a ver com a sua vida e gravou-a só com voz e guitarras acústicas e colocou-a como lado B do single “Disarm” (1994) – seria depois reeditada, nesse mesmo ano, na compilação de raridades e lados B Pisces Iscariot. À superfície, as duas versões são muito diferentes, mas quando se compara o tom distante e ligeiramente afectado de Nicks com a entrega de Corgan, percebe-se que a canção tocou Corgan mais fundo do que a sua autora.

[The Smashing Pumpkins]

“Bad Boy Boogie”, dos AC/DC, por Mark Kozelek

Mas as covers mais fascinantes são aquelas em que o original se torna praticamente irreconhecível. Tome-se “Bad Boy Boogie”, uma rockalhada rupestre (perdoe-se o pleonasmo) incluída no quarto álbum dos australianos AC/DC, Let There Be Rock (1977) e que tem todos os ingredientes de virilidade, bravata, sexismo e oleosidade para levar ao rubro uma concentração de motards.

[AC/DC]

A versão que surge em Rock’n’Roll Singer (2000), o primeiro álbum a solo de Mark Kozelek após a dissolução dos Red House Painters, parece preservar pouco da música original e até a letra sofre alterações (não é despicienda a conversão de “I had me more dirty women than most men ever had” em “I’ve known more pretty women than most men had”). Não se pense que foi uma experiência alquímica isolada, pois entre as seis faixas de Rock’n’Roll Singer, quatro são covers de AC/DC e Kozelek regressaria ao assunto em What’s Next to the Moon (2001).

[Mark Kozelek]

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