Filipe Sambado
Rita Chantre/DR
Rita Chantre/DR

A afirmação de Filipe Sambado

A cantora e compositora editou este ano o álbum ‘Três anos de Escorpião em Touro’, triunfal. Aproveitámos para meter a conversa em dia, antes do concerto no Lux.

Luís Filipe Rodrigues
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O mundo era outro sítio da última vez que nos encontrámos para falar da vida e do trabalho, em Fevereiro de 2020, antes da edição de Revezo. Filipe Sambado ia participar no Festival da Canção e lançar um disco que devia tê-la elevado para outro patamar. Ia sair em tour. Em vez disso, o país fechou e ela teve de se fechar em casa, a esgotar as poupanças que tinha amealhado nos últimos anos, a trabalhar para não enlouquecer, a trazer uma filha ao mundo. E a reflectir muito. Quando finalmente saiu de casa, tinha-se afirmado enquanto pessoa não-binária e passado a usar pronomes neutros ou femininos. Tinha, também, um disco quase pronto, que circula entre caixas de correio e drives do Google desde o início de 2023 – só demorou tanto a chegar aos ouvidos do público porque Sambado estava a tentar deixar a velha editora. Chama-se Três Anos de Escorpião em Touro. É um triunfo e a sua mais recente reinvenção. Vai apresentá-lo ao vivo na quinta, 16 de Novembro, no Lux.

“Embora a ‘Faço Um Desenho’, que mesmo assim está muito diferente, tenha sido repescada do Revezo, o resto do disco começou a ser feito durante a pandemia”, conta. “Quis explorar processos de composição diferentes e adquirir novas ferramentas de gravação, que passavam muito por samplar cenas e ir compondo com esses samples.” Pela mesma altura, uma empresa multinacional lançou-lhe um desafio: fazer uma música com dois outros artistas. “Eu convidei o Bejaflor e o Conan [Osiris] e nós começámos a fazer a música. Mas o dinheiro que nos pagavam para ficar com a música era ridículo”, muito pouco. “Não ia trabalhar para uma marca feito um estúpido”, lembra. A canção ficou na gaveta, mas floresceu um interesse em trabalhar mais de perto com Bejaflor.

Quando menciona as influências desta nova fase, fala na hyperpop “mais artsy” de Sophie e de A. G. Cook; também em Arca, pela relação com as músicas tradicionais; e em shoegaze, “que apesar de ser música de guitarras, tem um lado sonoplástico e parte de uma pesquisa sónica que remete mais para a electrónica”, descreve. A partir dessas coordenadas, começou a partilhar ideias com Bejaflor e, mais tarde, Rodrigo Castaño, da Maternidade. Pouco depois, estavam em estúdio. “Mas a certa altura o Zé [Bejaflor] começou a entrar numa fase mais difícil [de trabalho], e acabei por meter a mão na massa em termos de produção e pós-produção, embalado pela aprendizagem que fiz com ele.”

Os Três anos de Escorpião em Touro são, portanto, os anos do processo de gestação do disco. “Desde o início da pandemia até 2023”, contabiliza, antes de começar a explicar o mapa astral. “A conotação com o Escorpião tem a ver com o meu ascendente ser esse, e por ser uma casa muito presente no meu mapa astral e no meu comportamento, que também está no meu Saturno, que é o planeta do julgamento. É o pai, supostamente, aquela vozinha austera e severa”, partilha. “E o escorpião tem a conotação ser um signo um bocado autodestrutivo. Então em termos de julgamento, da maneira como eu me revejo, há um escrutínio muito grande e pesado. Ainda por cima, num período muito atípico, que foi esta fase da crise que a pandemia provocou. E todos os resquícios que isso deixou.” Continua a lição de astrologia.  “E o meu Vénus é em Touro. Está conotado com a família e com a casa. Então no fundo é a tareia que o Escorpião teve que dar a Touro nestes anos.”

Esse tempo passado em casa, a levar tareia, teve um lado positivo, porém. Ajudou a resolver certas questões. Sobretudo de género. “Este processo foi bem íntimo. E acho que se nota no disco, que tem um tom de intimidade muito grande. Mas também uma urgência constante. Os gritos das próprias músicas são sempre próximos de uma série de coisas”, conta. Compara estes anos, este processo, a um “turbilhão”. É ao que soa o disco.

“Já aconteceu, com outras músicas, no passado, apropriar-me de um assunto que me interessa, mas algo que não era tão pessoal. Tão real. Desta vez é diferente, porque sei que vou ter de lidar com uma série de coisas ao afirmar-me assim.” O resultado é um álbum magnético. Que pede a nossa atenção e se esforça por merecê-la. Um exercício de purga e aceitação, universal e sintonizado com o nosso presente pop, ainda que profundamente pessoal, recontextualizando e reflectindo sobre a biografia e as influências da cantora, sem medos nem mentiras. Tem baladas e espaço para a introspecção, convites à festa e a dança, catarse e erupções de violência. Às vezes, tem tudo na mesma canção.

Lux. 16 Nov (Qui). 22.00. 15€

Continuamos à conversa

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