Se temos um curso, um emprego, uma família, se em todos os aspectos somos o tijolo perfeito de um enorme muro social, então, por que haveríamos de querer fazer tremer as fundações? André Henriques fê-lo; a medo, deixou o trabalho na área da consultoria, em grande medida pelo que sempre esteve do outro lado da porta, a música.
Não há rótulo que caiba na definição sonora de What Kinda Music, o disco que colocou lado a lado os britânicos Tom Misch e Yussef Dayes e que saiu na passada quinta-feira. Não é estranho que assim seja, se os ouvidos se debruçarem sobre ele. Afinal, há tanta experiência que lhe cabe dentro, tanto augúrio e tanta satisfação na ausência de barreiras que quase podíamos jurar não se tratar de um disco mas de uma jam session, gravada do lado de lá da cortina, num dia em que a guitarra de Misch e a bateria de Dayes se entrelaçaram. “Foi uma coisa muito simples, dissemos ‘vamos para o estúdio’ e fomos. E foi uma conexão musical imediata. Não pensávamos fazer um disco mas foi uma coisa que acabou por acontecer. Foi muito improviso, não havia pressão para fazer um disco à partida e não há forma de o colocar numa caixa.”
O duo conheceu-se em 2018, por altura do lançamento de Geography, disco de Tom Misch, mas foi através do rapper Loyle Carner que cruzaram caminhos no estúdio. O que aconteceu de seguida foi uma série de encaixes improváveis: Misch, mais dado à estrutura, bate de frente com o ritmo desaçaimado de Dayes. A música brota depois de um terreno fértil para os dois, longe das canções plácidas que fizeram dele um fetiche musical público e, ao mesmo tempo, estranhamente perto delas.