A fadista Ana Moura passou os últimos anos a construir Casa Guilhermina, declaração de intenções, testemunho de coragem e vitalidade artística. Um disco de ruptura onde num momento estamos a ouvir um fado tradicional, a seguir um semba, de repente há uma batida de kizomba, dança-se um fandango e ouvem-se outras músicas portuguesas e do mundo lá ao fundo, em loop – por vezes, escuta-se tudo isto ao mesmo tempo.
O primeiro disco de Cláudia Pascoal chama-se apenas ! – sim, um ponto de exclamação. Pode parecer estranho, mas quando se fala com a jovem cantora percebe-se que o título é apropriado. Ou pelo menos é um bom reflexo do que ela é, e era essa a intenção. As frases saem-lhe depressa, diz as mais pequenas coisas com grande energia e convicção. Antes da edição do álbum, que chegou às lojas a 27 de Março, trocámos dois dedos de conversa.
Vou começar com uma pergunta fácil: como se lê aquele título?
Eh pá, não se lê.
Então o que chamo ao disco?
Não sei bem. Ainda estou no processo de perceber como é que vou comunicar isto. Mas não queria mesmo que o título fosse só um nome, uma referência. Queria que fosse um statement e um reflexo de quem sou. E achei que um ponto de exclamação seria exactamente isso.
Os !!! dizem que o nome deles se lê Chk Chk Chk. Podes fazer o mesmo: dizer que o ponto de exclamação quer dizer outra coisa qualquer.
Talvez. Posso pegar no meu bonequinho amarelo… Não sei se sabes do que estou a falar.
Não faço ideia.
Nas redes sociais tenho uma espécie de amigo imaginário que é o blah, um bonequinho amarelo. Aliás, era para ser esse mesmo nome do álbum, mas achei que seria demasiado parvo. Mas agora se calhar vou começar a dizer que o ! se pronuncia “blah”.
Parece-me bem. Quando começaste a trabalhar nestas canções e no disco?
Durante a Eurovisão. Passei muitas noites sozinha no hotel e comecei a escrever algumas canções. Pouco depois a Universal convidou-me para criar um álbum, mas sabia que ainda ia demorar algum tempo, porque não estava habituada a escrever em português e queria criar uma linguagem [musical] própria. Só que não sabia muito bem por onde começar.
O Tiago Bettencourt produziu o disco. Ajudou-te a encontrar essa tal linguagem?
O Tiago foi uma peça fulcral neste processo todo. Até diz meio a gozar que sou a My Fair Lady dele, e tenho noção que cresci imenso nestes últimos dois anos. Acho que criámos uma coisa muito bonita.
Além do Tiago, colaboraste com muita gente no disco: o Samuel Úria, o David Fonseca, a Joana Espadinha, o Luís José Martins, o Pedro da Silva Martins, até o Nuno Markl. Como apareceram eles na tua órbita?
Desde o início que percebi que era impossível fazer um álbum completamente sozinha. Estava ainda a tentar descobrir-me e por isso propus-me a mim mesma escrever metade das músicas e convidar artistas de quem gosto para escreverem o resto. Foi um processo muito natural.
Até que ponto mudaste as canções dos outros compositores? Foste tu que depois decidiste todos os arranjos e a instrumentação?
Sim, sim. Porque eles deram-me as músicas numa forma muito rough. A excepção foi o David Fonseca, que me deu coisas bem estruturadas e já feitas. E mesmo assim estraguei aquilo e mudei completamente tudo [risos]. Eles deram-me canções que eu interpretei de uma forma completamente diferente e tornei minhas.
Imagino que essas alterações de que falavas tenham sido feitas em conjunto com o Tiago.
Sempre. Passávamos muito tempo no estúdio, a perceber o que queríamos fazer. Até porque ele queria distanciar-se do seu trabalho em nome próprio. Portanto estivemos a criar algo que fosse justo à minha imagem, mas também distante da imagem dele.
Um nome que chama a atenção pela ausência é o da Isaura. Não pensaste em pedir-lhe uma canção, depois da colaboração no Festival da Canção?
Isso vai acontecer, tenho a certeza absoluta. Porque temos muito a ver uma com a outra, apesar de ela criar músicas um bocado distantes das minhas. Mas neste momento quis focar-me um pouco em mim, no meu projecto, e criar o meu próprio caminho.
Quando participaste no Festival da Canção eras vocalista de uma banda de jazz, os Morhua, mas separaram-se passado pouco tempo. Porquê?
Porque o Festival da Canção mudou um bocadinho a minha vida e forma de ver a música. Percebi que tinha vontade de escrever em português e de explorar uma nova modelação musical que não o jazz. E eles compreenderam perfeitamente. Crescemos para lados diferentes.
Este disco é muito diferente do que fazias com Morhua, muito mais pop.
Completamente. E agora não me vejo a fazer outra música. Tudo o que componho agora é a pensar num futuro trabalho com esta linguagem. Sinto que finalmente encontrei o meu caminho.