“Por esta altura achava que estaria casada, com família, mas vivo sozinha com o meu gato em casa.” Na ressaca de All Mirrors, o quarto disco de originais editado em Outubro passado, é assim que Angel Olsen, de 32 anos, descreve o presente. A crítica aplaudiu-lhe o trabalho, teceu-lhe rasgados elogios; realçou-lhe os arranjos de cordas, a sobreposição imaculada da voz sobre os instrumentos, a escrita ora violentamente biográfica ora de encaixe permanente no quotidiano de cada um de nós.
É o fim de um ciclo para a norte-americana, que passa pelo Capitólio esta quarta e quinta-feira. Não é que a música tenha perdido tesão, nem tampouco entusiasmo, e ela di-lo repetidamente, mas Olsen parece caminhar agora para um território subitamente confortável. “Neste momento sinto que não tenho nada a perder, não me sinto competitiva em relação a outros músicos, não sinto que sou a pessoa mais bonita do mundo, mas sinto que tenho talento.”
E o talento, para Angel Olsen, é um dínamo tremendo, o propulsor que a empurrou para as composições, as tours, e que a fez sobrepor-se aos episódios menos bons do término dos vintes e começo dos trintas. All Mirrors chega, por isso, como um tremor de afirmação, algures entre a pessoa que foi e a pessoa que fez as pazes com o que é. Sobre a recepção do trabalho, a cantora natural de St. Louis, Missouri, agradece. Mas nunca partiu nesta viagem com um final triunfante em vista.
“Como [o disco] é tão estranho, não pensei que as pessoas se relacionassem com ele. É decididamente uma curva à esquerda, comparando-o com o meu último álbum [My Woman, 2016]”. Foi o produtor John Congleton (Grammy pelo disco homónimo de St. Vincent) quem se sentou no lugar do passageiro, quem o trabalhou, mas a direcção artística e a mudança não partiram dele. “Eu queria mesmo fazer as coisas de forma diferente. O Congleton já trabalhou com outros nomes da minha editora e com artistas pop no geral. Toda a gente achou que o seu estilo acabaria por se sobrepor ou ser um factor de mudança, mas comigo não foi o caso. Acabei por lhe dar liberdade colaborativa e resultou bem.”
De tal forma que All Mirrors terá não uma, mas duas edições. A segunda, a solo, mais crua, será lançada este ano. “Honestamente é difícil perder tempo num disco, mais ainda em dois. E aqui tive de fazer três discos, se contarmos com o formato ao vivo. Não sei se o voltarei a fazer, mas isto foi uma espécie de ‘olha, preciso de fazer uma pausa da banda e de tocar material a solo e ver a resposta do público’.”
É uma temática recorrente nos últimos tempos. A música continua a ser a grande fatia do bolo, mas há algo de polarizante fora da bolha. “Seria interessante fazer alguma coisa diferente de vez em quando, só para saber”, atira. “Gostava de experimentar representação se fosse a oportunidade certa, mas, tendo em conta o quão exigente sou com quem produz os meus discos e com quem faz os meus vídeos, seria um grande desafio. No fundo quero experimentar coisas antes que seja demasiado velha para o fazer.”
Por agora, os filmes e a música antiga vão-lhe servindo. Mesmo com a sua actual popularidade, Olsen vê o escape ideal nas coisas simples, nas relações pessoais, recusa o efeito multidão e resguarda-se naqueles que a conhecem bem. “Pode ser estranho, quando interages com pessoas que conhecem a tua música e o que tu fazes, tratam-te de forma diferente.”
Os concertos são outro tónico potente. Depois do arranque da digressão nos Estados Unidos, Angel Olsen abre o calendário europeu em Portugal. Dias 22 e 23, sobe ao palco do Capitólio com All Mirrors e restante discografia na mala, a convite da Galeria Zé dos Bois, uma casa a que prometeu sempre regressar. “Fui a Lisboa durante a tour Burn Your Fire, diverti-me imenso e criei uma relação com as pessoas da ZDB. Prometi que havia de voltar uma vez por ano em férias”. Dia 24 é o Hard Club, no Porto, que a recebe.