Tiago Bettencourt
©João HasselbergTiago Bettencourt
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Tiago Bettencourt: “Faziam concursos para dizer mal de nós”

O músico está de volta ao Coliseu dos Recreios, ainda com o disco do ano passado: “A Procura”. Quisemos saber se esta toranja continua a dar sumo.

Hugo Torres
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Tiago Bettencourt faz um intervalo nas gravações do novo disco para regressar ao Coliseu dos Recreios, nesta quinta-feira. Num palco 360º, tal como no ano passado. Mariana Norton e Cláudia Pascoal, vencedora do Festival da Canção a quem produziu o disco de estreia, estarão no coro. Conversámos com o músico com a sala já disposta no formato circo – e começámos logo com um animal.

Comecemos pelo elefante na sala: parece que não se pode ouvir Tiago Bettencourt e estar entre as pessoas da moda. O que se passa aí?
Não se passa aqui, passa-se aí. É tão simples como isso. Eu apareci no mundo da música com sucesso e o mundo da música reagiu de uma maneira infantil. No entanto, esse estigma vai-se dissipando a partir do momento em que as pessoas ouvem a música. É um trabalho árduo que tenho feito.

Há um desencontro gritante entre a atenção que recebia com os Toranja e depois a solo. É snobeira?
Depende dos meios. A “Carta” chegou a um público mais popular, que não tinha a ver com os Toranja. Íamos a terrinhas e a seguir vinha o Emanuel. Fugi a isso tudo. Nunca quis fama. A única coisa que me interessava era que ouvissem a minha música. Quando comecei a solo, o percurso foi natural. Não sei do que estás a falar. No primeiro álbum, a “Canção Simples” foi um sucesso e esteve em tudo quanto é rádio. No segundo, o “Só Mais Uma Volta”...

Admito que seja um problema da minha bolha.
Deve ser. Em termos de imprensa, sim. A imprensa sempre embirrou bastante. Exactamente por causa de ser muito popular. E é um país muito pequenino e tu nunca ficas contente com o sucesso de quem que está ao lado. Não acontece só na música. É intrínseco. Senti isso logo com os Toranja. Fomos acusados de plágio, ao mesmo tempo do Jorge Palma e dos Ornatos Violeta. Num jornal – não posso dizer qual – faziam concursos para dizer mal de nós. Era uma coisa mesmo agressiva e sem sentido. Agora, se não me matou foi por alguma razão. O trabalho ainda dura. Esta é quarta vez que estou no Coliseu.

Apesar dessa fuga ao meio popular, continua a ter concertos cheios.
Quando saí dos Toranja, perdeu-me o rasto o público que só ouvia a “Carta” e acho que era um bocado isso que eu queria sem saber. Era muito miúdo.

Mas ainda faz parte do alinhamento.
Faz, claro.

É obrigatório?
Houve um concerto em que não tocámos. Por embirração. E ninguém perguntou. Mas a certa altura percebi que não fazia sentido não a tocar só para provar que consigo fazer concertos sem a “Carta”. Se não conseguisse, não estava aqui passados quase 20 anos.

Vamos ouvir ao vivo as canções do novo álbum, que sai em 2020?
Só a “Trégua” e o “Manhã”, que estreámos no Coliseu do ano passado e que estará neste próximo álbum. Só essas duas. Tenho medo que as pessoas filmem e que o primeiro registo que conheçam da música seja por filme de YouTube.

As canções do disco estão fechadas?
Não. Já aprendi que até à fase de mistura as músicas podem dar uma volta gigante. A “Morena” só percebemos que estava forte no fim da mistura.

Este regresso ao Coliseu não deveria acontecer já com o disco?
Sim. O problema é que estes concertos só podem acontecer em Dezembro. E no ano passado não fazia ideia que ia lançar um disco. Quando acabou o concerto, estávamos todos contentes e pensámos: bora fazer isto para o ano outra vez.

Porquê só em Dezembro?
Este formato 360º só acontece porque o circo constrói esta coisa toda e o Coliseu está disposto desta maneira.

E vai ter convidados?
A certa altura, ficou demasiado na moda ter convidados. De repente houve uma explosão de colaborações e comecei a sentir-me banal. No ano passado não tive convidados nenhuns e correu bem. Mas nunca se sabe.

Parece que alguma coisa já se sabe...[Risos.]
Não sei de nada.

O disco sai quando?
Fevereiro ou Março. Depende se eu me despachar ou não.

Pelo que já se conhece será um álbum de regresso ao rock.
Já não tinha duas guitarras numa banda desde os Toranja, e isso, naturalmente, fez com que as guitarras viessem para a frente. E senti necessidade de fazer músicas mais mexidas.

“Trégua” tem um vídeo sui generis, muito coreografado, com todos os elementos da banda a trocar de indumentária. Qual é a história?
Há muitos artistas a levarem-se muito a sério. Tive necessidade de fazer fun of myself.É uma exposição ao ridículo.É um bocado isso. Aquilo tinha tudo para dar muito errado: os disfarces são péssimos, a coreografia é péssima, é tudo péssimo. Mas menos, menos, menos dá mais. Obviamente que tem uma certa profundidade, embora seja na brincadeira. A música fala de resistirmos à banalidade, de enfrentarmos os problemas com alegria. Tem a ver com mudares de vida quando te apetecer.

Que é disso que fala a letra.
É. Mantermo-nos vivos.

O concerto no Coliseu tem um lado solidário. É possível comprar bilhete com meet & greet, e esse valor extra será integralmente doado a uma IPSS, a Mansarda. De onde veio essa ideia?
Da Everything Is New, que propôs estes bilhetes, porque eu nunca me iria lembrar que seria um prémio ir ter comigo ao backstage, ou que haveria alguém a pagar por isso. Escolhi a Mansarda porque achei que tinha de ter a ver com a área das artes. Vivemos num país que acarinha muito pouco as artes e os artistas. É muito triste ver a maneira como os artistas envelhecem lá fora e como envelhecem cá dentro. A Mansarda – assim como a Casa do Artista – veio ocupar um bocadinho um espaço que deveria ser ocupado pelo Estado. É uma instituição para a qual vale a pena chamar a atenção.

Coliseu dos Recreios. Qui 21.00. 18€-40€.

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