Um prémio, nada singelo por se se chamar Nobel da Literatura, e de repente, entre o fumo espesso da polémica, Bob Dylan voltou a ser o poeta genial que as últimas três décadas de composição não mostraram, ou recordaram apenas ocasionalmente.
Não há injustiça no Nobel. Espanto, sim; e o sinistro rilhar das dentaduras dos puristas como ruído de fundo. Porém, convém não esquecer que o poeta e compositor agora laureado criou o essencial do seu cancioneiro em pouco mais de uma década. Depois do impacto inicial, levou mais 30 anos a ser reconhecido, de facto, e com a pompa e circunstância devida. Pelo meio atravessou o seu deserto, raramente musical e poeticamente criativo. Contudo, as melhores canções mostraram a sua qualidade e a sua importância lírica, musical, política, cultural e social, e, em certos casos, o seu carácter premonitório, sobrevivendo ao tempo, isto é, mantendo-se belas e fundamentais para lá das tendências, das modas, das revoluções, do gosto.
Por experiência digo que não há dois espectáculos de Bob Dylan iguais e que o reportório é uma incógnita. Depende do estado de espírito. Uma experiência, portanto, que, aqui, em Lisboa, se incluir estas 15 canções (e, pronto, mais a mão-cheia de que o artista gosta e insiste em impingir), não mostra tudo, contudo explica bem a razão de Bob Dylan ser Bob Dylan – o que, bem vistas as coisas, talvez seja ainda melhor do que Nobel da Literatura.