O Feiticeiro de Oz (1939)
©DRO Feiticeiro de Oz de Victor Fleming
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Dez versões clássicas de “Over the Rainbow”

A mais célebre canção de “O Feiticeiro de Oz” tem sido transmutada em formas muito diversas pelos feiticeiros do jazz.

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Perturbada pela ameaça de abate que paira sobre o seu cão, Toto, após este ter mordido uma vizinha, Dorothy (Judy Garland) deambula pelo pátio da quinta dos seus tios, no Kansas, e confia a Toto as suas reflexões: “Um lugar onde não haja sarilhos. Achas que existe um lugar assim, Toto? Tem de haver. Não é um lugar onde se possa chegar de barco ou de comboio. Fica muito, muito longe. Para lá da lua, para lá da chuva”. É neste ponto, logo no início do filme O Feiticeiro de Oz (1939), que Dorothy começa a cantar a canção composta por Harold Arlen (música) e E.Y. Harburg (letra).

Tal como aconteceria em 1961 com “Moon River”, “Over the Rainbow” esteve para ser suprimida da montagem por um dos produtores – neste caso, o poderoso Louis B. Mayer – mas acabou por ficar no filme, ganhar o Oscar para melhor canção original, tornar-se num sucesso e ser adoptada pelos músicos de jazz – no final de 1939 já entrara no repertório de Benny Goodman, Artie Shaw e Glenn Miller.

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Dez versões clássicas de “Over the Rainbow”

1. Judy Garland

Ano: 1938

A versão cantada por Garland que se ouve em O Feiticeiro de Oz foi gravada em Outubro de 1938 (tinha a actriz 16 anos), com orquestração de Murray Cutter, um arranjador que, trabalhando na sombra dos principais compositores activos em Hollywood, teve dedo nas bandas sonoras de centena e meia de filmes. A 28 de Julho de 1939 – ainda antes da estreia do filme, que teria lugar a 25 de Agosto –, Garland fez nova gravação, desta feita com uma orquestra arranjada e dirigida por Victor Young, a fim de ser editada como single pela Decca. Foi antecedida, em duas semanas, por uma gravação pela orquestra de Glenn Miller, o que sugere que havia ouvidos bem despertos para o potencial comercial da canção ainda antes de o filme se ter convertido num êxito.

A versão de 1939 por Garland acabou por ser incorporada na banda sonora oficial de O Feiticeiro de Oz, ao longo das reedições por que esta foi passando e só em 1956 a versão gravada em 1938 que se ouve no filme passou a estar disponível em disco.

2. Bud Powell

Ano: 1951
Álbum: The Amazing Bud Powell vol. 1 (Blue Note)

A natureza ingénua e onírica de “Over the Rainbow” parece ter despertado o impulso de dois virtuosos do piano jazz das décadas de 1940-50 para a subverter. Um foi Art Tatum (1909-1956), o outro foi o seu “herdeiro” Bud Powell (1924-1966), que a registou em piano solo a 1 de Maio de 1951, numa sessão que, nas restantes faixas, contou com Curly Russell e Max Roach, e que foi editada como LP de 10’’ com o título The Amazing Bud Powell vol. 1.

Como era seu uso, Powell tratou de fragmentar o lirismo da canção com correrias desabridas pelo teclado.

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3. Art Tatum

Ano: 1953
Álbum: The Solo Masterpieces (Pablo)

Nas sessões de piano solo que registou em Los Angeles em Dezembro de 1953, Tatum aplicou à canção uma mescla de subversão, imprevisibilidade e virtuosismo similar à de Powell. Acaso Judy Garland tenha ouvido as versões de Powell ou de Tatum, poderia ter repetido a famosa frase “Toto, tenho a sensação de que já não estamos no Kansas”, proferida por Dorothy quando vai parar a Oz. Com efeito, o jazz tem, como o tornado de O Feiticeiro de Oz, o poder de levar as canções pelo ar e de as fazer aterrar numa terra estranha.

4. Stan Kenton

Ano: 1953
Álbum: Sketches on Standards (Capitol)

Ao longo da década de 1940, Stan Kenton dirigiu várias formações orquestrais que acolhiam nas suas fileiras músicos de primeiro plano e obtiveram apreciável sucesso de público e crítica, em parte graças aos inovadores arranjos e composições de Pete Rugolo, que Kenton recrutara em 1945. As dificuldades financeiras vividas pelas big bands na viragem das décadas de 1940-50 levaram a que Kenton dissolvesse e refundasse a sua orquestra várias vezes e que, após gravar os audaciosos Innovations in Modern Music (1950) e New Concepts of Artistry in Rhythm (1952), se visse forçado a fazer “concessões comerciais” com álbuns como Portraits on Standards, Sketches on Standards e Popular Favorites by Stan Kenton (todos gravados em 1953), com programa preenchido por standards bem conhecidos e arranjos que por vezes são estridentes e enfáticos (em Portraits on Standards são, com duas excepções, da autoria de Bill Russo, outro dos colaboradores regulares de Kenton).

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5. Teddi King

Ano: 1955
Álbum: Now in Vogue (Vogue)

No final da década de 50, Teddi King tinha conseguido reconhecimento crítico e um modesto sucesso comercial, mas problemas de saúde interromperam-lhe a carreira e só voltaria a gravar em meados dos anos 70. Hoje só os fãs de jazz vocal dos anos 50 se lembram da sua existência, o que é uma grave injustiça para a autora desta versão de “Over the Rainbow”, incluída no seu 2.º álbum e gravada com Nick Travis (trompete), Bob Brookmeyer (trombone), Gene Quill e Sol Schlinger (saxofones), Billy Taylor (piano), Milt Hinton (contrabaixo) e Osie Johnson (bateria).

A versão de King tem a particularidade de incluir os primeiros versos, que são omitidos pela maioria dos cantores: “Quando o mundo parece um sarilho sem remédio/ E gotas de chuva caem por todo o lado/ Quando as nuvens obscurecem o céu/ Há que descobrir a estrada de arco-íris/ Que começa na tua janela”.

6. Sarah Vaughan

Ano: 1955
Álbum: In the Land of Hi-Fi (Mercury)

In the Land of Hi-Fi dá a ouvir a cantora na companhia de uma pequena orquestra de elite, arranjada e dirigida por Ernie Wilkins, e mereceria ser álbum tão conhecido quanto Sarah Vaughan, do ano anterior. A qualidade de som da Mercury, assombrosa para os padrões da época, dá a ouvir todas as nuances e inflexões da opulenta voz de Vaughan.

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7. Modern Jazz Quartet

Ano: 1956
Álbum: Fontessa (Atlantic)

O álbum Fontessa foi o 2.º do Modern Jazz Quartet na sua formação “canónica”, ou seja, com o baterista Connie Kay no lugar do original, Kenny Clarke. Porém, Kay não se ouve nesta versão de “Over the Rainbow”, interpretada em duo por John Lewis (piano) e Milt Jackson (vibrafone) e em que o contrabaixista Percy Heath apenas tem discreta intervenção.

8. Dorothy Donegan

Ano: 1957
Álbum: At the Embers (Roulette)

A Dorothy que aqui “canta” “Over the Rainbow” é tão improvável quanto o mundo de Oz. Dorothy Donegan (1922-1998) foi uma das raras mulheres a afirmar-se como instrumentista num meio que apenas lhes admitia o papel de cantoras.

Donegan estreou-se a gravar aos 20 anos, em 1942, e no ano seguinte actuou no Orchestra Hall da Sinfónica de Chicago, um evento que teve a particularidade de ter programa repartido entre repertório erudito – Grieg e Rachmaninov – e jazz e de ter sido a primeira actuação de um afro-americano na prestigiada sala. A primeira gravação como líder desta “protegida” de Art Tatum foi realizada em 1946 e At the Embers capta-a no Embers Night Club, em Nova Iorque, a 23 de Março de 1957, com William Pemberton ou Oscar Pettiford (contrabaixo) e Charles C. Smith (bateria). O piano soa algo estridente na gravação, mas não impede que se constate a originalidade e traquinice da leitura de Donegan.

As qualidades de Donegan como pianista e arranjadora não bastaram para a tirar da obscuridade e só na década de 80 logrou obter algum reconhecimento.

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9. Bud Shank

Ano: 1957
Álbum: Plays Tenor (Pacific Jazz)

No início dos anos 50, o saxofonista alto Bud Shank foi um dos esteios da orquestra de Stan Kenton e assinou copiosa discografia em nome próprio ao longo dos anos 50-60, tendo sido pioneiro na fusão do jazz com música brasileira (com Holiday in Brazil, em 1959, três anos antes do seminal Jazz Samba de Stan Getz & Charlie Byrd). Este registo de 1957 com Claude Williamson (piano), Don Prell (contrabaixo) e Chuck Flores (bateria) revela, como o título indica, as suas aptidões num instrumento que não era usualmente o seu: o saxofone tenor.

10. Ella Fitzgerald

Ano: 1960-61
Álbum: Ella Fitzgerald Sings the Harold Arlen Songbook (Verve)

Harold Arlen foi o compositor contemplado no 6.º álbum da série de Song Books que Ella gravou para a Verve e contou com arranjos de Billy May. Ouve-se “Over the Rainbow” e só nos resta pasmar perante a clareza, controlo, elasticidade e precisão do fraseado da cantora.

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