Caetano Veloso e Filhos
©Marcos HermesTom, Zeca, Caetano e Moreno Veloso
©Marcos Hermes

"É uma delícia ser filho de Caetano"

Caetano Veloso vai actuar com os seus três filhos no Coliseu. Falámos com o pai e os filhos Moreno, Zeca e Tom Veloso

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Era um sonho antigo de Caetano Veloso subir ao palco com os seus três filhos. Aconteceu pela primeira vez em 2017, no Brasil, a propósito de uma digressão que virou disco e que chega agora a Portugal. O espectáculo une composições dos filhos Moreno (45 anos), Zeca (26 anos) e Tom (21 anos) a releituras da obra do pai. Pela vitalidade de Caetano ou pela descoberta do talento dos seus rebentos, é um dos concertos imperdíveis de Agosto.

Um espectáculo como este é um momento especial na vida de um artista. Como é estar ali em cima do palco a partilhar a sua música, a sua vida e a sua família com o público?

Caetano: Para mim é uma felicidade. Sonhei com isso por um bom tempo. Quando finalmente todos puderam e quiseram fazer, foi um misto de gozo e apreensão. Cada ensaio era uma bênção, mas cada noite eram horas de preocupação no travesseiro: será que com isso ponho meus filhos em situação demasiado vulnerável? Será que as plateias vão acolher nosso clima muito peculiar? Depois da estreia vimos que as pessoas são tocadas pelo que fazemos e pelo que representamos.

Alguma vez o preocupou ver os seus filhos a seguir o caminho da música?

Caetano: Nunca. Moreno é físico, formou-se na universidade e chegou a participar da construção de um laboratório de partículas subatómicas na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mas desde menino que canta e gosta de ouvir. Aos nove anos escreveu a letra de uma música que compus. No começo da juventude, formou o grupo +2, com Kassin e Domenico. Tudo o que ele faz em música é bonito e refinado. E ele tem uma consciência dos sons muito mais desenvolvida do que a minha. Zeca também gosta de música desde pequeno. Aos 17, chegou a fazer coisas com música electrónica. Depois começou a fazer canções ao piano ou ao violão, em casa. Não queria cantar em público. Depois admitiu. Hoje a canção dele, “Todo Homem”, é o maior êxito saído do nosso show. Tom era o único que não ligava para a música: só gostava de futebol. Na adolescência, uniu-se a um grupo de colegas da escola e formou uma banda de rock progressivo. De nós quatro, ele é o mais dotado para a música. Tem facilidade de ouvir e de reproduzir. Também compõe bonito e escreve muito bem os versos. Se eles não quisessem trabalhar com música, eu aceitaria. Mas se querem e podem, fico mais feliz: assim eles ficam perto de mim também na área profissional.

Dos três irmãos, Zeca foi o mais resistente a participar neste espectáculo. Porquê?

Zeca: Não me sentia preparado tecnicamente, mentalmente, de muitas maneiras. Mas logo vi que valia a pena me preparar e fazer. Foi e tem sido maravilhoso.

Como é ver o filho Zeca finalmente em cima do palco?

Caetano: Emociona muito ver e ouvir Zeca no nosso show. Ele tem grande densidade pessoal e muita concentração. O seu falsete tem pureza celestial e “Todo Homem” é uma grande canção, muito pessoal e diferente de tudo. Foi um suspense. Ele primeiro não queria fazer. Depois decidiu aceitar, nós ficamos preocupados com a timidez que ele sempre demonstrava, até para mostrar uma música a amigos nossos ou mesmo à mãe dele, em casa. Temíamos que ele ficasse paralisado no palco, diante de grandes plateias. Mas ele tem sido, desde a estreia, impecável. Sempre procura – e consegue – fazer tudo certo. 

Reconhece traços de si próprio nos seus filhos?

Caetano: Todos têm o senso de integridade que reconheço ter herdado de meu pai. E uma inspiração lírica que vem de minha mãe. As mães deles são pessoas especiais – e não só para mim. Vejo coisas delas neles também. Mas Moreno e Tom têm um timbre semelhante ao meu e todos são muito carinhosos com os outros e verdadeiros consigo mesmos – coisas que sempre valorizei e busquei alimentar em mim.

De que é que mais se orgulha nos seus filhos?

Caetano: Da originalidade pessoal de cada um deles. São de facto quem são. Não há mentira.

Foi difícil crescer com um pai como Caetano e lidar com essa exposição pública?

Zeca: Crescer não foi difícil. Depois do show para mim foi um pouco estranho, mas não de uma forma ruim. Maior exposição trouxe novas expectativas e responsabilidades, mas o show, nosso disco, e tudo o que tem acontecido tem sido muito bom, qualquer dificuldade é algo menor.

Tom: Não, nada difícil. Tenho sorte de ter dois pais maravilhosos e uma vida muito boa.

Moreno: Não foi difícil crescer com meu pai, porque esse Caetano Veloso que vocês conhecem pela figura pública é um pai excelente, um irmão excelente, um filho maravilhoso. A família inteira é composta por pessoas muito educadas, gentis e correctas. A nossa família é muito linda. É uma delícia ser filho dele, além de viver perto da música, perto de suas composições e ideias, isso também é maravilhoso.

O que têm descoberto sobre o vosso pai neste tempo que passam com ele nos palcos?

Tom: Nada de novo, já havia acompanhado meu pai em turnês. O que poderia ser novo para mim é o jeito de trabalhar, mas mesmo isso eu já conhecia.

Moreno: Nós já trabalhámos juntos muitas vezes. Já fizemos shows juntos, ele me ajudou no meu disco e eu no dele. Ele é uma pessoa que traz as melhores coisas de todo mundo que está em sua volta, de maneira tranquila e muito positiva, é uma força muito grande. É um prazer ficar ao lado dele, mais uma vez.

Dos três irmãos, Moreno é o que tem a carreira mais longa. De que forma é que ajudou e preparou os seus irmãos para um espectáculo com esta dimensão?

Moreno: Realmente, sou muito mais velho que os meus irmãos e já vinha tocando há muito tempo, fazendo shows e tal. A gente deu força. Principalmente eu e meu pai. O que a gente mais queria era ver as músicas do Tom e do Zeca aparecerem, porque são as coisas mais novas, mais frescas. A gente deu força, ficou do lado, conversou. Não tem muito o que fazer não, só ficar do lado.

Moreno é filho de Caetano Veloso, sobrinho de Maria Bethânia e afilhado de Gal Costa. Alguma vez se sentiu condicionado por ter tanto talento na família?

Moreno: É verdade. Eu nasci em uma família muito musical. Nasci no dia do músico, dia de Santa Cecília, padroeira dos músicos. E tudo isso poderia ser um fardo se não fosse o facto de eu adorar música, adorar canção, de ficar muito feliz de ter nascido onde nasci e viver do jeito que eu vivo. Eu adoro fazer, gravar e cantar, e qualquer uma dessas coisas “musicais” pra mim é uma bênção. Então, assim eu sou desde criança. É muito gostoso.

Quando é que percebeu que a sua vida era mesmo a música?

Moreno: Desde criança. A primeira composição que eu fiz foi aos oito/nove anos de idade. Meu pai gravou a nossa música “Um canto de afoxé para o bloco do Ilê”. Eu comecei a ganhar dinheiro desde criança. E depois o “How beautiful could a being be” e todas as coisas que eu fiz, embora ainda adolescente, eu já estava trabalhando profissionalmente na música. Ao longo descobri outras paixões, eu fiz faculdade de física, trabalhei em um laboratório de espectroscopia, no Rio de Janeiro, e fiz várias outras coisas que eu gosto também, como escalar montanhas, jogar ping-pong, coisas divertidas da vida, mas sempre tendo certeza que a minha vida é dentro da música.

Fora do palco, quando estão em família, costumam ter momentos musicais juntos?

Zeca: Antes de surgir a ideia do show só houve um momento em que estávamos os quatro juntos tocando violão, mas sempre houve e ainda há momentos musicais, em que alguém lembra uma música, cantarola, e o outro completa, coisas do tipo… Aquecemos a voz no camarim cantando “papapapa”, é engraçado… Nós damos muitas risadas juntos.

Caetano é uma influência na vossa música? Qual é a maior influência: Caetano como músico ou como pessoa?

Tom: Sim. Um compositor dos melhores e uma pessoa melhor ainda.

Moreno: É claro que o meu pai é uma influência em tudo que eu faço. Qualquer pessoa que tem uma relação com seus pais gostaria de vê-los aprovarem seus feitos, e isso tem a ver com a influência também, porque meu pai é um músico de referência e que eu admiro muito, logo fico querendo que ele também goste das coisas que eu faço. A figura artística dele e a figura paterna, para mim, é uma coisa só.

Zeca: Como pessoa. Sou também influenciado por sua música, mas menos do que gostaria. Ele vem muito dos caminhos harmónicos e melódicos do samba, que ainda não aparecem espontaneamente em minhas composições. Talvez venha a ser uma influência directamente musical maior algum dia… Como pessoa é minha maior referência. Meus pensamentos, ideias, gostos, têm sempre ele como um centro de gravidade. Mesmo quando discordo ou vou por outro caminho, é um ponto de partida. Tenho muitas outras referências e influências, mas ele permanece sendo a mais forte.

O que vão levar desta experiência em família para a vossa música?

Moreno: Eu vou levar muita alegria e energia para o meu trabalho, porque eu vejo o Zeca cantando, expondo suas músicas, vejo o Tom cantando lindo no microfone com aquelas músicas maravilhosas e me deixa animado e excitado musicalmente e isso me desperta a vontade de criar mais músicas; aí eu corro para fazer minhas coisas, para gravar um disco novo, fazer mais show também, porque essa animação não pode parar.

Tom: Muita coisa. Aprendo com eles todos os dias. Sou o mais novo da família, com pouca experiência. Tenho que estar esperto para aprender sempre.

Caetano: Já trago muito disso comigo há muito tempo. Agora, com essa experiência mais frequente, vou aprendendo cada vez mais. E também trago para dentro da minha música a sensação de plenitude que poder estar com eles me dá.

Já estiveram todos em Portugal? O que conhecem ou querem conhecer em Portugal?

Tom: Nunca estive em Portugal. Espero conhecer muita coisa boa. Com certeza meu pai nos levará a lugares bacanas.

Zeca: Estive algumas vezes em Portugal. Eu adoro, é muito de nós brasileiros… Fui a Lisboa e ao Porto. Em Lisboa andei de lambreta, comprei uns vinis, andei nas praças; no Porto lembro de ir olhar Gaia de noite, do Rio Douro, com meu pai… Todas as vezes por muito pouco tempo, mas gostei demais, estou ansioso para voltar.

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