Passaram seis anos e ele nem deu por isso. O último disco de estúdio, Mútuo Consentimento, é de 2011, mas até chegar a este Nação Valente, Sérgio Godinho não parou de criar. É que se acaso pára, confessa, crescem-lhe borbulhas. Aos 72 anos, cresce o desassossego da escrita – lá para Setembro há novo romance – mas não se imagina sem criar música e sem lhe dar palco.
“É mesmo importante falar do B. Referir o B Fachada”, atira Lourenço Crespo. Estamos na Tasca dos Canários, no Bairro Alto, já com o gravador desligado, mas Lourenço – Nacho, para os amigos – faz questão de sublinhar a importância e influência de B Fachada sobre uma geração de músicos. A geração de Lourenço e Leonardo Bindilatti, ou Leio, o seu cúmplice em Iguanas. “Porque ele falava connosco sobre canções, a importância das canções.” E eles prestaram atenção a essas conversas, como se percebe por Lua Cheia, o segundo álbum dos Iguanas, lançado em Maio e distinguido com cinco estrelas nas páginas da Time Out. Um disco de canções de aqui e de agora.
O Lua Cheia chegou cinco anos depois do anterior Doce. Por que é que estiveram tanto tempo parados?
Leonardo Bindilatti: Não estivemos parados. Demorou mais tempo porque temos outros projectos. Mas foi só por causa disso.
Lourenço Crespo: Sim. Sabes que ele gravou montes de coisas e é o baterista de Putas Bêbadas. Eu também gravei o meu disco com ele. E toquei com o Éme. Fomos fazendo outras coisas.
LB: E fomos compondo ao longo desse tempo.
LC: De vez em quando. Até que chegou uma altura em que a gente se concentrou uns meses e esteve mesmo a acabar o disco, a compor tudo.
Estavam a falar de outros projectos e de tocarem com outras pessoas. Como é que isso influencia o que vocês acabam por fazer enquanto Iguanas?
LB: Acho que não influencia (risos).
LC: Depende. Por exemplo, quando fiz o disco a solo dei por mim a trabalhar mais as letras, a deitar fora e reescrever e deitar fora e reescrever, até ficarem mesmo como eu queria. E neste disco de Iguanas também se nota que há mais cuidado. Aprendi isso. E não só. Trabalhar com o B [Fachada] também me influenciou muito.
E há semelhanças entre o teu disco a solo e este de Iguanas, sobretudo ao nível da escrita. Só que as letras do Nove Canções são mais introspectivas, e a aqui são mais abertas, mais viradas para fora. Porquê?
LC: É inevitável, porque o processo de fazer as canções é completamente diferente. Em Iguanas cada um chega com uma base e depois a canção vai evoluindo. Além disso, como o Leio vai ter de cantar comigo, vai ter sempre de aprovar as letras, de gostar ou não. Estou sempre a perguntar o que é que ele quer.
Como é o vosso processo? O Leio dá os beats e o Nacho dá as letras?
LB: Simplificando, ya.
LC: Ou começa com um beat dele ou eu trago um riff e a partir daí vamos fazendo as letras.
LB: É ele quem faz as letras. Eu só faço algumas harmonias e assim.
Já era assim no Doce? Ou o processo mudou muito?
LC: Não tinha nada a ver. O Doce foi gravado no quarto do Leio nas Olaias, numa altura em que não tínhamos nada para fazer.
LB: E o Doce era menos trabalhado ao nível das canções. Fazíamos uma música por dia.
LC: Sim, inventávamos tudo, incluindo as letras, num dia. Mas era o dia todo. Ia para casa dele cedo e ficava até tarde. Este foi diferente. Muitos dias no estúdio, muitas coisas a deitar fora, sempre a remexer, a trazer novas letras, novos riffs.
As vossas letras descrevem uma vivência muito concreta, em comunidade. Têm qualquer coisa que me faz lembrar filmes portugueses como o Verão Danado e Aos Nossos Amigos. Concordam que há uma afinidade estética entre vocês e estes realizadores que estão a fazer um cinema com as mesmas preocupações?
LC: Acho que tem tudo uma onda parecida. O cinema deles os dois [Pedro Cabeleira, realizador de Verão Danado, e do Afonso Mota, de Aos Nossos Amigos], tal como as nossas letras, é muito específico, e especialmente local. Talvez não tanto o Cabeleira, mas o do Mota é completamente daqui. E há outro filme, o Frágil, do [João] Eça, que ainda não saiu mas tem a mesma onda. Está assente em Lisboa, nos sítios e no pessoal que vive aqui e que está aqui agora.
Mas é uma Lisboa à margem daquilo em que a cidade se está a tornar. A vossa música e o o cinema deles também são uma reacção a isso. A reacção possível.
LC: Inevitável. Acho que é a reacção inevitável ao que está a acontecer.
Já que falamos de coisas sérias: vi o Marcelo Rebelo de Sousa a dançar no vosso concerto em Serralves. Querem comentar?
LC: O Marcelo apareceu com aquela malta toda e as câmaras. Foi isso. Ele ouviu e reagiu à letra.
LB: E o melhor foi que ele apareceu na “Mais Que Dez” [ a canção versa sobre dormir mais que dez horas].
LC: Foi mesmo apropriado. Ele até comentou a letra, porque ele é conhecido por não dormir mais do que quatro horas ou três. Houve uma reportagem inteira sobre Serralves, no Porto Canal, em que a nossa música está no background e o jornalista faz três piadas sobre o Marcelo não dormir.
LB: Mas o mais engraçado é que ele já tinha aparecido na Zona Não Vigiada.
LC: Pois foi. Ele esteve lá no nosso concerto, quando estava a fazer campanha. Portanto o de Serralves foi o segundo concerto que ele viu de Iguanas.
Que fã. Foi falar com vocês no fim?
LC: (Risos) Não, mas jantámos ao lado dele.