Joanna Sternberg
DRJoanna Sternberg
DR

Joanna Sternberg: “Faço música para as pessoas se sentirem melhor”

Depois de ter cancelado o primeiro concerto em Lisboa, em Novembro de 2023, Joanna Sternberg estreia-se finalmente em Portugal este sábado, 8, no Primavera Sound.

Luís Filipe Rodrigues
Publicidade

Joanna Sternberg é especial. No seu primeiro álbum, Then I Try Some More, lançado em 2019, parecíamos ouvir Daniel Johnston. Só que mais novo, com as neuroses do nosso tempo a fermentarem as suas canções. No segundo, I've Got Me, a surpresa foi maior. A sua folk soava menos marginal e cândida, havia sido contaminada pelos blues e o jazz – que estudou desde cedo, tal como o gospel e a música clássica; Louis Armstrong “será sempre a maior influência”, garante. Apesar de escutarmos novos ritmos nas suas canções, continuava com os pés firmementes plantados na terra. Os versos ainda eram chapadas de verdade. Foi essa honestidade que nos compeliu a falar em Novembro do ano passado, quando vinha tocar ao festival Vale Perdido, em Lisboa. No entanto, uma doença obrigou a cancelar os concertos. 

Este sábado, 8 de Junho, vamos finalmente ouvir as suas canções, no Primavera Sound Porto. Aproveitamos para publicar a conversa que tivemos há mais de meio ano. Um diálogo franco e revelador em que Joanna Sternberg, pessoa não binária – mantivemos os pronomes neutros da conversa original, em inglês, à revelia do livro de estilo da Time Out, porque era inconcebível reproduzir uma conversa destas de outra forma –, não se coibiu de falar dos seus traumas e problemas psicológicos.

Sei que os teus pais e avôs eram artistas. E cresceste no meio de outros artistas, que viviam no mesmo prédio que tu. Até que ponto é que essa conjuntura te influenciou?
Isso expôs-me a muita música incrível e fez-me sentir que fazer música era algo acessível, que estava ao meu alcance. Por exemplo, aprendi a cantar aos quatro anos, ao colo do meu avô, que era cantor de ópera na Metropolitan Opera House. Ele cantava para mim e convidava-me a cantar de volta. Dizia que “se podes ouvir, também podes cantar”. Ironicamente, eu era muito tímide para realmente começar a cantar até aos meus 22 anos. Mas sempre fui muito inspirade pelo meu pai, que cantava e tocava muitos, tantos instrumentos. Era o meu sonho poder fazer o mesmo algum dia.

Comparam-te frequentemente com o Daniel Johnston, não só pelo carácter confessional e inocente da tua música, mas também pelas tuas ilustrações. Imagino que sejas fã. Quando é que descobriste a música dele?
Compararem-me com ele é um grande elogio. Adoro-o. Descobri o trabalho dele há talvez seis anos, e fiquei logo obcecade. Chegava a deixar só uma canção em repeat durante dias inteiros. Depois passava para outra e fazia o mesmo. Os desenhos dele também foram uma inspiração, até por andarem de mãos dadas com a música – para mim, são inseparáveis.

No teu álbum de estreia cantavas sobre os teus problemas com substâncias químicas e saúde mental, com total honestidade. E era muito fácil para quem vive com uma depressão e TDAH rever-se nas tuas canções. Mas o mais recente disco, I’ve Got Me, parece vir de um lugar melhor, de recuperação.
Não sei se podemos falar em recuperação, mas estou a tentar fingir até conseguir. Talvez se acreditar que estou a melhorar me sinta mesmo melhor – ou algo parecido. O novo álbum vem daí. Só sei que quantos mais erros me apercebi que cometi, mais erros cometo. As coisas nunca se tornam mais fáceis. Mas temos de tentar. Ou fingir que estamos a tentar tentar…

Mas não dirias que estás um pouco melhor? Pergunto isto porque o novo disco parece menos auto-flagelador, mais virado para fora. Não concordas?
Isso é só porque escolhi as canções menos deprimentes (risos). Na verdade, estou a tentar exprimir tantas emoções e estados de espírito diferentes quanto possível, quero dar mais opções às pessoas, para que todas possam encontrar algo para ouvir e se sentirem menos sozinhas. Quero mesmo ter cuidado para não lançar álbuns só deprimentes sem qualquer laivo de optimismo. Há quem possa ouvir umas canções deprimentes atrás das outras – é o meu caso. No entanto, durante a pandemia deixei de conseguir ouvir música. Fazia-me chorar. Independentemente da canção ou do estilo. Isso fez-me pensar na possibilidade da música ser demasiado intensa do ponto de vista emocional. De repente, toda a música era muito intensa. Ainda estou a tentar recuperar disso e voltar ao que era, mas foi um choque.

Imagino.
Honestamente, enquanto estava a gravar o I’ve Got Me, sentia-me pior do que nunca. Foi assustador. Nunca pensei que me pudesse sentir tão mal. Sempre que digo que “pelo menos isto não podia piorar”, o mundo mostra-me que estou errade. Pode sempre piorar. Mas acho melhor parar de falar disto. Só espero não voltar a passar pelo que passei.

Compreendo. O acto de escrever – sejam textos ou canções – quando é honesto, pode ser terapêutico. Sinto isso quando oiço a tua música, que estás a processar o que sentes.
Sabes que sou incapaz de expressar o que sinto se não for através da música, de desenhos ou de piadas – e é fácil confundir isso com eu não levar nada a sério. São mecanismos de enfrentamento. Não consigo articular os pensamentos e sentimentos quando estou a falar com alguém. Fico demasiado nervose e distraíde para pensar. É muito fácil perder completamente a capacidade de falar quando me sinto assoberbade. Isto é muito perigoso, porque quando as pessoas me vêem a desenhar ou a tocar acham que é fácil. Mas é muito difícil. Essas são as únicas coisas que parecem naturais para mim e, mesmo assim, se não estiver no estado de espírito certo, nem isso consigo. Ou se estiver a abusar de substâncias. Ou a tomar os medicamentos errados… Estou a divagar. O que queria dizer era que nunca consegui trocar por palavras o que estava a sentir. Só consigo fazê-lo através das canções, de bandas-desenhadas autobiográficas, ou de piadas auto-depreciativas.

Fazer música (ou desenhar) é quase uma necessidade fisiológica, portanto.
Sim. Comecei a fazer música porque adorava e precisava de fazê-la. Quanto estava a crescer, tornou-se numa ferramenta de sobrevivência – que eu monetizei e transformei numa ferramenta de sobrevivência financeira… Essa era mesmo a minha única opção, porém, já que a música e a ilustração são as únicas coisas que consigo fazer sem sofrer e sentir uma frustração extrema. Na escola primária tinha dificuldade em fazer amigos. E no segundo ciclo tornou-se ainda mais difícil. Não sabia que tinha autismo e TDAH, só sabia que toda a gente me odiava e fazia pouco de mim. Ainda penso isso às vezes – que há muita gente que nem ia olhar para mim se as circunstâncias fossem outras. Mas como até toco mais ou menos essas pessoas falam comigo. Vejo como me tratam quando nos conhecemos e como a postura delas drasticamente assim que percebem que tenho algum talento para a música e para desenhar. E quanto melhor me saio no negócio musical, mais difícil é reconhecer que só estou a ser tratade com um mínimo de decência porque alguém leu sobre mim numa revista.

Por outro lado, dificilmente farias música tão especial como esta se não tivesses passado por isso tudo.  É, de alguma forma, um consolo?
Não sei, mas obrigado. Para mim, fazer música começou por ser uma tentativa desesperada de me aproximar dos outros. O problema é que isso nunca acontece. Porém, não vou parar agora. Faço o que faço para as outras pessoas se sentirem melhor, independentemente do facto de elas me aceitarem e verem como um ser humano.

Alguma vez te arrependeste de escrever alguma letra ou gravar uma música?
Claro. Muitas das minhas músicas são foleiras ou chatas ou rebuscadas ou fracas. Sinto-me mal-disposte só de pensar nelas.

Primavera Sound Porto. Palco Super Bock. 8 Jun (Sáb). 18.30

Continuamos à conversa

Publicidade
Recomendado
    Também poderá gostar
    Também poderá gostar
    Publicidade