António Zambujo é um dos mais populares músicos portugueses da actualidade. Poucos têm tantos fãs e enchem salas com a mesma facilidade, mas o sucesso não lhe parece ter subido à cabeça. Continua a ser fácil falar com ele, parece humilde, exprime-se com calma e ouve o que lhe dizem com atenção. A conversa começou pelo seu mais recente disco, Do Avesso, mas não tardou em descarrilar.
Jorge Drexler estudou medicina, mas não resistiu ao chamamento da música. Nascido no Uruguai, mas há anos radicado em Espanha, é um dos mais notáveis cantores e compositores latinos, com cinco prémios Grammy Latinos (em 20 nomeações) e um Óscar no currículo. Quinta e sexta-feira sobe ao palco do São Luiz, para um concerto que tem “o silêncio como matéria-prima” e cujo repertório vai desde a primeira canção que escreveu até ao último disco, Salvavidas de Hielo.
Dantes editavas discos novos regularmente, mas na última década começaste a gravar cada vez menos. Porquê?
Na última década, as tournées começaram a ficar mais exigentes. Não costumava fazer uma média de 80 ou mais concertos por ano, como faço agora. Dantes, um ano depois de editar um disco, já não tinha mais concertos e podia voltar para casa e escrever. Agora, dois anos e meio depois do disco anterior, ainda estou em tournée. Os discos começaram a espaçar-se mais porque estou mais tempo na rua, e não consigo escrever quando estou fora. Preciso de parar e ficar na minha casa ou no meu estúdio, nalgum lugar com silêncio e com tranquilidade, para escrever e para fazer um disco.
É curioso ouvir-te falar em silêncio, porque a tua actual digressão chama-se “Silente” e tens uma canção chamada “Silencio” no último disco. O que há, para ti, de tão interessante no silêncio?
O silêncio é como a tela branca em que se pinta. É o ponto de partida para a criação musical. O silêncio é a matéria-prima da música, paradoxalmente. Porque todo o som se expressa em comparação com ele, em relação com ele. E o silêncio acústico é algo que trabalhamos muito nesta tournée. Chegamos a uma sala e vamos desligando todos os aparelhos que façam barulho. Preciso de um silêncio de alta qualidade no show, quase como o silêncio de um concerto clássico, sem amplificação. Além disso, o silêncio neste momento da história e da cultura é muito infrequente. Estamos submetidos a um constante bombardeamento de informação. Eu gosto desta época em que vivo, não me estou a queixar. Mas o silêncio tornou-se necessário para mim.
Sei que estás a trabalhar num novo álbum. Quando vai sair e como é que se compara a discos anteriores? O que te influenciou desta vez?
Ainda não tenho uma ideia em absoluto do que será o próximo disco. Costumo mudar a metodologia [de trabalho] de disco para disco. O anterior foi um disco só de guitarras, só de violões, e até às percussões foram feitas com violões. E, por isso, sei que o próximo não vai ser um disco só de violão, mas ainda preciso de o escrever e espero que as músicas me levem na direcção que elas quiserem. O mais importante para mim agora é acabar a tournée e só aí é que começarei a escrever o disco novo, e a saber um pouquinho mais sobre ele. A única coisa que posso adiantar é que estou a estudar piano, que é uma novidade para mim, e me tenho apaixonado pelo instrumento.
Pensava que já tinhas começado a gravar o novo disco. Até tinha ouvido dizer que o António Zambujo tocava ou cantava no novo álbum.
Não estamos a trabalhar no novo disco, mas tenho-me juntado com ele e com outro grande músico mexicano, David Aguilar, para escrever e para gravar algumas músicas, mas sem uma intenção clara do que a gente vai fazer com elas. Tenho uma admiração enorme pelo António Zambujo. Ele já gravou duas músicas minhas e gosto mais delas do que das minhas versões, porque ele é um intérprete notável.
Falas várias línguas: espanhol, inglês, português. Isso influencia a forma como vês o mundo?
Cada língua traz consigo uma visão do mundo, uma cosmovisão. Gosto disso, de enxergar o mundo desde diferentes línguas, desde diferentes pontos de vista. Temos dois olhos porque a estereoscopia é melhor do que a monoscopia. É bom ter duas visões de um mesmo acontecimento, de um mesmo objecto. Essa profundidade de visão torna o mundo mais complexo. As identidades das pessoas e das culturas são complexas e gosto dessa complexidade. Odeio a simplificação, em geral. E as línguas aportam uma visão que dá muita profundidade à realidade e à identidade.