Milton Nascimento
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Milton Nascimento: “Nos dias de hoje, só a música salva”

Nos anos 60, o Clube da Esquina reuniu músicos jovens e talentosos num momento mágico. Um deles era Milton Nascimento, que agora leva essas canções aos palcos.

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A história de Milton Nascimento é uma síntese da beleza, do sofrimento e da diversidade do povo brasileiro. Nasceu em 1942 na Tijuca, no Rio de Janeiro, filho de uma empregada doméstica que foi abandonada grávida pelo namorado. Antes de completar dois anos, a sua mãe morreu com tuberculose. Foi adoptado por um casal de classe média e mudou-se para Três Pontas, em Minas Gerais. Sendo uma das poucas crianças negras naquela pequena cidade, sofreu diariamente com o preconceito.

A música indígena e as canções rurais do seu estado adoptivo influenciaram os anos de crescimento e reverberaram nas suas canções. A carreira começou a projectar-se internacionalmente quando o saxofonista americano Wayne Shorter, colega de Miles Davis, o convidou a gravar um disco em 1975. Mas antes disso já tinha editado alguns álbuns a solo e participou numa das mais belas obras do património da música brasileira, o Clube da Esquina.

Foi um acaso feliz, o encontro destes amigos. Estavam no local certo, à hora certa. Em 1963, Milton Nascimento foi para Belo Horizonte, onde conheceu músicos e letristas como Lô Borges, Beto Guedes, Fernando Brant, Flávio Venturini, Toninho Horta, Wagner Tiso, Tavinho Moura, Tavito, Robertinho Silva e Luiz Alves. Com eles formou um colectivo que se juntava para tocar na esquina das ruas Divinópolis e Paraisópolis no bairro de Santa Tereza. À procura de paz, o grupo acabaria por compor a maioria do alinhamento do primeiro disco na praia deserta de Piratininga, no Rio de Janeiro.

Bebiam de fontes diferentes mas juntos, naquele momento, tudo fez sentido. Criaram música intemporal, mas que captou um momento. Ousaram uma liberdade musical em tempo de ditadura militar, sintetizando sentimentos, influências, vivências, música de dentro e de fora. Perceberam que o Brasil deve influenciar e ser influenciado. Numa miscigenação estética, fundiram o Brasil profundo com a cultura pop ocidental, dialogando com a música folclórica dos negros mineiros, o rock dos Beatles da era psicadélica, o tropicalismo, a bossa nova e o jazz.

Criaram dois discos que continuam a ser aclamados. Muitas das letras celebravam a amizade e a juventude. Algumas incorporavam subtilezas de protesto contra a época de repressão. A ditadura militar tornava a vida mais urgente. Havia um impulso do passado, da melancolia da herança cultural, e um impulso do futuro, de fuga ao sufoco daqueles tempos. O Clube da Esquina foi um subtil acto revolucionário, que nasceu da tensão entre as possibilidades infinitas da juventude e a repressão do regime. Uniram-se pela amizade e pelo amor à música mas queriam, no fundo, fazer do mundo um lugar melhor.

No Coliseu, Milton Nascimento vai abraçar os dois discos do Clube da Esquina, lançados em 1972 e 1978, mas o alinhamento passará também pelos clássicos da sua carreira a solo. A digressão foi idealizada pelo seu filho adoptivo, Augusto Nascimento, que é também o director artístico, ao lado de Wilson Lopes, responsável pela direcção musical.

As canções do Clube da Esquina são canções de afecto e amizade, apesar de estarem enraizadas no tempo político da ditadura. O amor e a amizade são as armas mais importantes que podemos ter?
Minha vida não seria nada sem amizade, sem os meus amigos por perto, todos eles. A melhor coisa da vida é a amizade.

Quais são as melhores memórias que guarda do tempo do Clube da Esquina?
Sem dúvida nenhuma, é a amizade. Tudo o que a gente viveu naqueles anos foi fundamental para a nossa vida inteira. Mas um momento em especial foi quando nos mudámos para Mar Azul, na praia de Piratininga, em Niterói (Rio de Janeiro). No começo, éramos apenas Lô Borges, Beto Guedes e eu, mas todo o mundo ia sempre para lá. Fernando Brant, Ronaldo Bastos, Márcio Borges, a nossa família, os amigos, os músicos todos. E foi também onde praticamente fizemos o Clube da Esquina 1 [o primeiro disco do colectivo, editado em 1972].

Como foi regressar a estas canções com a sabedoria do presente?
Esta é uma das turnês mais especiais da minha vida. Pouco antes da estreia, em Juiz de Fora (Minas Gerais), a gente reuniu a equipa inteira na minha casa – produção, técnicos, músicos e até alguns amigos mais próximos. A gente começava a tocar por volta das 11.00, parava para o almoço e depois voltava a tocar, e nisso íamos até às dez da noite tocando. Depois a gente ia para a varanda, ligava a churrasqueira e a festa ia até tarde. O clima era tão diferente que nem parecia ensaio para início de turnê. Já fizemos quase dez shows desde a estreia, as coisas estão ainda melhores na estrada. Tem sido muito especial.

Esta digressão baseada nos discos do Clube da Esquina foi uma ideia do seu filho. Que importância tem tido ele na sua vida?
Importância total. Sem ele, tenho a certeza de que nada disso estaria acontecendo agora. A ideia de me mudar do Rio de Janeiro para Juiz de Fora foi dele. E isso foi fundamental para que eu voltasse a fazer shows ainda em 2017, o que culminou agora nessa turnê.

O que podemos esperar destes concertos em Portugal?
Para mim é um sonho voltar a Portugal. É parte de mim, é parte da minha vida. Sem dúvida nenhuma vai ser um grande acontecimento cantar as músicas do Clube da Esquina no Coliseu, um dos palcos mais fantásticos do mundo!

Ao longo da sua vida tem sido um defensor dos povos indígenas, da Amazónia, da luta contra o racismo. Como é olhar para o Brasil de hoje depois de tantos anos a lutar por essas causas? Tem vontade de continuar a lutar?
Na verdade eu nunca parei, e nunca vou parar. Isso nem passa pela minha cabeça.

Acredita que a música tem o poder de mudar o mundo?
Nos dias de hoje, só a música salva.

Nestes tempos sombrios, onde é que encontra força e esperança?
Nos amigos, na minha casa, na música, no cinema, no teatro e, nos últimos meses, essa força tem vindo da nova turnê. A companhia dos meus amigos na estrada é a coisa que mais me fortalece hoje em dia.

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