Há pouco disse-me que gostava de ser primeiro-ministro em Portugal. Mesmo sendo monárquico?
Sou monárquico, mas gostava de trazer para o nosso país sistemas credíveis. Que não sejam corruptos e que sejam culturais. E os países menos corruptos do mundo e mais culturais são as monarquias do norte da Europa. Não há contestação possível. Até podem não ser perfeitos. E nós, que temos um excelente primeiro-ministro e um excelente Presidente da República, não conseguimos desmontar este sistema em que uma pessoa que vai a uma mercearia e rouba um saco de maçãs seja presa e pessoas que fazem corrupções de centenas de milhões de euros continuem cá fora. Não percebo estas coisas.
Mas vamos a este Fados, Tangos, Malhões… e uma Valsinha que parece sair em defesa do nosso património cultural.
Eu já disse várias vezes que gostaria de ser primeiro-ministro e simultaneamente ministro da Cultura. Este é um álbum de provocação àquilo que é o esquecimento absoluto da música popular portuguesa. É uma provocação, porque é poético e é musicalmente muito bem produzido.
A produção é feita no seu estúdio em Mogofores?
A produção foi feita pelo Xico Martins, meu guitarrista e um músico super talentoso. Mas a participação mais genial é do Amadeu Magalhães, que é também músico da Dulce Pontes e que tem um projecto muito interessante que é o Realejo. Um musicólogo profundo de música popular. Tanto toca bem braguesa, como concertina, cavaquinhos, gaitas de foles, flautas ou guitarra portuguesa.
A propósito, o tema “No Meu Fado Há Sempre um Blues” junta guitarra portuguesa e saxofone, num dueto com a cantora Marisa Lis.
O fado e os blues têm tudo a ver. O fado vem do sofrimento, das pessoas que trabalham nos campos do rio Tejo. Os blues é o sofrimento dos povos negros que trabalhavam nos campos de algodão nas margens do Mississipi. Os dois rios confluem no Atlântico e esta mistura não é só feita por água. É feita por pessoas que sofrem. Eu já tinha defendido essa ideia há muitos anos no pequeno prefácio que fiz no meu álbum de fados [Fado de Sempre, 1987]. Depois os intelectuais do fado e aquelas pessoas que percebem imenso também já vieram levantar a ideia que afinal de contas o parvo do José Cid era capaz de ter razão. E agora neste meu álbum fiz este tema e fiz o poema a contar esta história. Para o tema precisava de uma voz blusie, rouca, bonita, que era a Marisa Lis, logicamente. É muito minha amiga, uma pessoa querida de toda a música portuguesa em geral e uma grande cantora. Eu às vezes digo na brincadeira: a Madonna este ano na Eurovisão desafinou de forma fatal. E eu fui a primeira pessoa a dizer, no meu Facebook, que o rei vai nu. A Madonna tinha desafinado numa música facílima de cantar, a “Like a Prayer”, e que Portugal tinha 20 cantoras, todas elas menos “botóxicas” e muito melhores cantoras. Mesmo as mais velhinhas, mais giras que a Madonna, muito melhores. Mas tenho de ser honesto: neste último álbum da Madonna, talvez Portugal lhe tenha feito bem. Eu estava à espera que ela viesse com alguns plágios aproximados da música portuguesa, mas não. Só fizeram um X como os Xutos, não é? Talvez tenha tido influência do bom fado que ela ouviu nas noites de Lisboa, mas não seria nunca a parceira que eu convidaria para “No Meu Fado há sempre um Blues”, porque ela não aguentava este dueto. A Mariza Lis é fantástica, tal como outras pessoas que participam em duetos comigo.
Como o Ricardo Ribeiro no tema “Por Calles y Vielas”.
O Ricardo Ribeiro então devia ser preso. Eu vi-me atrapalhado para cantar ao lado dele. Canto fado como amador há muitos anos e percebi que [se] havia uma pessoa que me poderia ajudar a melhorar este tema era ele. Tinha outras pessoas de quem eu sou muito admirador, que era o caso do Vitorino e do Janita [Salomé]. Com o Vitorino vou-lhe produzir este mês de Dezembro dois temas. Vamo-nos refugiar no estúdio. Somos muito amigos. Mas eu achei que era o Ricardo Ribeiro, que é mais andaluz do que eles, é muito ibérico. E é um dueto fantástico. O poema do tema é do António Tavares-Teles, tive muita pena que ele tivesse partido. Depois tenho outro dueto, com uma fadista emergente que é minha prima, a Matilde Cid.
E que lançou o primeiro disco este ano, o Puro.
É bastante bom. E ela aqui brilha altamente, ela é a moura que dá cabo da vida ao cigano que anda atrás da moura no tema “Que Bem Que Baila a Moura” que eu escrevi. Eu e o Amadeu Magalhães. Todo o meu álbum é de música popular.
Algum dueto que tenha imaginado, mas que não foi possível?
Já convidei algumas fadistas, mas não vou dizer quem. Porque recebi negas e quem sou eu para poder cantar ao lado delas. São divas, não podem baixar ao nível do José Cid, ficam lá no seu pedestal.