As Bodas de Fígaro, de Mozart
Estreia: 1786, Burgtheater, Viena
Libreto: Lorenzo da Ponte, segundo La Folle Journée ou Le Mariage de Figaro (1778), de Beaumarchais
Pierre-Augustin Caron (1732-99) é nome que não dirá nada aos melómanos e não ajudará acrescentar que foi relojoeiro e inventou, aos 21 anos, um mecanismo de escape que permitiu construir relógios mais precisos e compactos. Só após o seu primeiro casamento Caron adicionaria ao nome um aristocrático “de Beaumarchais”. Será necessário saltar por cima das muitas actividades a que se dedicou e dos muitos imbróglios em que se envolveu para chegar a 1773, quando escreveu a peça Le Barbier de Séville ou La Précaution Inutile, estreada em 1775. Em 1778 escreveria uma sequela, La Folle Journée ou Le Mariage de Figaro, mas por colocar explicitamente em causa os privilégios na nobreza, seria sucessivamente censurada e só subiria ao palco em 1784. Ambas as peças tiveram imenso sucesso e correram pela Europa.
Mozart teve conhecimento de La Folle Journée e convenceu Lorenzo da Ponte a transformá-la no libreto de As Bodas de Fígaro (Le Nozze di Figaro), onde o inflamado discurso de Figaro contra os privilégios hereditários da nobreza foi convenientemente convertido numa ária em que Figaro invectiva a infidelidade das mulheres. A peça, na sua forma original, tinha sido interdita em Viena, mas o libreto mereceu a aprovação do próprio imperador José II.
A acção decorre integralmente no palácio do Conde de Almaviva, em Sevilha, mas não há nada de intrinsecamente espanhol no libreto.
[“Se Vuol Ballare, Signor Contino”, pelo barítono Luca Pisaroni e Concerto Köln, em instumentos de época, com direcção de René Jacobs, no Théâtre des Champs-Élysées, Paris, 2004: Figaro, inflamado pelos avanços do Conde de Almaviva sobre a sua Susanna, assume um ar desafiador: “Se quereis bailar, meu condezinho/ A guitarra vos tangerei”]