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DJ K: “Quis retratar o pânico que se estava vivendo. Que se vive”

Um dos mais vitais produtores do underground brasileiro estreia-se esta quinta-feira, 6 de Junho, no novo Círculo do Musicbox. E tem um disco, recém-editado, para mostrar.

Luís Filipe Rodrigues
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Um pivot diz que “é o conflito mais mortal em Gaza em toda a história”. Ouvem-se sirenes, disparos e explosões. Muda a voz: “37 ônibus foram incendiados hoje no Rio de Janeiro”. O cenário evocado é caótico, a sonoplastia é psicótica. “São assaltantes de banco que participaram dos principais ataques contra instituições financeiras em vários estados do país”, anuncia outra voz, por cima do “ka-ching” de uma caixa registadora. O primeiro locutor está de volta; enumera os mortos israelitas do atentado de 7 Outubro e do genocídio palestiniano e repete que “é o conflito mais mortal em Gaza em toda a história”. Fecha-se o círculo. “DJ K não 'tá mais mais produzindo, 'tá fazendo bruxaria”.

Este é o resumo possível nos primeiros 30 de segundos de “O Fim!”, faixa-título e abertura do novo disco de DJ K, nome de guerra de Kaique Alves Vieira, 23 anos de idade e um dos produtores mais vitais do underground brasileiro contemporâneo, que se estreia ao vivo em Portugal esta quinta-feira, 6 de Junho, no primeiro Círculo, “noite de celebração de música de dança de rua, local e planetária” no Musicbox – Gavi e Trafulha completam o cartaz. “Comecei muito cedo na música, com 16 ou 17 anos. Sempre fiz o que gostava, e o público aderiu automaticamente – e está a crescer cada vez mais”, reconhece. “Só que nunca imaginei sair para a Europa e para outros lugares fora do Brasil.”

Percebe-se o espanto. Kaique começou a produzir ainda na década passada, sem expectativas excepto “fazer músicas que gostasse de ouvir”, do seu jeito. Armado apenas com o Fruity Loops e uma sensibilidade musical rara, no quarto da casa dos pais, começou a moldar o funk mandelão – uma estirpe mais pesada e tensa do funk brasileiro, que brotou do baile do Mandela, em São Paulo. “Só mais tarde comecei a ser DJ, entre aspas, porque precisava tocar e fazer o meu dinheiro”, recorda. “E aí há uns dois anos transformei isso em profissão.” Pouco tempo depois, estava a lançar Pânico no Submundo (2023) pela Nyege Nyege Tapes, uma das editoras fundamentais da música africana de agora. E o álbum foi gabado pela Pitchfork, garantindo a sua internacionalização.

Se a Nyege Nyege e a Pitchfork não lhe tivessem dado atenção, dificilmente DJ K estaria onde está agora – em Lisboa, em digressão pela Europa. “Mas isso também foi uma consequência do meu trabalho”, diz, convicto. É verdade. Pânico no Submundo, o disco que o catapultou para fora do Brasil, é especial. Em cada uma das suas faixas, escutamos uma miríade de ideias e sons que não deviam fazer sentido juntos, mas fazem: violinos distorcidos, cantos árabes, sirenes de emergência, samples do Halloween de John Carpenter; tudo misturado como a energia ansiosa e hiperactiva de um puto com défice de atenção. Partindo do funk mandelão, inventa algo novo e distorcido. Parece bruxaria.

“É muito difícil viver aqui e realmente é um pânico no submundo das favelas. Por isso é que o disco se chama Pânico no Submundo. Quis dar um nome que todo mundo ia entender, tanto no meio underground quanto pessoas de fora, de outro público”, descreve o jovem produtor. “Por isso coloquei esse negócio de caos,de  muita informação – mesmo muita. Queria que desse pânico ouvir o álbum. [Porque] é muita informação para o seu ouvido.”

“DJ K não 'tá mais mais produzindo, 'tá fazendo bruxaria”

Antes de Pânico no Submundo, Kaique já fazia bruxaria. Começou há uns anos, no seu quarto transformado em estúdio, acompanhado pelos amigos. “Um deles brincou e falou ‘caramba, você está produzindo muito. Aliás, você não está produzindo, está fazendo uma bruxaria’. Falou isso no microfone, e virou a minha vinheta, a minha marca registada. Consequentemente, pelo estilo de música que faço, que é muito original no funk, é uma coisa bem pesada, bem caótica, o pessoal começou a aderir como um género”, conta. “Bruxaria é tanto um estilo de música quanto o meu personagem no funk, essa vinheta”. 

Bruxaria Sound é também o nome do colectivo de músicos que orbita em torno de DJ K e da sua editora, que acaba de lançar O Fim!. Se no álbum de estreia, produzido sobretudo durante os anos da pandemia, quando o futuro era incerto, “quis retratar o pânico que se estava vivendo – e que se vive até hoje – nas favelas de São Paulo, com o sistema e a polícia em cima da gente”, agora ele sobe a parada e “relata o fim do mundo”. Ou pelo menos, “o caos que está acontecendo no mundo. Daí todas as referências de guerra. Acho que retrata mais caos ainda do que o Pânico no Submundo.”

E voltamos à primeira faixa, a “O Fim!”. “Tem samples, partes que falam sobre a guerra na Palestina. Uma mistura de música funk e reportagens”, sintetiza. Ultrapassado o belicismo inicial, muda a toada. Mantém-se o caos, agora mascarado de psicadelia funk. “Estamos no fim dos tempos, está todo o mundo falando / muita droga e cachaça e a putaria rolando”, anuncia um MC. A linguagem é explícita e niilista. E assim continua, ao longo de uma hora, um dos melhores discos deste ano. Canção após canção, o medo e o sexo confundem-se. Confundem. O dia de amanhã não está garantido, por isso hoje festejamos, enchemos a cabeça, roçamos outros corpos no nosso. Se isto é o fim, pelo menos que seja feliz. DJ K está cá para o garantir.

Musicbox. 6 Jun (Qui). 00.00. 12€

Continuamos à conversa

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