Música do tamanho do mundo
“O objectivo também foi exportar a música para o estrangeiro.” E a exportação tem sido um sucesso. A histórica editora Warp chegou a ter uma parceria com a Príncipe. Jornais como o The New York Times e revistas como a Fader dedicaram páginas inteiras à sua música. Sites como a Pitchfork ou o Resident Advisor mandaram jornalistas a Lisboa. Não há um lançamento que não seja noticiado internacionalmente. E os DJs actuam frequentemente no estrangeiro.
“Temos mais datas lá fora do que em Portugal. E as pessoas gostam mesmo de nós”, afirma DJ Firmeza. “Por exemplo, fui à China, subi ao palco só para ligar o computador e eles começaram logo a fazer barulho. Não acreditava. Tinham ido lá mesmo para me ver. Em Pequim. Parecia mentira. Pensei: ‘Porra, se morrer amanhã todo o mundo na China vai ficar triste’.” E desata-se a rir.
Não é só DJ Firmeza que tem histórias destas. DJ Marfox e Nídia, dois dos nomes com maior exposição internacional do plantel, lembram episódios parecidos. DJ Narciso, que é um dos mais recentes membros da família, estreou-se a tocar em Londres na passada sexta-feira, a convite de Tash LC, que trabalha para a BBC. O jovem da Rinchoa entrou no radar da editora há pouco mais de um ano, quando Márcio Matos encontrou a sua música no Soundcloud. Uns meses depois, o seu colectivo, a RS Produções, estava a lançar o primeiro disco com a etiqueta da Príncipe.
A internet, sublinhe-se, tem desempenhado um papel importante em toda esta narrativa. Foi online que os DJs Di Guetto, a crew de DJ Marfox, DJ Nervoso e outros nomes cruciais deste movimento largaram a lendária compilação Djs Di Guetto Vol.1 em 2006. Nos bairros periféricos de Lisboa, quem os ouviu quis fazer o mesmo. A crew de DJ Firmeza, por exemplo, chamou-se Os Piquenos DJs do Guetto por causa deles. Sem esse disco, sem esses produtores, hoje talvez não existisse nada disto.
José Moura também sublinha o papel das redes na criação e desenvolvimento desta música. “O circuito está todo no Soundcloud”, garante. “Nós somos apenas um veículo para que esse circuito se torne visível cá para fora.” Narciso sabe que é verdade, no entanto ressalva que “com a editora a música circula mais. Antes circulava entre as pessoas do próprio bairro, mas agora sai para fora de lá.” DJ Firmeza acrescenta outra ideia: “A Príncipe pegou em diferentes promotores, diferentes grupos e juntou-os.”
Nem tudo são rosas. Quando se fala em desafios, DJs e editores dizem que não têm a agenda tão preenchida como gostariam. “Por exemplo, nós temos capacidade de tocar em todos os festivais de Lisboa. Não tocamos porquê?”, interroga-se Firmeza. Quando se pergunta se isso não pode ter a ver com algum racismo, é peremptório. “Não. Racismo, não. Se calhar é porque ainda não fizemos barulho suficiente. Temos de batalhar mais uma beca para as coisas mudarem.”
A maioria ainda não consegue viver da música, por muito que lhes gabem o trabalho. “Dantes dizia que dava para viver disto. Mas agora, com um filho para criar, não dá. Não consegues, por exemplo, alugar nem comprar uma casa se não tiveres um contrato de trabalho”, conta Cílio. “No estrangeiro podem falar muito de ti, mas só isso não basta.”
“Às vezes, começo a ver que o melhor é emigrar. Porque aqui não dá”, continua o jovem produtor. “Não quero ser aquela pessoa que correu o mundo e acabou sem nada. Percorreste o mundo todo, fizeste tudo, e depois? O que vais deixar para os teus filhos? Não tens nada.” O texto podia terminar aqui.