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A primeira vez num restaurante Michelin: “Vinha aqui para dizer que não gosto e ainda não consegui”
Por falta de tempo, interesse ou oportunidade, os restaurantes Michelin ficam muitas vezes inacessíveis a quem da cozinha vive. Sentámos cozinheiros tradicionais à mesa destes restaurantes. O chef Alexandre Silva convidou Luciano Laurêncio.
Na hora de escolher alguém para levar ao LOCO, Alexandre Silva não teve dúvidas: Luciano Laurêncio, o homem do leme de A Trempe, restaurante alentejano de Campo de Ourique, que é já um clássico da cidade. Luciano é um verdadeiro mestre de cerimónias, diz que não é cozinheiro, mas há pratos alentejanos que são só seus. Enquanto os filhos, Rute e Flávio servem às mesas, e a mulher Arlete está na cozinha, Luciano não deixa nenhum cliente sem uma palavra, muito menos se priva de fazer uma ou outra piada. Alexandre Silva é cliente há anos – muito antes de abrir o LOCO junto à Basílica da Estrela e de o Guia Michelin lhe apontar um holofote. A Trempe foi-lhe casa, Alexandre é da casa.
Para receber Luciano, o chef abriu o restaurante de propósito a uma segunda-feira e ninguém da equipa faltou à chamada. Não há outros clientes, mas nem por isso as coisas são feitas de forma diferente do habitual.
Luciano vem às cegas – “Fazemos isto em meia hora?”, pergunta-nos a brincar –, tal como grande parte dos clientes que chegam ao LOCO. O menu não desvenda nada do que vem para a mesa, mas deixa pistas: “O LOCO é orgânico, valoriza os produtos nacionais e a natureza. Vive ao sabor das micro-estações, inspira-se na tradição e nas referências identitárias da gastronomia nacional, mas subverte e eleva-as a um outro nível conceptual, desafiando a regra através da pesquisa e experimentação de novos procedimentos. O LOCO é uma corrente criativa constante, uma atitude. É uma experiência total, que promove a relação entre os clientes e a cozinha do restaurante.”
No total, são 16 os momentos (150€ + 85€ da harmonização). “Isto não é para o meu estilo. Eu sou uma pessoa mais para o prático, não gosto de estar muito tempo no restaurante, isto é tudo um serviço que demora”, diz Luciano, sem esconder, no entanto, a curiosidade que leva alguém a pagar tanto por uma refeição. “É uma questão de hábitos. Nós temos o restaurante vazio e de repente entram 10/15 pessoas, o nosso sistema de trabalho é acelerado. E eles aqui não, não se importam, venham as pessoas que vierem, que esperem, que fiquem à porta, que se vão embora. Os serviços são como são”, comenta. “Mas também é diferente, aqui só há 24 lugares. E esses 24 têm de pagar por muitos”, continua, entre gargalhadas. “É só mesmo assim para uns casos específicos, quando se arranja um namorado novo, ou uma namorada.”
Alexandre Silva fardou-se para a cozinha, mas é à mesa que se senta. João Marujo, o chefe de sala, é o mestre de cerimónias com a habilidade de, em menos de nada, deixar qualquer um à vontade – até mesmo aqueles que diziam que o fine-dining não era para si.
Alexandre Silva: O Luciano ainda vai querer jantar a seguir.
João Marujo: Isso é que eu queria ver, era um grande campeão.
AS: Isto é um homem à antiga.
Luciano: Por acaso, à noite não como muito. Sabe que já fui ao Programa da Cristina fazer um cozido de grão. Ainda há pessoas que perguntam, foi o senhor que foi fazer o cozido de grão, não foi?
AS: O cozido de grão do Luciano para mim é o melhor de Lisboa.
L: Dizes isso porque eu estou agora aqui.
AS: Não, é por isso que está aqui.
Incentivado por nós, Alexandre Silva fala um pouco sobre o LOCO, quase como se o estivesse a apresentar a Luciano.
AS: É um restaurante pequeno, é fácil de encher. Se tivéssemos de mudar o restaurante cada vez que diziam que ia correr mal, este restaurante já não existia. Primeiro foi: mas vocês não têm refrigerantes? É impossível, o restaurante vai fechar. Depois era porque não tínhamos café expresso: o restaurante vai fechar. Não há estacionamento? O restaurante vai fechar. O restaurante ia fechar por tudo. Ou porque não tínhamos menu. O nosso menu tem só um pequeno texto sobre o restaurante, uma coisa muito simbólica, e o preço, mais nada. É o nosso conceito e não vamos mudar aquilo que somos. E as pessoas às vezes dizem-nos que não gostaram disto ou daquilo e é normal, ninguém tem de gostar de tudo. Neste momento são 16 pratos, em 16 pratos gostar de todos é uma vitória. O restaurante mexe contigo. É feito para isso, não vale a pena ter um restaurante consensual, não é isso que queremos. Não queremos ter vinhos consensuais, porque isso toda a gente bebe e gosta. Queremos dar a conhecer uma forma diferente de pensar a restauração. Mas atenção que isto é uma percentagem muito reduzida. Se calhar, hoje o Luciano não vai gostar.
L: Achas que não vou gostar?
AS: Não sei, mas acho que vai. O ideal é [vires] como quando vais para uma peça de teatro ou ver uma exposição qualquer, mente aberta. Estás à espera de tudo e não estás à espera de nada. Isto é como viajar, eu sou mais feliz a viajar desde que me despi de preconceitos, vou para qualquer país e quero experimentar o que têm. E houve uma altura que não era assim, as culturas chocavam comigo, eu chocava com eles e era uma coisa estranha. É só um exemplo. A restauração é a mesma coisa. Na comida há coisas que não gostamos porque somos preconceituosos porque se for de olhos fechados vamos gostar.
L: Olha um exemplo: os caracóis. Há poucos países onde se comem os caracóis.
AS: É o preconceito. É uma questão cultural também, se aceitarmos os outros como eles são, é sempre mais fácil.
L: N’A Trempe, brinca-se um bocado com o serviço, com o cliente.
AS: Tem de se levar assim. É um restaurante familiar, literalmente.
L: Abri em 1979.
AS: É mais velho que eu um ano.
Chega à mesa o primeiro snack. Um crocante de berbigão.
AS: Para começar, são coisas muito pontuais, só para irmos abrindo o palato.
L: E nós conseguimos comer isto tudo? [risos]
AS: Acho que esta é fácil. Coma lá e diga o que é que acha.
L: Tem picante?
AS: Não tem. De uma só dentada. E pode comer isso também, essa bolachinha.
L: Afinal, isto é melhor do que eu pensei.
AS: Isso também é para comer.
L: O quê? A casca?
AS: Isso não é uma casca.
L: É o quê?
AS: Coma lá isso. É uma bolacha.
L: Isto é uma bolacha, mas sabe a peixe frito. Olha, já não a comia, ficava aqui... [risos]. Sabe mesmo a peixe frito.
A conversa flui, quase sempre à volta da cozinha.
AS: E aquelas pessoas que dizem: ‘Este borrego estava mesmo bom, nem sabia a borrego’. Faz-me alguma confusão.
L: Se não sabe a borrego para que é que foram comer o borrego?
AS: Exactamente.
L: Eu faço um ensopado de borrego que não leva quase temperos nenhuns. Só leva mesmo o alho, a salsa, a folha de louro, o sal, a pimenta e mais nada.
A refeição prossegue.
AS: Luciano, isto comemos como uma ostra. Agarramos assim e comemos igual.
L: Então para que é que ele me trouxe o talher? [Risos]
AS: Às vezes ela não quer sair e nós empurramos um bocadinho.
L: Pois, é melhor puxá-la então.
AS: Este já é mais difícil. Isto é um [snack] bom e um assim estranho, um bom e um estranho.
L: É bom, não fica atrás da outra entrada.
AS: Pois não, mas o outro é um sabor mais confortável, tem um ADN mais português. Reconheceu na bolacha o peixe frito, tem o berbigão, o limão. E neste há o funcho, que para os portugueses normalmente aparece nos rebuçados para a tosse, em sobremesas ou em licores, mas raramente se utiliza na cozinha.
L: No Alentejo há carradas disso.
AS: E este é apanhado na borda da estrada.
Chega um novo snack, um crocante de tapioca.
AS: Agarrar e tau, comer logo.
L: Quer dizer, vocês só nos talheres poupam… [risos]. E esta casquinha também é a tal frita?
AS: Essa é outra.
L: Não consigo dizer mal.
AS: Esta refeição é interessante porque o nosso palato vai aumentando, ou seja, vai ficando cada vez mais activo. Por isso é que normalmente nos restaurantes de fine dining se começa com coisas mais ácidas e picantes. O próximo tem que conhecer. É um croquete de cabeça de xara. E é também [para se comer] de uma só vez.
L: Este já vem quente. Fica a saber a croquete.
Na mesa, é posta uma alface marinada, com pólen de abelha, amêndoa e gema de ovo curada.
L: Já alguma vez provaram alface? É igual.
AS: Só que com florzinhas [risos].
Entre um momento e outro, perguntamos a Luciano como chegou à restauração.
AS: Foi obrigado, é sempre assim [risos].
L: Eu vim para Lisboa tinha 14 anos, sozinho. Não tinha cá ninguém e o emprego mais fácil que se podia arranjar era na hotelaria e foi onde comecei. Hoje há falta, porque este território requer horários muitos estranhos.
Dois momentos depois, acontece aquele que Alexandre Silva define como um ritual do restaurante.
AS: O pão é muito importante para nós e não entra no início da refeição de propósito para termos esta primeira fase, para nos irmos habituando a tudo o que vem a seguir.
L: Os guardanapos para limpar as mãos estão quentinhos.
AS: E no Verão estão gelados.
L: Quantas pessoas estão aqui para ter de fazer este trabalho?
AS: Comigo, somos 11 pessoas.
L: São tantos empregados como clientes.
AS: Às vezes sim. A nossa média são 16/17 jantares.
L: E acontece vir uma pessoa só?
AS: Acontece. Normalmente fica ali de castigo a olhar para a sala toda e a sentir-se mal por ter vindo sozinho [risos]. Às vezes acontece mais do que uma mesa com uma pessoa, raramente.
João Marujo: Opão é talvez das fases em que damos mais privacidade à mesa e servimos sempre bebidas não alcoólicas ou de baixo teor alcoólico. Hoje estamos a servir uma chicha, da América latina. É uma bebida fermentada. A ideia é criar uma brincadeira com outras culturas que nos ajudem a contribuir para o zero desperdício. É uma das filosofias aqui no LOCO, tentamos aproveitar tudo.
AS: Isto no Verão no Alentejo, geladinho...
L: Falta-lhe o álcool [risos]. É um refresco. Mas quem é que teve a ideia de fazer isto?
AS: Desde o início do restaurante que sempre quisemos fazer algumas bebidas. Dedicámo-nos a fazer cerveja, bebidas fermentadas. Quem deu a ideia da chicha foi a nossa chef de pastelaria, a Grace [Aguirre]. Ela lançou o desafio. Às vezes, é cerveja, outras é kvass [uma bebida russa] ou outra bebida. É sempre para o momento do pão e é como se fosse um prato. Não é só abrir a garrafa e servir. Tem uma história. A história do prato é mais importante do que o prato. Começa antes do momento de criação.
L: E quando explicam isto tudo aos estrangeiros, eles percebem?
AS: Em inglês percebem.
Na mesa, o pão feito em casa é acompanhado com molho de berbigão à Bulhão Pato, azeite virgem extra “Amor é Cego”, sobraçada fumada e manteiga de vaca envelhecida.
L: Deixa-me lá provar o pão primeiro sozinho. Olha, é estaladiço.
AS: Hoje em dia é muito difícil encontrar um pão estaladiço. Quando começámos, isto [aponta para o molho] era o molho do bife. Fazíamos o bife para fazer o molho do bife para as pessoas poderem molhar o pão. Há cerca de um ano, passámos para berbigão à Bulhão Pato. Tudo o que está aqui é feito cá, menos o azeite.
L: Eu não trabalho na cozinha. Faço alguns pratos por curiosidade, que quis fazer e experimentar. Tudo aquilo que faço não aprendi com ninguém. Foi uma criatividade da minha parte. Mesmo o cozido de grão. Faço umas perdizes que não sei se alguém faz igual, até podem fazer melhor, mas as minhas são sempre vendidas. Isso é que me interessa. Quando comecei a trabalhar por conta própria, comecei a fazer experiências. Dedicava-me mais à parte da compra, é importante ter produtos de qualidade no restaurante. Tem de se saber comprar e comprar bem. Não há ninguém que goste de ser enganado, na restauração ao enganar o cliente estamos a enganar-nos a nós próprios. Temos de dar o nosso máximo e saber que estamos a servir coisas em condições.
AS: Antes de conhecer a Sara, ia à Trempe quase todas as segundas-feiras. Era o meu dia de folga e morava ali. Ia lá sozinho. Acho que gosto de tudo, sinceramente. Gosto da companhia, sinto-me em casa, tratam-me bem, como se fosse da casa.
L: Eu acho que nós temos pratos a mais.
AS: É possível, pelo menos eu nunca comi todos.
L: Temos 20 e tal pratos. Habituei-me a trabalhar com aquela variedade. Quando o cliente vai muitas vezes ao mesmo restaurante quer variar. A carne de porco à alentejana (11€) vendemos às toneladas.
Aproveitamos um momento entre pratos e perguntamos a Luciano se nunca tinha tido curiosidade em conhecer o LOCO.
L: Eu quando posso saio. Vou todas as semanas ao Alentejo, tenho lá casa e é lá que gosto de estar. Estou no campo, com os passarinhos. Isto é belíssimo, mas para mim tinha de ser para um momento especial. Nós estamos tantas horas [no restaurante]... Por exemplo, sexta-feira vou fazer o cozido de grão, vou sozinho às sete da manhã para lá. Quando chegamos ao fim-de-semana… Não sou capaz de ficar numa fila num restaurante. Posso passar o dia sem comer, mas à espera é que não.
AS: Eu raramente cozinho em casa. Quando estou de folga, vou aos meus pais, ou sou convidado para ir a casa de alguém, ou vou almoçar e jantar fora. Também quero ver o que as pessoas estão a fazer, quero conhecer e apoiar.
L: Às vezes para comer fora, prefiro sair de Lisboa. Já são 45 anos no restaurante.
AS: E pronto, vai começar agora.
Chega o momento dos pratos principais, que se inicia com uma raiz de aipo fumada, seguindo-se um peixe do dia e uma beterraba em texturas.
L: Isto come-se tudo muito bem e não é aquela coisa de encher, nem pouco mais ou menos.
AS: Ainda não chegámos ao fim.
L: Estou a gostar imenso, a companhia também é agradável. Os chefs com estrelas trabalham muito à sua maneira, cada um tem o seu conceito, não é?
AS: Cada um tem o seu conceito, cada um tem a sua maneira de ver, cada um acredita em coisas diferentes e ainda bem que é assim. Senão andávamos a copiar-nos uns aos outros.
L: Come-se à colher? É diferente, tenho o sabor a fumo.
AS: Isso é o mais importante com os nossos pratos, pelo menos para quem não tem esta ligação ao fine dining. [É bom] que nunca tenha comido isto, que não reconheça estes sabores. Que pense: tem um sabor fumado, mas nunca comi nada igual a isto. Senão não tem graça.
L: A gente ouve muita coisa que eles dizem, mas não sabe [risos].
AS: A história que contamos acerca de um prato é importante. É importante explicar, porque é o nosso trabalho, senão é só um prato. Imagina que chegam aqui agora e metem o prato à frente, tu comes e é bom ou mau.
L: E agora imagina que arranjei uma namorada nova e venho para aqui com a minha namorada. Não consigo namorar [risos].
AS: Pronto, também há esse problema. Às vezes estão eles a brindar ou a dar um beijinho e nós aparecemos. Por acaso, temos essa situação com as idas à casa de banho e as idas para fumar. As pessoas sentam-se e passados cinco minutos o João Marujo vai à mesa e explica todo o conceito e diz que idas à casa de banho, ou saídas para fumar, devem ser avisadas no prato antes. Há situações em que o cliente se esquece e levanta-se e nós: oi, para a mesa, se faz favor. E eles voltam para a mesa. Até acham piada.
L: E numa mesa de seis é sempre a mesma pessoa a servir?
AS: Toda a equipa serve à mesa. Ou seja, os pratos são trazidos à mesa pelos cozinheiros e eles explicam. A equipa de sala faz toda a parte da hospitalidade, os mimos e atenção ao cliente, e o serviço de bebidas. O restaurante foi pensado assim, para ser mais dinâmico, para ter mais graça e também para reduzir pessoas dentro da sala, porque ela é muito pequena.
L: O empregado aqui está sempre a trabalhar, sempre em movimento.
O peixe do dia é um peixe galo, cozinhado a baixa temperatura.
L: Este peixe está aqui mais para um sushi.
AS: Ele está cozinhado.
No embalo da conversa, perguntamos a Luciano se há alguma coisa que não goste de comer.
L: É raro.
AS: Eu, por acaso, há coisas que não gosto. Não gosto de pimentos. Grelhados adoro, é uma das minhas coisas favoritas. Pimento assado e depois temperado com azeite, vinagre e um bocadinho de alho.
L: Na caldeirada não gostas?
AS: Não consigo comer. E já gostei. Houve qualquer coisa que fritou na minha cabeça.
L: Claro que há coisas de que se gosta mais, mas não há nada que eu diga que não consigo comer.
AS: Eu também, se tiver de comer, como.
L: Gosto de borrego, gosto de bom peixe. O ano passado comecei a comer sardinhas em Maio e só acabei no fim. Almoçava todos os dias sardinhas.
Antes dos pratos de carne – uma presa de porco ibérico e uma bochecha de vitela – João Marujo vem à mesa para que Luciano escolha uma faca.
L: Isto agora é para quê? Vou matar algum porco? Vou usar esta mais pequena.
AS: Nós trabalhamos com algumas facas especiais. Isto é de um artesão das Caldas da Rainha, o Paulo Tuna, que é cutileiro e faz facas à mão. Pedimos-lhe para fazer este serviço de facas. Há cozinheiros, como é o meu caso, que têm facas feitas por ele. Este é um momento importante, que não explicamos. Só se alguém perguntar porque é que vieram trazer uma faca.
JM: Há muitos detalhes aqui no restaurante que não vale a pena explicar. As pessoas vêm cá comer, não vêm cá ver-nos.
L: Senão ficam a saber tanto como eles.
JM: A ideia é isto ser despretensioso, se vamos explicar todos os detalhes tornamo-nos pretensiosos.
AS: Estamos a tirar a pessoa da zona de conforto, tu chegas e a pessoa fica: o que é isto?
L: Mas, ó, Alexandre, estamos a escolher uma coisa que não conhecemos.
AS: Sim. Há pessoas que pensam que é um jogo, que vai aparecer qualquer coisa a seguir. Não é um jogo, é só escolher uma faca. [Agora na presa,] nunca perguntamos o ponto e há pessoas que têm o preconceito de que o porco deve ser comido bem passado. Fazia sentido há uns anos em que as raças não eram controladas. [Também dizem que] as aves não se comem mal passadas, então porque é que o magret de pato se come mal passado? Porque fomos habituados a ver isso. Temos crenças, ouvimos que sempre foi assim. A gastronomia está sempre a evoluir.
L: E nós temos de aceitar as sugestões dos chefs. Eu quando não gosto, digo, vinha aqui para dizer que não gosto e ainda não consegui. Come-se muito bem. Uma pessoa acaba por nem saber qual é o melhor. Também não esperava outra coisa. Devemos mentalizar-nos de que não vamos ser enganados. À partida sabia que ia ser surpreendido, sempre pela positiva. Está tudo bem, está tudo bom, muito bom mesmo. Eu não sou pessoa que seria surpreendida com facilidade. Há coisas que nunca tinha experimentado, por exemplo, este bocadinho de carne que se comeu.
AS: Bocadinho… [risos]
L: É por isso que estamos sempre a comer. Isto é diferente de uma refeição normal, em que a gente come um prato, uma sobremesa, bebe um café e um bagaço e está a andar de mota.
AS: Há muitas pessoas que viajam para Portugal para virem a estes restaurantes e que depois vão a outros e provam realmente aquilo que é genuíno e que é português. Estes restaurantes são como a alta costura, aquelas coisas que olhamos e dizemos: ninguém vai vestir isto no dia-a-dia. Depende, ninguém vai vestir no dia-a-dia, mas há conceitos que se tiram dali. A estrela Michelin que o Esporão ganhou este ano para o Alentejo foi muito importante, e se houvesse mais duas no Alentejo era ainda melhor. Porque há pessoas que organizam rotas para ir a esses restaurantes, e que acabam depois por conhecer tudo o resto à volta e isso é importante. Nós só pensamos a curto prazo, só pensamos que ele ganhou a estrela, ele é que faz negócio… não, não. Quem me dera a mim que houvesse um três estrelas Michelin em Lisboa. Trazia mais pessoas ainda.
Por fim, o último prato, antes das sobremesas. A bochecha.
AS: O Luciano está a pensar assim, onde é que vou jantar a seguir?
L: Não. O que tem o sabor mais acentuado é esta carne.
AS: Tem a ver com a confecção em si, este é estufado e tem molho de pimenta.
L: Gostei mais da carne de porco do que desta. Posso dizer isto, não posso?
AS: Claro e fico contente com isso.
L: Esta tem um sabor mais acentuado. E comer uma carne de porco mal passada soube-me bem.
Nas sobremesas – gelado de chá Lapsang Souchong com gel de hibiscos, espuma de maçã e cigarette; parfait de malte com granizado de clementina; e gelado de tupinambur com gel cítrico de pêra e sementes de girassol – Luciano faz questão de dizer que não é doceiro.
AS: Eu não gosto de doces, o conceito do restaurante nunca foi esse, sempre foi coisas mais ácidas no final, mais leves, com menos açúcar. Também chocava algumas pessoas, estão à espera de chocolate e frutos vermelhos e pudins e gemas, e não é o caso. Não apanharem nada com legumes é uma sorte. Queremos fugir da ideia pré-concebida do que são as sobremesas do fine dining.
L: E nós fazemos o nosso arroz doce sem ovos. Mas também em troca fazemos uma encharcada... aquilo é uma bomba com 40 gemas. Para mim, já a sericaia é muito doce.
AS: A encharcada é dez vezes mais.
L: O teu espaço de serviço é tanto ou mais do que a sala.
AS: É, mas é assim no outro restaurante também [o FOGO]. Precisamos de muito espaço para trabalhar.
L: E normalmente as pessoas que têm restaurantes [querem] é aproveitar o máximo para o cliente.
AS: Aqui é ao contrário, porque há mais emoção do que gestão. Este restaurante é mais emocional, se bem que foi este restaurante que salvou a honra da empresa quando rebentou a pandemia. Foi pensado para trabalhar um preço médio muito alto. Menos custos, menos chatices e só abrindo aos jantares. Dá que pensar. Eu detesto futebol e há pessoas que gostam e que vão ao futebol. É uma coisa que a mim não diz nada. E vir a restaurantes destes não diz nada a muitas pessoas, há outras a quem diz muito.
L: Vocês estragam-me com mimos, não estou habituado a ser assim tão bem tratado. É estranho.
O momento do café é também ele um ritual no LOCO, acompanha com petits fours, que Alexandre Silva define como “a parte mais doce”.
L: E há pessoas que conseguem comer estas coisas?
AS: Claro. Então, de zero a dez? Em que zero é muito mau e dez é surpreendente?
L: A refeição toda vai para os dez, sem dúvida nenhuma. Fiquei surpreendido pela positiva, foi um momento muito agradável. E tenho de perguntar, se viesse como cliente tratavam-me assim tão bem?
AS: Seria diferente porque tínhamos o restaurante cheio e havia outra dinâmica, mas seria igual. Esta atenção de toda a gente é sempre assim e acho que é isso que separa o restaurante LOCO.
L: É serem loucos [risos]. Acabamos por sair daqui com uma refeição bastante completa, é tudo bom, e são coisas atrás umas das outras. Amanhã se me perguntarem o que comi, já não me recordo de metade das coisas. E esta coisa de virem à mesa. Já viste o que é o rapaz estar aqui a explicar que é assim e assado, mesmo que meta ali algumas buchas, eu não faço ideia. Temos de aceitar que é assim mesmo. É um trabalho de admirar.
*Este artigo foi originalmente publicado na edição Primavera 2022 da revista Time Out Lisboa
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É um clássico incontornável de Campo de Ourique, com o seu telheiro castiço a chamar a atenção logo na rua. É o típico restaurante familiar, onde pais e filhos são a chave do sucesso, juntamente com a boa cozinha alentejana.
A provar: o cozido de grão à moda do Alentejo (15€), à sexta-feira.
Rua Coelho da Rocha, 11, Campo de Ourique (Lisboa). 21 390 9118. Seg-Sex 12.00-15.00/ 19.00-22.00, Sáb 12.00.15.00
É uma felicidade apanhar Martín Berasategui no seu restaurante em Lisboa – e não é que na sua ausência a cozinha não esteja bem entregue. Pelo contrário, Filipe Carvalho toma conta da casa como ninguém. O chef português vive para isto, tal qual Berasategui. Mas é uma felicidade por não ser habitual.
Passam uma vida no restaurante, de avental posto, entre tachos e travessas de inox. Partilham o espaço com a família, uns na cozinha, outros a servir às mesas, e às tantas já não distinguem a casa do trabalho. Sabem o nome de praticamente todos os clientes que ali se sentam, decoram-lhes as preferências e mimam-nos como se de casa também fossem. O tempo livre é pouco, serve habitualmente para escapar. Vivem numa bolha tal que se esquecem muitas vezes de parar para apreciar o caminho, a conquista.
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