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André Cruz. O novo chef do Feitoria vive entre a horta e as abelhas
O Feitoria, no Altis Belém Hotel, tem um novo chef, depois da saída surpreendente de João Rodrigues. Sentámo-nos à mesa com André Cruz e fotografámos alguns dos seus novos pratos.
Apontado como um dos melhores chefs da sua geração, João Rodrigues despediu-se do Feitoria em Abril, sem ter conseguido a tão desejada segunda estrela Michelin, que meio mundo gastronómico afirmava merecer. André Cruz, até então o seu subchefe, foi o escolhido para a sucessão e não se pôs com meias medidas. Em poucos dias, mudou já algumas coisas e, mais importante, criou um novo menu, a que chamou Semente – há um de sete (145€) e outro de nove momentos (160€), havendo duas versões vegetarianas (100€/sete momentos, 120€/nove). Sabe da exigência que tem em mãos e dos holofotes que agora lhe apontam, mas nem por isso vacila. O trabalho, conta, é também de continuidade. O objectivo é esmiuçar ainda mais a relação com os pequenos produtores, um terreno que conhece bem. Tem 27 colmeias, uma horta biológica e criação de animais. “Jamais poderia fugir a uma coisa destas”, diz à Time Out.
É mais fácil assumir este cargo por estar em casa? Acho que é mais difícil, sinceramente. Acabei por ficar no lugar de uma pessoa que é altamente respeitada e que, no quadro gastronómico, é muito influente.É um profissional muito exigente e isso eleva um bocadinho a bitola do cargo.E estamos a falar do Feitoria, quem vive aqui todos os dias sabe da exigência.
Esperava ficar como chef executivo? Não. Foi de repente.
Como é que se recebe um desafio destes? Foi realmente muito inesperado, mas recebe-se com naturalidade. Senti como uma oportunidade e uma situação normal. Vivi bem esta surpresa.
Até porque ser número dois num restaurante como o Feitoria já era um cargo de responsabilidade… Sim, mas nota-se uma boa diferença. Estamos a falar de uma semana e pouco de mudança, mas nota-se muito a diferença, mas é bom. Eu gosto.
O que é que muda então? Para já, as redes sociais acabaram por se inundar com a minha cara. Não estava habituado, vivia isto espontânea ou esporadicamente. Temos de ter um equilíbrio emocional para gerir bem isto, mas, lá está, ser o número dois durante algum tempo se calhar acabou por me preparar.
Passou pouco tempo, mas como é que está a correr? Está a correr bem, assumimos esta mudança com naturalidade e mudámos realmente as coisas. Mudámos os nossos menus, mudámos algumas dinâmicas. Esta mudança tem sido vivida com intensidade, mas tem sido boa. É um bocadinho cliché, mas diz-se que mudar é bom.
E como é que se marca a diferença? Aí é que pode ser mais difícil. Vivendo todo o percurso do Feitoria nestes últimos tempos e enquadrando-me com todas as coisas… Temos sempre a tendência de querer fugir um bocadinho àquilo que se faz ou de querer marcar realmente a diferença, mas eu não vou querer seguir um caminho muito diferente. Não podia estar aqui a fazer uma coisa na qual não acreditava. Não vai ser uma grande mudança, o que foi feito passa por respeitar produtores, trabalhar com produtos de qualidade, respeitar a sazonalidade, a sustentabilidade. Faz parte daquilo em que acredito. A diferença pode estar obviamente em pratos novos. Desde que mudámos o menu, acho que já mudámos uns dez pratos. Obviamente que vamos ter coisas novas, que me caracterizam, mas há sempre aquela linha basilar que me vai acompanhar, esteja onde estiver, faça o que fizer.
Em quanto tempo é que foi feito este novo menu? Nós falámos sobre o menu na quinta-feira quando se falou da situação toda e na altura disseram-me para ir com calma. Eu dizia que gostava de mudar e no sábado já tinha o menu feito. São muitos pratos e mudámos tudo. Para mim, é óptimo e para a equipa também.
Mas foi assim porque já havia ideias? Não. Surgiu. É espontâneo. Não tinha nenhum caderno com receitas nem pratos preparados – não tinha e não tenho. O meu caderno são rabiscos. Aquilo nasce, é natural para mim. Se é bom, se é mau, os clientes é que vão dizer.
E o cliente agora vem mais curioso? Sim, já tivemos duas ou três situações em que vinham um bocadinho reticentes e saíram com as expectativas superadas. É o que me motiva todos os dias: os pratos virem limpos para dentro e as pessoas dizerem que gostam.
Um menu feito em tão pouco tempo é um menu de transição? Por isso é que se chama Semente. Isto foi uma mudança que quisemos assumir, mas precisa de afinações. Chama-se Semente porque é uma semente que estamos a colocar na terra. Agora temos de a regar e de lhe dar confiança para que cresça e se comece a complicar um bocadinho a coisa.
Um restaurante como o Feitoria tem espaço para mudar? Sim. Nesta primeira fase, estamos a dar algum tempo para criar aqui um conceito, que se não se torne uma coisa corriqueira. Precisamos deste tempo para haver uma mudança que nos caracterize, queremos dar o nosso cunho. E digo nós porque falo da equipa, é muito importante estas sinergias, eles também são jovens, têm muitas ideias. Afinamos um bocadinho aqui e um bocadinho ali, entre todos. A mudança precisa de tempo e espaço, mas já começou.
Que visão tem para aqui? É uma visão enquadrada nos tempos de hoje: sustentável, sazonal, próximo de quem produz, explicando tudo. É dizer ‘hoje estamos a usar lavagante porque hoje os lavagantes estão incríveis’ ou ‘estamos a fazer um pão com determinado tipo de cereais porque acreditamos que aqueles cereais são os melhores’. É um bocadinho isto, trabalhar muito próximo com produtores pequeninos, biológicos de preferência, envolvendo-os em tudo o que desenvolvemos.
Um chef é melhor cozinheiro quando sai da cozinha? Um chef tem de ser sempre um bom cozinheiro. Sair e viver com as pessoas que produzem é inspirador. Neste patamar da gastronomia, vêem-se muitas coisas. O Instagram é uma ferramenta que tanto pode ser boa como má: a todo o minuto aparecem ideias novas, a criatividade neste momento está super-limitada. Sair permite-nos afinar a criatividade.
É aí que começa o processo criativo? É quase sempre aí, a mexer na horta e nas abelhas. Ou às vezes em conversas entre amigos, entre profissionais, entre a própria equipa.
E é um processo colectivo? Estou a tentar que seja o mais colectivo possível. Para mim é bom e para eles também porque se sentem valorizados. Eu faço o prato na cozinha e toda a gente prova, o pessoal da sala também. Tenho feito esse esforço. Acabo por ter muitas pessoas a dar-me uma opinião distinta. É muito mais fácil assim chegar ao prato, ao empratamento ou ao processo de confecção ideal.
Qual é o maior desafio? É que seja bom.
Nem sempre é fácil conjugar criatividade e sabor. Pode ser muito bonito – e é isso também que tentamos fazer –, pode ser espetacular, a história pode ser incrível, mas tem que ser muito bom.
Saiu do Feitoria para viajar sem planos para regressar, mas acabou por voltar numa posição reforçada… Eu saí na expectativa de não voltar. Não por não querer voltar mais, mas não pensava nisso. Saí para caminhar noutra direcção e conhecer outras coisas. Fiz uma viagem muito profunda e, na altura, fui trocando mensagens com o João [Rodrigues]. O subchefe era o Filipe Carvalho, agora no Fifty Seconds. O Carvalho saiu e o João contactou-me. Porque não? É um sítio de que gosto, senti-me sempre muito bem aqui, fez sentido na altura e ainda bem.
Que legado deixa o João Rodrigues? Deixa um legado muito, muito bom. Um trabalho incrível feito aqui no Feitoria, e, lá está, essa pressão também fica. É bom começar – e vamos assumir isto como um começar – com um legado assim, mas também é desafiante. É uma coisa que vai ficar em foco: o João ter saído e eu ter ficado. Isto pesa um bocadinho e por isso o equilíbrio emocional foi importante.
Sendo o Feitoria apontado há muito tempo para uma segunda estrela, porque é que ainda não aconteceu? O Feitoria tem uma nova página, isso era falado e era associado ao trabalho anterior. O porquê não sei porque o Guia tem os seus critérios. Para mim é muito mais importante pensar na estrela que temos, mantê-la e consolidá-la. A segunda estrela, não sei. Não estou a pensar nisso. Não é o foco principal. Respondendo à Ruben Amorim: jogo a jogo [risos].
Na última passagem do crítico Alfredo Lacerda pelo Feitoria, registaram-se algumas falhas.Há erros identificados? Obviamente que eu identifico erros todos os dias, mas espero não ter críticas dessas mais vez nenhuma. São coisas que nos absorvem. Vir um prato para dentro com um pedacinho de peixe absorve-me imenso. Ter uma crítica dessas é sempre difícil. Para mim, seria um erro dizer que não olhamos e não tentamos melhorar.
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Alfredo Lacerda pergunta...
Ricardo Lopes
Imagino que vá continuar a dar enfoque ao produto português. O que acha que o distingue do chef João Rodrigues, no estilo de cozinha, na técnica, nos sabores?Pergunta difícil. É mais fácil dizer o que me aproxima: respeito pelo produto, respeito pelos produtores, sustentabilidade, sazonalidade. Isto são coisas que vão ser sempre vividas por mim diariamente. Tanto aqui como em minha casa. Se eu trabalho com uma pessoa tanto tempo é porque há muitas coisas que me aproximam dela. As pessoas não são todas iguais e têm sempre coisas que se diferenciam, mas tivemos uma muito boa relação e sempre pensámos de maneira parecida.
Um restaurante que diz inspirar-se na cozinha tradicional portuguesa pode não ter um prato de bacalhau no menu? Já tem. Temos um prato de bacalhau, feito com os samos de bacalhau, uma parte que até era descartada e hoje em dia já é bem mais vista. É um produto que achámos também realmente importante ter. Apesar de não ser um peixe que habite nas nossas águas, caracteriza-se como nosso. Fizemos questão de o ter.
Marlene, a destemida. Marlene, a lutadora. Marlene, a chef. É assim que Marlene Vieira se apresenta no seu novo restaurante de alta cozinha, um sonho há muito adiado. Marlene, assim com a vírgula colada ao nome, está de portas abertas, no Terminal de Cruzeiros de Lisboa, na porta ao lado do Zunzum.
Martín Berasategui fala de si como alguém que só existe como parte de um todo. Em Lisboa, não se cansa de dar créditos ao chef Filipe Carvalho e à chef de pastelaria Maria João Gonçalves, que estão aos comandos da cozinha do Fifty Seconds, e garantem ao chef espanhol uma estrela Michelin também em Portugal. Mas também agradece a todos cujo trabalho parece invisível aos olhos de quem se senta nos seus restaurantes e sem os quais, diz, não seria o cozinheiro que é. Não se esquece nunca de onde vem, tão-pouco tem medo de quem está para chegar.
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