Fala-se muito em tendências de cozinha. Que primeiro era a francesa, depois a espanhola e agora a nórdica. Como encara estas tendências?
Bom, todas confluem. Todas as tendências se encontram, porque todos falamos do mesmo. O que foi a moda da cozinha nórdica foi o que fizemos sempre no Mediterrâneo, que é cozinhar Km zero, com produtos de proximidade. É algo natural para nós, não é sequer discutível. Converteu-se em moda porque se começou a falar disso globalmente. Eu acredito que estamos num momento em que vamos todos um pouco na mesma direcção: há um compromisso com a sustentabilidade, a ecologia, os recursos naturais. Há que cuidar deles e isso começa a ser normal para todos. Também essa revolução tecnológica que houve na cozinha nos últimos anos e essa revolução de produto, de irem todos buscar o melhor produto possível, próximo, autêntico. Tudo isso chegou a um ponto em que a próxima revolução na cozinha é a revolução humanista, onde o mais importante é conhecer as pessoas.
Em que sentido?
Trata-se de fazer felizes os nossos clientes. Não os vão fazer felizes empregados que não sejam felizes e cozinheiros que não sejam felizes. É muito fácil dizer isto, mas aplicá-lo é mais difícil, mas é possível. Acredito que seja uma tendência. [No El Celler de Can Roca] estamos a dedicar muito esforço para cuidar das nossas pessoas, das nossas equipas, a ouvi-las. E converter este mundo tão exigente, tão duro, de horários alargados, a convertê-lo em algo mais humano. E essa é a próxima revolução, a das pessoas. Das que trabalham, das que estão fora, dos clientes, dos fornecedores – as relações humanas são chaves nesta nova ideia da cozinha que não deixará de lado nunca o produto local, nem a tecnologia. Tudo são revoluções que se sobrepõem, não se eliminam, somam-se. Acredito que agora é o momento das pessoas.
Faz uma cozinha de sabor mais tradicional, mas com técnicas modernas e maquinaria. Tem de existir ciência na cozinha?
Não é obrigatório, não é necessário, nem imprescindível. Mas sim, é importante. Nós temos um laboratório, uma oficina de investigação, provavelmente, o maior e mais tecnológico, o mais articulado por especialistas de diferentes âmbitos. A dirigi-lo está uma cientista que dirigia os cursos de ciência e cozinha em Harvard. Se queres revolucionar, se queres ter um compromisso com a criatividade, com a inovação, tens que o fazer. Tens que manter esse diálogo que faz com que continuamente aconteçam coisas que acabam a converter-se em pratos, ideias, projectos. É bom para manter a evolução e a actividade no máximo.
Passa mais tempo no laboratório ou cozinha?
Passo muito tempo na cozinha. Até digo que vivo na cozinha. Durmo em casa, mas vivo na cozinha. E o nosso laboratório é mesmo à frente da cozinha. Passo também tempo aí. No laboratório está parte da minha equipa a trabalhar e eu vou muitas vezes para provar, ter reuniões, definir linhas.
Estava a dizer que tem pessoas de diferentes áreas no seu laboratório. Sei que tem uma psicóloga. É caso raro num restaurante.
Quando falava de cuidar das pessoas, é também isto. Tenho uma psicóloga que se ocupa da questão emocional da equipa. De reunir com chefs de cozinha, com os maîtres, os sommeliers, com miúdos que estão na cozinha, os estagiários. Para moderar as emoções e os conflitos que há numa equipa de trabalho competitiva. Questioná-los e poder tirar de cada um deles o seu melhor. E aproveitar toda essa informação para melhorar a qualidade de vida de quem ali trabalha.
Além de psicólogos, que tipo de áreas de trabalho tem, que não estejam directamente ligadas à cozinha?
Há um botânico que nos ajuda a conhecer o lado silvestre da Província de Girona, há um enólogo que está a gerir uma pequena destilaria. Estamos a fazer bebidas fermentadas, cervejas de frutas, vinhos de frutas, cervejas de outros tipos de grãos, aguardentes de frutas, de ervas, de talos, de flores. Enfim, todo um projecto muito interessante. Há diálogos com artistas, com engenheiros industriais que nos ajudam a desenhar peças para apresentar os nossos pratos, ferramentas que nos permitem contar melhor a história de um prato. O mais importante é que isto mantém sempre a casa viva de projecto, de ideias.
Não é um restaurante só.
Exacto. É um pequeno mundo onde há muitas conexões e projectos. Estamos a pôr em marcha uma fábrica de chocolate, temos geladarias, um espaço de eventos. Muitas coisas que precisam de criatividade. Este centro de investigação também se nutre com os recursos que geram estes pequenos negócios.
Falava-se muito da união dos chefs em Espanha para comunicar e divulgar. Este momento que se vive na Catalunha, pode ser negativo para a cozinha?
Em Portugal está a passar-se algo fantástico, na linha do que se passou em Espanha. Há aqui muito talento, muitos cozinheiros bons e muita tradição. Bons produtos, uma base cultural gastronómica forte. Mas é o talento que faz a revolução. Isto augura um futuro muito bom onde a cozinha portuguesa vai ter uma importância e uma visibilidade a nível internacional forte.
Acredita que possa haver uma união mais ibérica?
Ela existe. Somos amigos. O chef do Alma esteve em Girona, eu cozinhei em eventos no Vila Joya. Há uma conexão, uma amizade, uma ligação. Daí o Guia Michelin ter feito um guia de Espanha e Portugal. É um território conectado, a nível de coincidências a nível de produtos, de técnicas, de cozinhas. Há uma certa aliança entre todos.
Mais forte do que era?
Seguramente. Porque agora há um diálogo comum, uma linguagem comum. Uma forma comum de nos entendermos.
O que conhece da cozinha portuguesa?
Não muito. Estive só duas vezes aqui e em períodos muito curtos. Venho sempre a correr. Estive com o Avillez no Belcanto da última vez, ontem [domingo, 29 de Outubro] estive no Alma. São projectos muito potentes, que têm muito que se lhe diga. Estão a começar a contar uma nova história da cozinha portuguesa, da tradição à modernidade, narrando uma nova visão. Acredito que isso é fantástico. Também estive no restaurante do Joachim Koerper, um profissional magnífico, que traz à mesa a sua óptica e multiculturalidade.