Os teus restaurantes não se ressentem com a ausência?
Tenho a melhor equipa do mundo. Eu amo-os, é a minha família, caralho. O chef executivo, Vítor Adão, foi uma aquisição do caraças, um gajo trabalhador muita parecido comigo. Trabalha comigo há um ano e meio. Abriu comigo o Six Senses [Douro Valley], abriu comigo o Sem Portas , na Comporta. Estamos aqui, vamos renovar o 100 Maneiras.
O novo Sem Portas tem alguma coisa a ver com o 100 Maneiras de Lisboa?
Nada. Tem a ver com o Alentejo.
Estás cada vez mais ligado à natureza?
Sou 100% animal. Cada vez estou mais animalesco. Pesca, caça, natureza, hortas. Planto hortas. Consegui no Douro, com grande apoio da Joana, que é uma bióloga do caraças, agora estou a fazer na Comporta o mesmo. Estou a fazer kimchis, comida fermentada debaixo do chão, a um metro e meio de profundidade. Hortas únicas no mundo, com três mil espécies – está a ser implantado hoje. Hortas biológicas lindas, com a Graça Saraiva, que é da Ervas Finas. Tornámo-nos companheiros de trabalho.
Um bocado na linha nórdica?
Sim, mas muito mais do que os nórdicos fazem. Estamos a falar de hortas a sério. Quero agora começar a ter animais.
Normalmente quem tem muitos restaurantes, tem investimentos por trás. Mas tu tens tudo em nome próprio, certo?
Não quero ter mais restaurantes, não quero ter mais consultorias. Aquilo que tenho é aquilo que me faz feliz. E faço-o pelo prazer, não pelo dinheiro.
Gostas da parte de gestão?
Odeio dinheiro. Mas recursos humanos, adoro. É fundamental. Tens de conhecer as pessoas, quando é que têm dor de cabeça, quando têm a menstruação, quando é que estão em baixo. Tens de apoiá-las. Quando tens crises financeiras, apoiá-los, ajudá-los. Estar com eles é fundamental. Se não, não tens equipa. E eu sozinho faço cachorros, hambúrgueres e pregos numa rulote, caralho. Sem esta equipa não consigo fazer nada.
Sobra-te tempo para criar?
Sim, estou a criar agora. Os sítios em que mais crio são Alentejo e Douro. O Douro é um centro de criação de receitas e ementas porque tenho tudo. Planto, invento, a Joana, o Nick [Nicholas Yarnall, director-geral do hotel, que convidou Ljubomir para o projecto], estão-me todos a ajudar. É uma coisa que floresce todos os dias.
O Douro tem essa capacidade?
Chego lá e desligo-me do mundo inteiro. Só estou ligado à comida. Acordo às sete da manhã, vou treinar o meu boxe, partir sacos.
O Sublime também nasceu de um convite?
Está há dois meses em andamento, nunca publiquei ainda nada. É um projecto recente que está a andar. Apaixonante também. E duvido que haja melhor que isto. São sítios em que os directores e proprietários me entendem. Privilegiam uma coisa que é: quero ir à caça, quero plantar, quero pôr mãos na massa, quero estar na terra, quero ver o produto a crescer, quero criar a minha erva, quero desidratá-la, quero secá-la, quero fazer fogo, quero fazer fumeiro.
Quando vieste pela primeira vez da tua viagem de caravana pela Europa vinhas maluco com o fumeiro e os fumos. É isso que estás a fazer agora?
Foi uma coisa que me influenciou muito e finalmente consegui pô-la em prática. Demorou alguns anos, nada é imediato. Ninguém é super-homem, nem eu sou. Foda-se. Tenho muitas falhas, humanas. Temos falhas, tantos erros cometidos na vida. Hoje sou um gajo de sucesso, mas já fali meio milhão de euros, caralho. Em Cascais. Já me fodi todo.
Também me lembro, nessa mesma altura, de teres aparecido de surpresa no restaurante porque a tua equipa estava à deriva. Não tens medo que, com tantos restaurantes, aconteça o mesmo?
Na altura estava instalado o caos. Muita gente teve de sair. Não estava a correr bem, estavam a desleixar no trabalho - é normal. Quando um líder não está presente, as pessoas começam a desleixar. Mas agora não, porque estou muito presente. Posso passar cinco dias no Six Senses e os outros cinco na Comporta mas os outros 21 estou aqui. E tenho que estar. Não dá para me ausentar muito. Mas se me der na mona daqui a uns anos ir fazer a mesma coisa, a volta à América do Sul, vou fazê-lo, de caravana.
Esse teu lado da natureza, que gostas e que estás a trabalhar mais, consegues ter alguma facilidade para pô-lo em prática em Lisboa?
Não tenho, seria mentira dizer que sim. Tenho quando saio daqui, da ponte para fora, quando vou para o Alentejo. Em Lisboa é difícil. Primeiro porque não tenho hortas, não tenho capacidades, há muita toxina, dióxido de carbono e merdas que estão a sair dos carros. Se a Câmara de Lisboa me cedesse um terreno em Monsanto, eu amava.
Mas há hortas urbanas.
Gostava de ter a minha, que me dessem para eu desenvolver. E o único sítio que vejo é Monsanto. É perto, é fácil, dá para ter uma horta organizada, bem feita.
Como é que vieste parar a Portugal?
Foi um acaso. Tive de sair da Jugoslávia, estava farto, não estava a correr bem. E tinha cá uma irmã, a Natasa. Ela foi-se embora e eu fiquei. Já estou cá há 20 anos. Fascinei-me com Portugal. Saí muitas vezes daqui. Chateei-me. Fui viver para a China, África, Espanha, França. Várias vezes. Ia trabalhar fora, mas voltava sempre porque amava isto. Amo isto, isto é lindo. Portugal para mim é o sítio mais pequeno do mundo, que tem toda a diversidade do mundo. Tem das mais belas cidades, tem pessoas no interior que são o povo mais puro do mundo, caraças, tem uma pesca linda, uma natureza linda, tem neve, tem serra, tem produtos únicos, microclima lindo. Acho que a minha grande paixão veio pelas pessoas. Porque nunca me senti emigrante aqui.
Tiveste alguma barreira com o português?
Não, aprendi rapidamente na cama com as mulheres. Não fui à escola, aprendi com namoradas que tinha. Tinha que me safar, falava mal inglês na altura.
E cozinha? Tu começaste numa padaria, não foi?
Era puto, comecei com 14 anos. Estava a necessitar de sustentar a família. E comecei a trabalhar à noite na padaria e de dia ia para a escola. Dormia no autocarro, nas aulas. Não havia hipótese, não havia nada para comer, era fodido. Era uma vida complicada. Emigração dentro da guerra, és um refugiado.
Foi o primeiro contacto com a cozinha?
Não nasci para ser cozinheiro. Essas tretas que os cozinheiros contam todos, “andei a cozinhar com a minha avó e a minha tia e desde aí sinto a cena”; “vendi empadas na praia”. Isso são histórias para encher o cu de alguém. Uma pessoa sabe o que quer fazer da vida lá para os 18 anos. A cozinha bateu-me seriamente aos 18, 19 anos.
Tu não sendo português tens uma coisa muito típica dos portugueses que é o desenrascanço.
Vocês são um povo desenrascado e por isso é que me identifiquei tanto. Se não fosse desenrascado estava lixado. Não estava onde estou. Continuava a ser um emigrante a trabalhar nas obras.
Estudaste cozinha cá?
Nunca estudei cozinha, sou autodidacta, fui estagiar para os melhores sítios do mundo. Cozinhar com grandes cozinheiros, aprender com eles. Decidi dar o corpo às chibatadas. Estive um ano sem receber, a trabalhar de borla para aprender a cozinhar. Tirei alguns cursos importantes, entretanto, que hoje me ajudam, cursos de base. O maior curso que tirei? O curso da vida. Depois li muita coisa, acompanhei muitas formações da cozinha.
Curiosamente tens coisas parecidas com o Marco Pierre White [chef britânico, conhecido por ter devolvido as três estrelas Michelin que ganhou, por ser um apaixonado pela natureza e por ter aprendido a trabalhar em grandes cozinhas].
Há um gajo que diz que sou a cara chapada dele, que é o Henrique Sá Pessoa. Que nunca viu uma pessoa tão parecida, que parecemos gémeos. Um enfant terrible. Respeito-o muito, adoro a política de vida dele. Acho que é muito exigente com ele próprio, que se retirou quando lhe apeteceu da cozinha. Fez aquilo que conseguia. Se o guia Michelin tivesse dez estrelas acho que ele não parava até atingir a décima. Como conseguiu atingir o objectivo aos 30 e poucos anos, cagou na cena. Curiosamente, o primeiro dia em que ele entrou na cozinha foi o dia em que eu nasci, em 1978.
Tens aquela ambição das estrelas Michelin?
Não te digo que tenho ou não tenho. Acho que é uma cenoura para os burros. Nada a favor, nada contra. Adoro ir a restaurantes com estrela Michelin. Mas no meu negócio, como sou eu o dono, como sou eu que o pago, faz-me confusão. Já trabalhei em Cascais para ganhar uma estrela Michelin, dediquei-me a isso cinco anos e fui à falência. E a partir daí decidi criar negócios que dão felicidade às pessoas. Ponto final. Não penso nisso, sinceramente. Tu não trabalhas para a estrela, trabalhas para o teu cliente, para lhe dar prazer. Quem paga contas é o cliente, caralho. Se a estrela vier ou não vier é uma coisa que tem de acontecer sozinha. Estou-me a arrepiar a dizer-te esta merda. Se for natural, é óptimo. Se é o objectivo da vida, fuck off. A minha cena é ir ao mato, sacar a caçadeira, dar tiros nos animais, dar-lhes uma morte digna, depená-los, os pombos, etc. Cuidá-los, dar-lhes beijinhos, desossá-los. Cuidar da anatomia deles. Ir à pesca, sacar o meu peixinho, sentir a vida, acolhê-la. Aquela adrenalina que está na cana. Foda-se, é tão boa. Adoro a Ilha do Farol por causa disso. Estou ali a ter uma luta com o animal, a cuidar dele. Isto vale mais do que dez estrelas Michelin.
Já pescavas e caçavas em miúdo?
A primeira vez que tive contacto com a pesca foi com o meu pai. Nunca tive uma boa relação com ele - hoje em dia gosto dele, já morreu. Foi a primeira pessoa que me meteu uma cana na mão, acho que tinha cinco, seis anos. Tal como meti aos meus filhos. Os dois já pescam. Adoro a pesca porque é uma adrenalina única. Também mergulho. Faço-o constantemente, com o Alfredo [um dos directores] da Tunipex que é um grande homem, que me deixa mergulhar dentro de água, com milhares de atuns. [Pausa par mostrar uma série de vídeos no fundo do mar, entre Tavira e Espanha.] O Alfredo atira-me cavalas para cima e os atuns vêm comer em cima de mim. Abro os braços e amo esta merda. Que se lixem as estrelas Michelin. Mil vezes isto.