Se há coisa que não queremos é ouvi-lo a dizer: “Não vou ao teatro faz agora três anos”. Deixamos-lhe as peças de teatro para ver esta semana em Lisboa.
Não há um auditório, nem um espaço de apresentação. A água que corre pelos canos não é potável. O arquivo corre o risco de se perder. Aos 75 anos de actividade ininterrupta, o TUP – Teatro Universitário do Porto – convive com estas condições precárias, mas persiste. Persiste e resiste, em nome da arte teatral e da vontade de contar novas histórias todos os anos. Histórias estas que reflectem e fazem parte do TUP. Este ano, na 23.ª edição do FATAL, o TUP é homenageado pelos seus 75 anos e ainda sobe ao palco para apresentar um novo espectáculo que, com os 50 anos do 25 de Abril ainda em mente, põe os holofotes nos problemas que se vivem hoje. No FATAL, este e outros grupos de teatro académico tornam o palco num centro de resistência e de vulnerabilidade humana.
O teatro académico remonta ao período pré-revolucionário em Portugal. Nasceu como um lugar de liberdade e como teatro de resistência: as criações artísticas respondiam a tempos difíceis. Com o 25 de Abril, a mordaça caía por terra e avizinhavam-se menos inquietações e novas esperanças. Nos palcos, abria-se espaço a infinitas possibilidades. Porém, nunca o teatro académico se dissociaria completamente da sua natureza. Isso é algo que se sente ainda hoje. “[O teatro académico] perpetua os ideais de humanismo, de liberdade, de criação artística livre de concepções e de ideias preconcebidas daquilo que era o teatro clássico. Portanto, nem podemos considerar o teatro académico teatro amador precisamente pela história que tem e pela função que continua a ter, que é importante e espero que estas novas gerações que vão entrando nos grupos continuem a ter esta missão”, reflecte Maria João Fernandes, produtora executiva do FATAL.
O festival, criado em 1999, quer criar um espaço de liberdade, partilha e humanismo, em que grupos de teatro como o TUT (Teatro Académico da Universidade de Lisboa), o ARTEC (Grupo de Teatro da Faculdade de Letras de Lisboa) e o GTN (Grupo de Teatro da Nova) apresentam diferentes propostas que, assinadas por um encenador convidado ou concebidas num processo de colaboração colectiva, abordam a actualidade, desde questões relacionadas com problemas mentais à crise da habitação. Muitas vezes, o que move um projecto também é a vontade de passar uma mensagem, quer seja política ou social.
“Não somos alheios às coisas que estão a acontecer à nossa volta e nós próprios experienciamos os problemas que referimos. O próprio TUP é a companhia de teatro mais antiga da cidade do Porto com uma sede provisória, sem condições ideais de trabalho artístico”, relata Sandra Pinheiro, presidente da direcção do Teatro Universitário do Porto. É deste lugar que parte a criação dos seus espectáculos. “O facto de estarmos nesta associação também nos leva imediatamente a ter uma vontade de lutar por um espaço digno para a nossa associação, para termos melhores condições de trabalho artístico.”
No panorama do teatro universitário, o TUP não é um caso isolado. Uns vão sobrevivendo, outros chegam mesmo a encerrar, devido à falta de condições e de financiamento. “Na nossa Faculdade de Direito, o Cénico, que era o grupo mais antigo de Lisboa, há anos que não tem actividade. A associação de estudantes cortou o financiamento e há associações de estudantes que não têm essa sensibilidade de perceber a importância que o teatro académico tem, que já teve e que sempre terá”, realça a produtora executiva do FATAL.
Porém, enquanto alguns destes grupos vão fechando portas, vários continuam a manter-se à tona. Com mais ou menos condições para trabalhar, os grupos arranjam forma de continuarem em cena e de perpetuarem a sua missão. A renovação, algo regular, das companhias de teatro acaba por desempenhar um papel na sobrevivência das mesmas. De portas sempre abertas, os grupos vão recebendo novas pessoas, os actores e encenadores vão mudando e consigo as peças apresentadas. É o caso do GTIST, o Grupo de Teatro do Instituto Superior Técnico, que, já tendo sido forçado a parar em tempos, continua activo e todos os anos vive esta dinâmica.
“A cada ano são pessoas diferentes que trazem perspectivas diferentes, que trazem experiências, desejos diferentes, necessidades diferentes e isso acaba por influenciar o processo, uma vez que esse processo também é partilhado. Pelo menos tem sido assim, tem existido essa abertura e essa possibilidade para nós também termos essa influência no processo”, explica Anabela Caetano, um dos membros que dá apoio à coordenação e produção do GTIST. Porém, algo que não muda e que se revela parte da identidade do grupo é a vontade de falar em torno de temáticas que, de uma forma ou de outra, tocam a todos, tornando a acção artística do grupo intemporal.
Ao dar um palco e uma possibilidade aos grupos de teatro académico de mostrarem o seu trabalho, o FATAL conta criar um epicentro de diálogo e cruzamento de ideias que promovam uma reflexão por parte do público, sem nunca esquecer a importância do teatro académico no panorama social e político e o seu papel como acto de resistência. Entre 16 e 25 de Maio, o FATAL apresenta 14 espectáculos, repartidos em três categorias: Competição, FATAL Convida e Mais FATAL. Os espectáculos são apresentados em quatro locais da cidade: o Cine-Teatro Turim, o Auditório Carlos Paredes, a Cantina Velha e o Grande Auditório do ISCTE.