Cem caras, cem dados estatísticos, numa peça que leva ao palco da Culturgest o espelho da cidade. Fomos ver 100% Lisboa e trouxemos de lá as pessoas que dão corpo à história.
Chega em Fevereiro à Culturgest e leva ao palco cem rostos, todos representativos de um dado da cidade. Na 100% Lisboa não há actores, é a realidade de cada uma das pessoas, escolhidas como uma reacção em cadeia – cada participante indica um outro – que faz a peça.
O projecto, iniciado pela mão da companhia de teatro alemã Rimini Protokoll, teve início em 2008 quando Helgard Haug, Stefan Kaegi e Daniel Wetzel trouxeram a cidade de Berlim ao palco. Ali, cada uma das cem pessoas é uma peça, cada peça uma percentagem representativa da cidade que ajuda a construir um só corpo a 100 cabeças. “O que podemos fazer com o projecto é espelhar a cidade como ela é e categorizá-la dentro da sociedade”, explica Helgard, “é ter toda a cidade em palco, representada por 100 pessoas. E, com elas, podemos mostrar o quão diversa é, as contradições, todo o espectro emocional – quem está sozinho, quem está conectado, as grandes problemáticas.”
Há amizades que se formam, ódios que nascem, amores que florescem. Entramos na pequena sala, no segundo andar, onde está o último grupo do dia, 25, 26 pessoas. É a primeira vez que chegam ao 100%. Começam uma série de exercícios, apresentam-se, levam consigo objectos justificativos dos pedaços que os compõem. Livro, almofada, andas, garrafa, todos eles de sorriso e nervosismo palpável à medida que se aproximam do microfone que é ferozmente disputado pelos mais novos do grupo.
Patrícia Carvalho e Leonor Cabral foram as responsáveis pelo casting. “Tivemos uma primeira reunião com a PORDATA em que a ideia era conseguir reunir os vários dados”, começa por explicar Patrícia, “o objectivo era construir um esquema do tipo de pessoas que temos em Lisboa a partir do sexo, idade, nacionalidade, composição familiar, local de residência e, a partir desse esqueleto, começámos a procurar pessoas que pudessem construir o puzzle.”
A aventura levou-as a vários pontos da cidade onde o quotidiano nunca chegaria, fizeram contactos, procuraram incessantemente até que o quadro estivesse verdadeiramente representativo, refere Leonor. Termina a apresentação: palmas, abraços, a promessa do regresso para o primeiro ensaio geral.
Sexta, 19.30, porta do grande auditório. Chegam aos poucos, caras novas, caras conhecidas, expectantes, apinham-se à entrada e apressam-nos ao começo do ensaio. No palco, a intimidade torna-se um pedaço de todos, cruzam-se histórias. O passado, o presente, relatos de solidão, de esperança, lisboetas de gema e de apego ao peito, com os anos. Os risos enchem o espaço, as queixas sobre o quadro onde o guião vai aparecendo multiplicam-se nos mais velhos. O 100% está em andamento, os exercícios, consideravelmente mais povoados que na sessão anterior, são comandados por Stefan em palco e por Helgar na plateia.
A moldura compõe-se, cada figura conta uma história e tudo tem de estar preparado para a estreia, esta sexta-feira dia 1 de Fevereiro.
Pouco mais de uma hora passada, há pausa para jantar. Dos medos, da partilha, de tudo o que inquietava ao princípio, pouco sobra nas caras. E é aqui que ficamos a perceber que a cor, o sexo, o credo ou os caminhos pouco importam. Lisboa é diferença, e essa é e será sempre a beleza da cidade.
Rua do Arco do Cego, 77 (Culturgest). 1, 2, 3, 8, 9 e 10 de Fevereiro. 7€-14€.