© Manuel Manso
© Manuel Manso

Lisboa inteira em palco

Os Rimini Protokoll partem das estatísticas reais para desenhar a história de Lisboa na Culturgest

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Cem caras, cem dados estatísticos, numa peça que leva ao palco da Culturgest o espelho da cidade. Fomos ver 100% Lisboa e trouxemos de lá as pessoas que dão corpo à história.

Chega em Fevereiro à Culturgest e leva ao palco cem rostos, todos representativos de um dado da cidade. Na 100% Lisboa não há actores, é a realidade de cada uma das pessoas, escolhidas como uma reacção em cadeia – cada participante indica um outro – que faz a peça.

O projecto, iniciado pela mão da companhia de teatro alemã Rimini Protokoll, teve início em 2008 quando Helgard Haug, Stefan Kaegi e Daniel Wetzel trouxeram a cidade de Berlim ao palco. Ali, cada uma das cem pessoas é uma peça, cada peça uma percentagem representativa da cidade que ajuda a construir um só corpo a 100 cabeças. “O que podemos fazer com o projecto é espelhar a cidade como ela é e categorizá-la dentro da sociedade”, explica Helgard, “é ter toda a cidade em palco, representada por 100 pessoas. E, com elas, podemos mostrar o quão diversa é, as contradições, todo o espectro emocional – quem está sozinho, quem está conectado, as grandes problemáticas.”

Há amizades que se formam, ódios que nascem, amores que florescem. Entramos na pequena sala, no segundo andar, onde está o último grupo do dia, 25, 26 pessoas. É a primeira vez que chegam ao 100%. Começam uma série de exercícios, apresentam-se, levam consigo objectos justificativos dos pedaços que os compõem. Livro, almofada, andas, garrafa, todos eles de sorriso e nervosismo palpável à medida que se aproximam do microfone que é ferozmente disputado pelos mais novos do grupo.

Patrícia Carvalho e Leonor Cabral foram as responsáveis pelo casting. “Tivemos uma primeira reunião com a PORDATA em que a ideia era conseguir reunir os vários dados”, começa por explicar Patrícia, “o objectivo era construir um esquema do tipo de pessoas que temos em Lisboa a partir do sexo, idade, nacionalidade, composição familiar, local de residência e, a partir desse esqueleto, começámos a procurar pessoas que pudessem construir o puzzle.”

A aventura levou-as a vários pontos da cidade onde o quotidiano nunca chegaria, fizeram contactos, procuraram incessantemente até que o quadro estivesse verdadeiramente representativo, refere Leonor. Termina a apresentação: palmas, abraços, a promessa do regresso para o primeiro ensaio geral.

Sexta, 19.30, porta do grande auditório. Chegam aos poucos, caras novas, caras conhecidas, expectantes, apinham-se à entrada e apressam-nos ao começo do ensaio. No palco, a intimidade torna-se um pedaço de todos, cruzam-se histórias. O passado, o presente, relatos de solidão, de esperança, lisboetas de gema e de apego ao peito, com os anos. Os risos enchem o espaço, as queixas sobre o quadro onde o guião vai aparecendo multiplicam-se nos mais velhos. O 100% está em andamento, os exercícios, consideravelmente mais povoados que na sessão anterior, são comandados por Stefan em palco e por Helgar na plateia.

A moldura compõe-se, cada figura conta uma história e tudo tem de estar preparado para a estreia, esta sexta-feira dia 1 de Fevereiro.

Pouco mais de uma hora passada, há pausa para jantar. Dos medos, da partilha, de tudo o que inquietava ao princípio, pouco sobra nas caras. E é aqui que ficamos a perceber que a cor, o sexo, o credo ou os caminhos pouco importam. Lisboa é diferença, e essa é e será sempre a beleza da cidade.

Rua do Arco do Cego, 77 (Culturgest). 1, 2, 3, 8, 9 e 10 de Fevereiro. 7€-14€.

Cinco de cem

Valentina Vasconcelos - População brasileira

Nasceu em Curitiba há 19 anos mas a família tem sangue italiano. Por cá, estuda Sociologia na FCSH, depois da passagem pelo Algarve em 2017. Chegou ao 100% Lisboa por via de um amigo, que lhe enviou o material sobre a iniciativa. Valentina é apaixonada por política, acérrima defensora da esquerda, e o que a trouxe a Lisboa, diz, foi paixão. “Desde a primeira vez que vim visitar a cidade, fiquei apaixonada. Gosto da arquitectura, das pessoas, há gente do mundo todo. Gosto do clima.”

António Ribeiro - População Masculina

Saiu de casa, em Lamego, e veio à sorte para Lisboa ainda os aguadeiros enchiam o Martim Moniz. Os tios, que cá viviam, deram-lhe quarto, e António apaixonou-se pela cidade, num amor que aos 88 anos ainda pulsa. Chegou ao 100% Lisboa através de uma entrevista que, desconfia, foi o neto que
lhe arranjou. Tem na voz de Luís Piçarra uma paixão, e de Lisboa guarda as memórias e a beleza da travessia da ponte 25 de Abril.

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Carla Dias - População residente na zona ocidental da cidade / População feminina

Nasceu em Moçambique mas tem origens goesas. Chegou a Portugal depois da Independência da ex-colónia e hoje, aos
49, é enfermeira na ala de Obstetrícia do Hospital São Francisco Xavier. Chegou ao 100% Lisboa através de uma vizinha. Gosta de bebés e do centro de Lisboa. “Gosto de quando chego a Lisboa vinda da Margem Sul, ver a cidade do outro lado do rio, aí sinto que estou a chegar a casa.”

Manuel Santos - População angolana

Nasceu em Luanda há 47 anos e cresceu numa família de 21 irmãos. Apanhou o ambiente do nascimento da nação, fez serviço militar obrigatório em tempo de guerra e trabalhou 25 anos no Ministério do Interior de Angola. Em 2006 fez casa em Lisboa. Chegou ao 100% Lisboa através da amiga Mariana e levou a mulher e o filho. Gosta de dançar e dispensa os copos. De Lisboa guarda a luz da cidade, que diz ser “harmoniosa”.

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Carla Oliveira - População com mobilidade reduzida

42 anos, licenciada em Contabilidade e Administração no ramo de Gestão e Administração Pública. Chegou ao 100% Lisboa através de uma associação à qual pertence, e tem na bandeira a representação das pessoas com mobilidade reduzida. Já fez teatro, e isso, diz, fez com que tivesse “um bocadinho mais de noção” sobre as cordas do ofício. De Lisboa guarda a liberdade: “Apesar de nós ainda termos muitas limitações, acredito que em Lisboa estamos bastante melhor do que noutras zonas do país.”

Mais palco

  • Miúdos

Teatro, cinema, passeios, exposições, workshops de tudo e mais alguma coisa, sessões de leitura, visitas guiadas e muito mais actividades para descobrir Lisboa e arredores, sempre com os miúdos a reboque (sejam bebés ou pré-adolescentes). Se ao longo do ano há mais de 101 coisas para fazer com crianças na cidade, num fim-de-semana perfeito em família também não queremos que lhe falte nada. Aqui ficam algumas sugestões para encher o seu sábado e domingo, até os putos ficarem sem pilha e ser quase hora de voltar para a escola outra vez.  

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