Arte, Performance, An Artist Is Always Working, Pedro Barreiro
©DRAn Artist Is Always Working de Pedro Barreiro
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Pedro Barreiro: “O artista está sempre a trabalhar”

‘An Artist Is Always Working’ é a mais recente peça performativa de Pedro Barreiro e pode ser acompanhada online, em permanência. Falámos com o criador.

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Gráficos, números, estatísticas, mapas, geolocalizações. É pouco comum vermos estes dados associados ao trabalho artístico, e é ainda mais raro quando são eles o cerne do projecto, como acontece em An Artist Is Always Working. A mais recente criação de Pedro Barreiro é uma performance ininterrupta, com prazo indeterminado, que pode ser acompanhada através do site www.alwaysworking.art, onde o artista e programador do espaço Rua das Gaivotas 6, em Lisboa, regista os momentos em que lhe vêm ideias à cabeça, e o respectivo dia, hora e local. A julgar pelos dados até agora publicados, é à noite que Pedro Barreiro se sente mais iluminado. “Quando o Sol se põe eu vejo melhor.”

Não temos acesso às ideias propriamente ditas, apenas à sua sinalização. O que interessa captar desta peça é a sua operatividade. Esta revela a constância, o tempo despendido e o valor intrínseco do trabalho artístico, cujo capital diferencial são as ideias, mesmo antes de serem formalizadas, materializadas e legitimadas na cadeia entre artistas, programadores e financiadores (Marx com certeza teria alguma coisa a dizer sobre isto). A acompanhar de perto esta performance estão Eduarda Neves, Jorge Louraço Figueira, João Estevens e Telma João Santos, que irão escrever textos críticos – mas isso não impede que outras pessoas se “posicionem” sobre o projecto, diz Pedro Barreiro. Ele está de peito aberto a ouvir críticas, reflexões, opiniões.

Artista, Programador, Rua das Gaivotas 6, Pedro Barreiro

Esta performance é bastante singular. Como te lembraste disto? Teve alguma coisa a ver com confinamentos e pandemias?
Não. Na verdade, é uma proposta que estava configurada desta forma muito antes de terem aparecido as primeiras notícias sobre a pandemia. Quando nós nos vimos a braços com o confinamento e com propostas performativas por veículo web, foi uma coisa que me aborreceu um bocado.

Deixou de ser uma ideia pioneira.
Não tem a ver com pioneirismo. Tem mais a ver com uma sincronização maioritária à qual eu tento escapar. Aqui vi que não ia conseguir escapar tão airosamente.

O teu objectivo é também provocar uma reflexão sobre o trabalho artístico, que vai além do momento dos ensaios e de apresentação? Há todo um processo de trabalho por trás, normalmente invisível.
Sim. Mas mais do que a ideia do processo, o que eu faço com esta operação é colocar dentro do objecto performativo tudo o que acontece ou que pode acontecer. Não existe um período pré-performativo nem pós-performativo. A partir do momento em que a coisa começou a produzir efeito, ou seja, a partir da meia-noite de 11/11 de 2020, tudo conta como material poético e potencialmente público. Assim conseguimos quebrar alguns limites disciplinares daquilo que é ou que não é.

Esta performance também faz pensar nas relações e hierarquias entre artistas, programadores, instituições...
Sim, e financiadores. Tanto o meu trabalho artístico, que precede esta performance, como o meu trabalho como programador reclamam sempre soberania para o artista. O artista é o soberano, mas claro que está envolvido numa relação de interdependência que, muitas vezes, coloca em causa a sua possibilidade de continuar a trabalhar, de continuar a ter ideias ou de continuar a poder trabalhar como artista. Essa interdependência é dominante, por isso é que esta proposta sugere uma outra forma de olharmos para isto. Eu procuro colocar-me fora dessas dependências, ou questionar essas dependências de uma forma mais radical.

Também registas as tuas ideias enquanto programador? Imaginemos que tens uma ideia para fazer um ciclo de programação na Rua das Gaivotas. Isso conta?
Conta tudo. Tenho uma ideia de alguma coisa que quero fazer nas Gaivotas ou noutro sítio qualquer como programador: se ela me parecer suficientemente interessante para eu a registar, registo-a. Se ela depois acontecer é uma coisa à parte, não é um filho desta performance. Nem sequer a sinalização das ideias tem como objectivo primordial a sua materialização num objecto fora deste escopo. Pode acontecer, mas também pode não acontecer.

Ou seja, a produtividade não comanda a acção.
Aqui a produtividade é 100%, sempre, porque ela não depende de os objectos se materializarem, para além deste, que já está em constante materialização. O artista está sempre a trabalhar, independentemente do que aconteça com o seu trabalho, ou daquilo que resulte do seu trabalho. Ainda que o que está sempre a resultar do seu trabalho, neste caso, é esta performance. É uma coisa bastante concêntrica e auto-reflexiva.

Sim. Mas a finalidade não é materializar as ideias.
Na verdade, é materializar constantemente a ideia de poder continuar a ter ideias [risos].

Certo. Disseste que algumas destas ideias podem vir a ser transformadas em projectos à parte, ou não. Já sentiste essa vontade?
Já, bastante. Mas algumas delas custariam 300 mil euros, outras são coisas logisticamente difíceis, outras são autênticas impossibilidades formais. Mas não deixam de merecer ser consideradas como possibilidades.

Não queres revelar nenhuma delas?
Não faço grande questão, mas se alguém estiver mesmo interessado em saber, aí podemos falar de outra forma. Até para eu perceber para quê, porque neste momento aquilo que interessa saber é a ideia inerente a esta peça. Aquilo em que estou a pensar é abstracto e é incógnito para vocês, para os espectadores. Não sabem qual é a ideia que foi tida naquele sítio àquela hora, naquele dia. Podem vir a saber, mas aí já me parece que devíamos estar a falar de outro capital e de outro sistema de troca, porque as ideias dão trabalho.

Queres com isso dizer que o facto de um artista ter ideias não é valorizado?
Não necessariamente… Ora bem, não há nada aqui em que isso seja dito de forma tão taxativa. O valor das coisas, em primeiro lugar, é o valor que eu lhes atribuo e, em segundo lugar, aquele que é atribuído por instituições, por públicos, programadores, financiadores. São valores muito diferentes, que raramente coincidem – digo isto em relação às ideias artísticas em geral. Antes de mais, são muito mal pagas. Neste país, então, são valores que ditos em voz alta até fazem corar.

E esses valores, com excepção dos financiamentos públicos, raramente passam cá para fora.
Exactamente. São valores que deviam ser, sei lá, dez vezes mais.

Numa situação ideal.
Não, numa situação ideal seriam 100 vezes mais.

Já pensaste em meter outros artistas ao barulho? Em modo colaborativo?
Esta peça não se presta a isso. É um solo, se assim quisermos chamar. Mas meter outros artistas ao barulho é uma inevitabilidade a partir do momento em que esta performance sai à rua, em que se sabe que ela está a acontecer, em que ela é financiada pelo Estado. Na verdade, com isto eu quero meter todos os artistas ao barulho, para que comigo, sozinhos ou com outras pessoas, pensem sobre o seu trabalho, o valor do seu trabalho, sobre a relação dos artistas com os sujeitos mediadores e os sujeitos financiadores.

Parece-me, pelo menos no pré-pandemia, que a lógica dominante das programações era querer que os artistas estivessem a estrear projectos novos a um ritmo muito rápido, e com valores de co-produção muito baixos.
Sim, estás a ver muito bem o filme. Daí isto também ter a ver com isso. As instituições não têm de querer ou deixar de querer porque a verdade é que os artistas estão sempre a trabalhar. A troca é que me parece muito desequilibrada: exigir do artista ou de uma estrutura este ritmo de apresentação pública de objectos diferentes impõe um tempo que não tem de ser o tempo de todos os artistas.

Como se fosse uma fábrica.
Exactamente. Não pode funcionar assim, porque estamos a pôr em causa grande parte daquilo que poderá motivar ou provocar a singularidade, a individualidade poética ou novas formas de mundo. Assim, corremos o risco de daqui a uns anos não conseguirmos construir uma frase.

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