É muito surpreendente que este espectáculo tenha sido construído a partir de um livro tão complexo, polémico e existencial. Qual a sua reacção, quando foi abordada pela primeira vez para este projecto?
Foi a mesma coisa que você sentiu. Quando recebi o convite, eu falei: mas aonde é que isso pode virar uma literatura criativa? Porque não é. É um livro filosófico, científico, histórico, poético. De onde é que isso vai sair? Mas com a ideia de falar sobre a humanidade, do ponto de vista da narradora – uma mulher, um sapiens fêmea, narrando a história da humanidade –, teve uma curiosidade, foi uma surpresa. E você fica meio no limbo, não é? Eu não tinha texto, não sabia o que era o texto. A Alessandra Reis, que é a nossa produtora, me convidou inicialmente. Depois, o Rodrigo Portella, que era o director e que não tinha lido o livro, foi convidado e topou fazer sem ler o livro. Eu não conhecia o Rodrigo, não conhecia a Alessandra, não conhecia nem o Felipe Heráclito, que é o idealizador do projecto. Eu só conhecia o livro.
Fiquei surpresa. Topei, não é? Foi um impulso, realmente. Como é que nós vamos falar isso no teatro? Era óbvio, porque o teatro é um espaço absurdo de arte, de imaginação. E o Rodrigo é um director que já fez não sei quantas peças, apesar de ser jovem. Ele nasceu praticamente fazendo teatro. Ele ficou seis meses trabalhando na adaptação, e os textos iam chegando. À medida que os textos iam chegando, nós íamos estudando e tentando transformar aquilo em alguma coisa. Então, a gente não sabe se é uma peça, se é uma jam session, não é bem um sketch, são várias personagens narrando a história da humanidade.
Mesmo havendo alguma confiança, dizer sim também envolveu uma dose de risco?
Total. Foi totalmente no escuro. A gente brinca que o espetáculo foi todo movido pela paixão. O que nos conduziu foi essa paixão cega por uma obra e pelo Homo sapiens. Mas todo o mundo que entrou nesse projecto, de alguma forma, entrou no escuro, sem saber como é que ia ser do outro lado do túnel.