No registo de reviver memórias antigas da terra, a guesthouse Train Spot é o sítio ideal para se entregar a um merecido descanso. O nome não deixa margem para dúvidas: a ocupar o edifício da antiga estação ferroviária de Marvão, tem sete quartos duplos, dois apartamentos familiares e uma sala de estar deslumbrante que ainda preserva o chão em xadrez, os azulejos centenários nas paredes e uma meia dúzia de janelas rasgadas para os carris. Lá dentro, convivem móveis contemporâneos com peças de artesãos locais e a biblioteca, bem recheada de livros de autores portugueses e jogos de tabuleiro, é a única alternativa à televisão, que é objecto que não existe em parte nenhuma da casa. Para aproveitar o tempo, que aqui corre lento entre o silêncio profundo e o canto dos pássaros, há uma novidade que vai querer experimentar: passeios em quadriciclos movidos a pedal, no fundo uns carrinhos de quatro rodas, que viajam na linha férrea até Castelo de Vide (€20 por pessoa, disponível também para o público em geral). Ainda este ano deve abrir o novo bar no armazém da estação. A partir de 60€ (quarto com wc privado).
Durante a ditadura, o café produzido em Portugal não podia sair para Espanha e, portanto, decretou o Estado Novo que qualquer tentativa de o vender por lá seria punida com pena de prisão. Ora isto para quem vivia da venda de café era um contratempo, mas nem por isso um impedimento. Lá encontraram maneira de contrabandeá-lo para o país vizinho, escapando (às vezes, outras nem por isso) às vigias apertadas de guardas e carabineiros que patrulhavam a raia.
De Marvão e das aldeias vizinhas, onde na altura havia meia dúzia de torrefacções em actividade, noite sim, noite sim partiam grupos de corajosos em direcção a La Fontañera com sacos de café cru às costas. O caminho fazia-se a pé, à noite, e durava até de manhã. Eram 10 km em direcção à fronteira com Espanha com sacos de café às costas, que nem sempre lá chegavam. Os homens com os mais pesados, de 60 kg, e as mulheres com os mais pequenos, de 20 kg. O percurso de 10 km fazia-se a pé pela Serra de São Mamede adentro, no breu total, levando geralmente a noite inteira a caminhar. De Espanha trazia-se dinheiro (muito) e todo o tipo de produtos que se pudesse vender nas aldeias – a bombazine, por exemplo, na altura, valia o risco.
O tempo passou e hoje aquele que é conhecido como o “Percurso do Contrabando do Café” no Alto Alentejo virou passeio turístico, apadrinhado pela Câmara Municipal de Marvão, que anualmente organiza uma caminhada comentada na primeira pessoa por quem sobreviveu à clandestinidade. Integrado na Rede de Percursos de Natureza da região, reduziu-se ligeiramente a rota para 6 km, num trajecto fácil que se estima que seja cumprido em cerca de 2h30.
A partida dá-se junto ao cemitério da pequena aldeia de Galegos, segue pelo Monte de Baixo, e já na chegada a Pitaranha é possível avistar a povoação espanhola La Fontañera, onde se fazia a venda e troca de mercadoria. Pelo caminho, há uma subida de 206 metros e uma passagem sinuosa por um conjunto de escarpas que exigem alguma resistência de pernas, mas que valem bem o esforço pela vista desafogada para o castelo de Marvão. Como companhia de viagem, apenas o bosque cerrado de sobreiros, meia dúzia de terrenos agrícolas e um pequeno curso de água. Se fugir ligeiramente da rota, ainda encontra alguns vestígios de uma calçada medieval que chegou a ser usada como trajecto oficial do contrabando mas que entretanto passou a estar nos radares da polícia e obrigou a um desvio pelo meio do mato.
O objectivo desta rota é desbravar terreno, respirar o ar puro, viver um pedaço da História que poucos conhecem e, naturalmente, aproveitar o estar na região para ir conhecer a vila de Marvão (a 12 km de distância de Galegos) e Castelo de Vide, a pouco mais de 15 minutos de carro.
Rua de São Cristóvão, 7. 91 536 8190. Seg-Sáb 11.00-21.00, Dom 15.00- 20.00.