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©Marco DuarteComboio Histórico
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Pouca terra, tanta terra

Rume a norte para uma viagem única pelo Douro, a bordo do Comboio Histórico, um percurso com vistas impressionantes entre a Régua, o Pinhão e o Tua.

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Agostinho Ferreira chama-lhe “a máquina”. Filho de ferroviário e mecânico da CP há 32 anos, lembra-se como se fosse hoje do dia em que este comboio lhe foi parar às mãos. “Esta máquina quando chegou à oficina era castanha, cheia de ferrugem, sem peças”, recorda. O processo de recuperação daquilo que viria a ser o Comboio Histórico do Douro foi “muito exigente”, diz, mas foi também “dos melhores trabalhos que já se fizeram”.

“Fiz parte de uma equipa excepcional”, recorda. “Era tudo novo para nós. Havia um mecânico que, quando tínhamos alguma dúvida, chegava a casa e perguntava ao tio, que tinha trabalhado na manutenção dos comboios a vapor. Dos colegas que fizeram a reparação desta máquina já só estou cá eu.”

Desde 2016 que o Comboio Histórico do Douro é uma das principais atracções da região, num trajecto que parte da Régua, faz uma paragem no Pinhão e segue até ao Tua. É composto por cinco carruagens históricas, rebocadas por uma locomotiva a vapor, construída em 1925 pela fábrica alemã Henschel & Son. No final dos anos 90 a CP iniciou a sua exploração comercial e em 2013 o comboio saiu de circulação para ser intervencionado, de modo a torná-lo mais eficiente e sustentável a nível energético. A principal actualização foi a mudança da caldeira: apesar de continuar a ser a vapor, é uma reprodução da original, em que se usa diesel em vez de carvão, com menos fumo, sem cinzas e sem risco de incêndio.

Desde o arranque, em Agosto deste ano, que não têm faltado passageiros – portugueses e estrangeiros, mas, desta vez, os turistas nacionais estão em maioria. É o caso de Maria Fonseca, que veio de Coimbra para fazer esta viagem pela segunda vez. “Há três anos vim com umas amigas e fiquei encantada, apesar de às vezes ser difícil aguentar este calor duriense”, graceja à janela de leque e garrafa de água. “Por causa da pandemia, este ano decidimos apostar mais em viagens por Portugal e lembrei-me de voltar. O Douro é sempre um regalo para os olhos e um alívio para a mente.”

Pouca terra, tanta terra

Partida

Vá lá, não se atrase. O Comboio Histórico parte às 15.28, e vale a pena chegar um pouco antes para ter um cheirinho de como se prepara a máquina. “Antes da viagem fazemos uma manutenção preventiva”, refere Agostinho Ferreira. “O processo é simples, mas é preciso ter boa visão. Passa muito por observar sintomas. Parafusos que possam estar desapertados, lubrificar constantemente, ter atenção a possíveis fugas na caldeira... Isto é tudo muito bonito, mas é preciso ter cuidado.”

Maquinistas e mecânicos trabalham em equipa. O colega de cabine do maquinista, Adelino Marques, aproveita os minutos antes do tiro de partida para lubrificar o comboio de forma manual, ponto por ponto. “O que eu gosto mais nisto é a condução, porque é tudo mecânico, não há nada de electrónicas. Tecnologia para mim já é um bocado avançado... eu ainda sou antiquado”, diz.

Os passageiros vão-se juntando no exterior do comboio. Começa o rodopio de fotografias; bebe-se o vinho do Porto que é oferecido no momento do check-in, juntamente com uma garrafa de água e rebuçados típicos da Régua; dá-se uns passinhos de dança ao som de um grupo de música e cantares tradicionais da região (em tempos pré-Covid, a animação acontecia dentro do comboio). Entretanto, os silvos da locomotiva, cada vez mais insistentes, servem de sinal para o arranque da viagem.

Um passeio memorável

As carruagens vão cheias – o comboio tem estado sempre esgotado –, mas dá para circular, inclusivamente em algumas partes exteriores. Aí, a vista é ainda mais encantadora, com o rio à frente e as encostas do Douro a desdobrar-se à medida que o comboio avança. A experiência é bem diferente da de um comboio normal: sente-se mais a terra, os sons das rodas nos carris, o vento quente a bater na cara. O próprio equipamento, dos assentos em madeira (autênticas relíquias vintage) às janelas verdes entre as carruagens (podiam ter saído de um filme de Wes Anderson), dá outra aura à viagem. Muitos passageiros não largam os telemóveis e as câmaras fotográficas; outros preferem meter a cabeça fora das janelas e gravar as memórias com o olhar. Apesar de o rio, as arribas e as vinhas serem os inegáveis protagonistas, vale a pena desviar a atenção de vez em quando para o outro lado, onde a paisagem é mais árida e selvagem. Num curto espaço de tempo, descobrimos as duas faces do Douro.

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Próxima paragem

Meia hora mais tarde chegamos ao Pinhão, essa prova infalível de beleza. Somos acolhidos na estação com palmas de passageiros à espera de outros comboios. Faz-se uma paragem de cerca de 10 minutos para encher o reservatório com água e, assim, voltar a conseguir o vapor necessário para seguir caminho – um dos trabalhadores da CP põe-se em cima da locomotiva a manobrar a operação, o que dá mais uma sessão de fotografias improvisada, com os passageiros a procurem a imagem mais instragramável. Este intervalo é também aproveitado para dar um reforço na lubrificação. “Ao todo, gastamos 10 mil litros de água e quatro mil de gasóleo”, diz Agostinho Ferreira.

A partir do Pinhão, a paisagem vai ganhando outras metamorfoses. Chegados ao Tua, pelas 16.35, há uma paragem mais longa antes de voltar à Régua. Tem meia hora para visitar o Centro Interpretativo do Vale do Tua, mesmo ao lado da estação, ou, se não estiver para aí virado, fazer umas compras de produtos típicos ou, simplesmente, esticar as pernas e mimar os olhos com as vistas. O regresso é às 17.06. E durante mais uma hora e vinte pode reviver (quase) tudo outra vez.

Comboio Histórico do Douro: sábados e domingos até dia 10 de Outubro. Partida da Régua 15.28. Chegada: 18.26. 45€ (ida e volta).

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