A importância do produto
Vítor Adão tem o restaurante Plano em Lisboa, mas permanece ligado às origens. É um conhecedor profundo do território do Alto Tâmega e dos seus produtos. “Sempre tive um projecto de vida que passa por ir para fora trazendo para dentro”, afirma. Estar na capital não quer dizer que não tenha uma ligação forte a Trás-os-Montes. Para ele, “o produto é 95% da matriz de um território”. Entendendo o produto e o que se come, compreende-se tudo o resto à volta, defende. “Na minha aldeia [Carvela], as pessoas dão uma grande importância às batatas porque elas foram, juntamente com o pão, o matar de fome de muita gente. Temos de entender isso e perceber qual é a fauna e flora, o que se pode tirar delas”.
“O que torna esta rede de tabernas tão especial é o tipo de produtos que existem na região. De Montalegre a Chaves há um denominador comum, que é a hospitalidade, mas o produto muda completamente”, continua. Em 50 quilómetros, o tipo de alimentação muda consideravelmente. “Há o porco bísaro, que é a raça de cá, mas de Montalegre para Valpaços muda completamente. A alimentação que lhes é dada e as diferenças de temperatura influenciam a cura do produto.”
Em Padornelos, a manhã é de rebuliço. Aldina Moura e outras mulheres preparam tudo na cozinha desde as 08.00. Ricardo Moura, o outro dono da casa, vai deitando lenha para a lareira que aquece o espaço. Daí a instantes chegará uma camioneta com músicos da Filarmónica. Neste dia, as duas salas da casa dão lugar a mesas compridas para receber os grupos que marcaram almoço. Em plena Feira do Fumeiro, celebra-se com enchidos e vinho. Mas aqui, as especialidades são outras. Mantém-se o cozido barrosão, que não é igual aos outros, pois as carnes, enchidos e vegetais são produzidos de outra forma, e destaca-se o porco, o chouriço de abóbora, que é usado no cozido, e a farinheira, que é feita em tripa delgada.
“Nós somos um país tão pequeno e tão diverso”, nota Adão. “Olhando para Chaves e para Bragança, o tipo de fumeiro é completamente diferente, o tipo de lenha, de ingredientes, de tudo”. É aqui, afinal, nestas pequena vilas e aldeias, às vezes isoladas, que a memória da gastronomia popular se mantém viva, enquanto espera que o resto do país a venha descobrir.