Hotel Train Spot em Marvão
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Na rota do contrabando do café em Marvão

O caminho fazia-se a pé, à noite, e durava até de manhã. Eram 10 km em direcção à fronteira com Espanha com sacos de café às costas, que nem sempre lá chegavam. Calçámos os ténis e seguimos o rasto da clandestinidade do Alto Alentejo.

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Durante a ditadura, o café produzido em Portugal não podia sair para Espanha e, portanto, decretou o Estado Novo que qualquer tentativa de o vender por lá seria punida com pena de prisão. Ora isto para quem vivia da venda de café era um contratempo, mas nem por isso um impedimento. Lá encontraram maneira de contrabandeá-lo para o país vizinho, escapando (às vezes, outras nem por isso) às vigias apertadas de guardas e carabineiros que patrulhavam a raia.

De Marvão e das aldeias vizinhas, onde na altura havia meia dúzia de torrefacções em actividade, noite sim, noite sim partiam grupos de corajosos em direcção a La Fontañera com sacos de café cru às costas. O caminho fazia-se a pé, à noite, e durava até de manhã. Eram 10 km em direcção à fronteira com Espanha com sacos de café às costas, que nem sempre lá chegavam. Os homens com os mais pesados, de 60 kg, e as mulheres com os mais pequenos, de 20 kg. O percurso de 10 km fazia-se a pé pela Serra de São Mamede adentro, no breu total, levando geralmente a noite inteira a caminhar. De Espanha trazia-se dinheiro (muito) e todo o tipo de produtos que se pudesse vender nas aldeias – a bombazine, por exemplo, na altura, valia o risco.

O tempo passou e hoje aquele que é conhecido como o “Percurso do Contrabando do Café” no Alto Alentejo virou passeio turístico, apadrinhado pela Câmara Municipal de Marvão, que anualmente organiza uma caminhada comentada na primeira pessoa por quem sobreviveu à clandestinidade. Integrado na Rede de Percursos de Natureza da região, reduziu-se ligeiramente a rota para 6 km, num trajecto fácil que se estima que seja cumprido em cerca de 2h30.

A partida dá-se junto ao cemitério da pequena aldeia de Galegos, segue pelo Monte de Baixo, e já na chegada a Pitaranha é possível avistar a povoação espanhola La Fontañera, onde se fazia a venda e troca de mercadoria. Pelo caminho, há uma subida de 206 metros e uma passagem sinuosa por um conjunto de escarpas que exigem alguma resistência de pernas, mas que valem bem o esforço pela vista desafogada para o castelo de Marvão. Como companhia de viagem, apenas o bosque cerrado de sobreiros, meia dúzia de terrenos agrícolas e um pequeno curso de água. Se fugir ligeiramente da rota, ainda encontra alguns vestígios de uma calçada medieval que chegou a ser usada como trajecto oficial do contrabando mas que entretanto passou a estar nos radares da polícia e obrigou a um desvio pelo meio do mato.

O objectivo desta rota é desbravar terreno, respirar o ar puro, viver um pedaço da História que poucos conhecem e, naturalmente, aproveitar o estar na região para ir conhecer a vila de Marvão (a 12 km de distância de Galegos) e Castelo de Vide, a pouco mais de 15 minutos de carro.

Rua de São Cristóvão, 7. 91 536 8190. Seg-Sáb 11.00-21.00, Dom 15.00- 20.00.

Na rota do contrabando do café em Marvão

Onde dormir

No registo de reviver memórias antigas da terra, a guesthouse Train Spot é o sítio ideal para se entregar a um merecido descanso. O nome não deixa margem para dúvidas: a ocupar o edifício da antiga estação ferroviária de Marvão, tem sete quartos duplos, dois apartamentos familiares e uma sala de estar deslumbrante que ainda preserva o chão em xadrez, os azulejos centenários nas paredes e uma meia dúzia de janelas rasgadas para os carris. Lá dentro, convivem móveis contemporâneos com peças de artesãos locais e a biblioteca, bem recheada de livros de autores portugueses e jogos de tabuleiro, é a única alternativa à televisão, que é objecto que não existe em parte nenhuma da casa. Para aproveitar o tempo, que aqui corre lento entre o silêncio profundo e o canto dos pássaros, há uma novidade que vai querer experimentar: passeios em quadriciclos movidos a pedal, no fundo uns carrinhos de quatro rodas, que viajam na linha férrea até Castelo de Vide (€20 por pessoa, disponível também para o público em geral). Ainda este ano deve abrir o novo bar no armazém da estação. A partir de 60€ (quarto com wc privado).

Onde comer

Se tudo correr bem, e se tiver partido logo pela fresca, à hora de almoço já está o assunto despachado e pode, então, começar a encaminhar-se para a próxima paragem, perdão Portagem, mesmo no sopé da serra e com vista para Marvão. Portagem é, de facto, o nome da localidade onde se come o melhor sarapatel da região, mais precisamente no restaurante Mil-Homens (Rua Nova, 14), um daqueles raros sítios que dispensa o conceito e prefere apostar na comida de panela à antiga. Consta de uma sopa rica feita com os miúdos do porco, bem puxada no tempero e polvilhada com umas folhas de hortelã. Deve acompanhar com um copo de branco da casa. Praticamente na porta ao lado, na Churrasqueira Sever (Rua Nova, 24), além do clássico porco preto na brasa, pode ter a sorte de calhar num dia em que o prato de almoço é o cozido de grão e, se for o caso de não apreciar as entranhas do restaurante vizinho, esta será sempre uma boa opção. Em tempo de caça, estufam-se uns coelhos e umas lebres com feijão e abrem-se boas garrafas de vinho alentejano.

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Como chegar

Há várias opções, mas a mais rápida é via A1, até à saída Abrantes/Castelo Branco/Torres Novas. Siga então na A23 para depois sair no IP2 em direcção a Portalegre/ N359/Nisa. Marvão aparecerá no caminho.

Mais escapadinhas

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Muito Alto, muito louro, muito pouco preocupado com
o facto de estar a vestir um kilt escocês no calor do Alentejo. “Roubei-o à família da minha mulher, esta é a cor e o padrão 
do apelido da família dela e eles não se importam que o use”, diz Mitch Webber, uma das metades do A Place at Evoramonte, um novo alojamento local que
 surgiu na planície alentejana
 em Novembro de 2017. Mitch conheceu Vicki em 2000 e depois de alguns anos a viver
em Inglaterra e na Tailândia mudaram-se para Evoramonte em Maio do ano passado. Ela é escocesa, ele nasceu na África do Sul – “Mas eu é que o deixo usar o kilt”, relembra Vicki. Nunca tinham estado em Portugal mas tanta gente lhes recomendou que viessem cá, “porque as pessoas eram simpáticas”, que acabaram por chegar e procurar casa. Depois de correrem alguns cantos do país, optaram por Évora, mas quando se preparavam para conhecer uma casa, deram com outra, recém-chegada ao site que habitualmente consultavam. Desde logo, algo lhes saltou à vista: “Pensámos, uau!, quero viver no castelo mesmo que não esteja para venda”, conta Vicki emoldurada pela torre de menagem de Evoramonte. Tomaram um café na varanda com o agente da imobiliária e apaixonaram-se pela freguesia. Há muito que tinham vontade em abrir algo do género na Escócia, mas depois de terem vivido em Banguecoque durante quatro anos, explica Vicki, acabaram por se habituar ao calor e ao bom tempo: “A Escócia é bonita mas lá está sempre a chover”, brinca.
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