Eles Eram Muitos Cavalos”, o romance de estreia de Luiz Ruffato, chegou a Portugal 17 anos após a edição original. Deixámo-nos arrastar pelo turbilhão da metrópole brasileira.
Mamas & Badanas está dividido em dois por um profundo rego: de um lado uma centena de páginas sobre os textos nas badanas e contracapas dos livros de autores portugueses; do outro um volume similar de páginas que inventariam ocorrências de seios. Ambos possuem elevado potencial humorístico – os textos nas badanas e contracapas veiculam a imagem do escritor como xamã e engenheiro de almas na linguagem da publicidade a champôs e o erotismo na literatura costuma ser tão desajeitado que mais facilmente suscita o riso do que a excitação – e o crítico literário João Pedro George (JPG) ganhou fama de enfant terrible num meio que descreveu assim num debate realizado em 2006 na Casa Fernando Pessoa: “em Portugal há uma crítica de fachada e no meio literário há um ambiente de vénias mútuas e elogios fáceis”.
Esperar-se-ia pois que Mamas & badanas “batesse onde dói” e fosse divertido, mas quase todos os seus golpes são frouxos e mal dirigidos. Na I parte, JPG contenta-se em acumular centenas de excertos de badanas e contracapas e realçar os seus aspectos mais pomposos, tolos e estereotipados. Nas raras vezes em que tenta ir mais longe, cai em equívocos: defende, por exemplo, que, nesses textos, os autores “desenvolvem a sua mitologia pessoal e representam a peça de teatro da sua mise en scène” (uma frase calamitosa, diga-se de passagem), quando em muitos casos tais textos são da responsabilidade da editora. JPG inclui na “análise” as badanas dos seus próprios livros, num capítulo que parece servir antes de mais para se pavonear sob os holofotes, mesmo que num registo auto-irrisório. As badanas dos livros de JPG deixam-nos perante duas possibilidades: se são da autoria de JPG, conclui-se que não é capaz de fazer melhor do que as banalidades que reprova; se foram impostas pela editora, reconhece implicitamente a impotência dos escritores para contrariar uma prática generalizada.
É fácil demonstrar que os textos das badanas e contracapas são invariável e inerentemente ridículos, mas de nada serve se não se conseguir usar esse ridículo para denunciar que muitos livros que o meio literário saúda como obras-primas e “retratos brilhantes da sociedade portuguesa” não são menos ocos, fátuos e ineptos do que a tagarelice que os promove. O tom chocarreiro com que JPG se refere à maior parte dos autores, não só aos fabricantes de literatura de supermercado como aos que são respeitados pela crítica, sugere que os tem em pouca conta, mas raramente se atreve a ir além da pilhéria ligeira, apontando-lhes as reais debilidades – fá-lo, por exemplo, quando realça que Miguel Sousa Tavares tem muito mais em comum com José Rodrigues dos Santos do que os entusiastas de Equador estariam dispostos a admitir.
Só no parágrafo final da “análise”, após uma monótona massa de citações, piadas falhadas, e estocadas malévolas mas que raramente fazem sangrar, consegue JPG lavrar uma frase certeira e cáustica: “o facto de as sociedades exigirem cada vez mais leituras rápidas, breves, fragmentadas, líquidas, imediatas, parecem indicar que, no futuro, as badanas e contracapas poderão sobreviver ao livro”.
A tese defendida na II parte do livro, “As mamas na literatura portuguesa: Entre Os Lusíadas e A gorda”, é a de que os escritores portugueses – de ambos os sexos – estão obcecados com seios opulentos. E JPG preenche páginas e páginas com um enfadonho desfile de excertos que mencionam seios, como se este fastidioso inventário comprovasse a sua teoria e uma recolha selectiva e descontextualizada de menções a nádegas, narizes, olhos ou mãos na ficção portuguesa não fosse capaz de produzir também “provas” de outras obsessões dos literatos portugueses.
JPG assenta todo o livro na presunção de que os padrões que identifica – a obsessão dos escritores com mamas (e, por arrasto, o ridículo em que a literatura tende a cair quando trata cenas eróticas), a verborreia estereotipada dos textos nas badanas, a proliferação de cursos de escrita criativa e de escritores que deveriam guardar para si as suas pífias reflexões – são fenómenos especificamente portugueses e vai ao ponto de afirmar que “além da praia, do golfe e dos portos de cruzeiro, Portugal tornou-se, decididamente, o melhor destino do mundo para escrever e publicar um livro”. Todavia, em momento algum se atreve a comparar as supostas idiossincrasias do meio literário português com a realidade fora das nossas fronteiras, pois se o fizesse a sua argumentação desmoronar-se-ia e este livro perderia a única (e débil) justificação para ter visto a luz do dia. O que não impede que Portugal seja, com efeito, um dos muitos países em que se tornou demasiado fácil publicar, como este livro atesta.
Mamas & Badanas * (uma estrela)
Guerra & Paz
208 pp
17,91€